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A curiosidade traz o crescimento e é o antídoto ao negacionismo

Alguém curioso tem sede de saber, quer absorver conhecimento e informações

O robô Curiosity tira selfie por completar um ano marciano (NASA/JPL-Caltech/MSSS/Divulgação)
BG

Bibiana Guaraldi

Publicado em 14 de dezembro de 2020 às 08h11.

Vou abrir o jogo logo no começo: devo tudo o que sou ou conquistei à curiosidade. Cheguei a essa conclusão recentemente, refletindo sobre qualidades e defeitos de minha personalidade. De todas as características que listei mentalmente, a curiosidade é aquela que mais se sobressai nos traços que me definem como pessoa – e há várias que surgem a partir desse interesse contínuo que tenho pelo desconhecido ou por argumentos que trombam com minhas convicções.

Como boa parte dos jornalistas, comecei minha carreira como repórter e ser curioso me ajudou muito a prestar atenção no que me falavam e fazer perguntas seguidas (muitas vezes chatas) até entender o assunto sobre o qual deveria escrever. Mas de nada vale a curiosidade em um repórter sem a insistência. Fazer uma reportagem, muitas vezes, é procurar novas portas para seguir em frente quando lhe fecham o caminho em frente.

Ser curioso é um vício insaciável e não acomete apenas jornalistas. Dou um exemplo: conheço dois sócios de um negócio bilionário. Um é excepcional do ponto de vista técnico, mas não tem paciência para buscar novas informações ou conhecer novos mercados. Outro vive em permanente ebulição e inquietude. Certa vez, visitando a cidade de Fortaleza, viu uma Ferrari passar por ele. Anotou a placa e a passou para o representante local, dizendo que se alguém tem dinheiro para comprar um carro desses, pode se interessar em ser seu cliente. Quando se comparam as fortunas desses dois sócios, os dois números são elevados. Mas os do curioso têm dez dígitos ou mais.

Um outro amigo é do varejo e tem uma origem familiar humilde. Mas sempre foi uma pessoa antenada e observadora, que gosta de perguntar a opinião dos outros sobre tudo – de preconceito racial às razões para o sucesso do modelo da Amazon. Este empresário faz parte de alguns grupos de relacionamento e usa essas oportunidades para desvendar o sucesso alheio, aproveitando para adaptar algumas receitas bem sucedidas ao seu negócio. Seu interesse, evidentemente, também está postado nas estratégias adotadas pelos concorrentes. E se dedica a investigá-las constantemente, falando com ex-executivos dos competidores e fornecedores em comum.

A curiosidade ampla e destemida também nos ajuda a dominar a vaidade e a soberba. Alguém curioso tem sede de saber, quer absorver conhecimento e informações. E, neste processo, percebe que a famosa frase atribuída ao filósofo grego Sócrates (“Só sei que nada sei”) é algo tão verdadeiro e poderoso que acaba levando a um estado permanente de humildade.

Ao sermos humildes porque percebemos o quanto somos ignorantes perto de todo o conhecimento existente no mundo não quer dizer que necessariamente precisamos levar nossas existências como pessoas cordatas e submissas. A humildade, aqui, nos ajuda a deixar sempre aberta a caixa em que acumulamos o aprendizado e a experiência – mas não nos deve levar a um estado mental no qual julgamos os outros melhores que nós. O estado permanente de curiosidade, aliás, nos brinda com uma característica especial: querer conversar com todo o tipo de pessoas, dos mais letrados àqueles que têm apenas histórias de vida para contar. Nos últimos anos, por exemplo, uma das conversas que mais impressionou foi a que tive com o pai de uma amiga, um ex-garimpeiro que tem pouco estudo formal. Mas que tem uma história de vida fascinante e uma cultura tácita gigantesca. Esse tête-à-tête foi um dos bate-papos mais edificantes que já tive – e olhe que já entrevistei pessoas muito interessantes em 30 anos de jornalismo.

A curiosidade não é cem por cento positiva. Ela leva fatalmente à busca de informações que possam desvendar o futuro. Isso ocorre o tempo todo entre os jornalistas, principalmente aqueles que cobrem economia e política. Vasculhamos as informações do presente tentando encontrar algo que nos dê uma dica sobre o que virá à frente. Mas invariavelmente damos com os burros n’água. Sempre ocorre, no meio do caminho, algo inesperado que muda a trajetória da história (como a pandemia fez com o ano de 2020) e torna este esforço inútil.

Por fim, o curioso pode ter em seu favor o antídoto do negacionismo. Esta é uma praga que nos atinge diariamente, de várias formas. Entre os negacionistas há aqueles que julgam a terra ser plana ou os que enxergam com desconfiança uma mera vacina contra o sarampo. Estes dois exemplos denotam uma arrogância titânica entre os defensores dessas causas. São pessoas que acreditam saber de algo que a maioria desconhece, movidos apenas pela crença em teorias da conspiração e desconhecimento total da ciência. Gente curiosa jamais aceitaria uma tese estapafúrdia sem buscar evidências e argumentos racionais. É por isso que precisamos de líderes com curiosidade ávida por conhecimento. Este é o único caminho para exercitar a ponderação, o equilíbrio e a prosperidade. E para explorar o desconhecido. Não é à toa que a Nasa batizou a sonda enviada ao Planeta Marte (foto) com um nome extremamente adequado: “Curiosity” (“Curiosidade”).

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Vou abrir o jogo logo no começo: devo tudo o que sou ou conquistei à curiosidade. Cheguei a essa conclusão recentemente, refletindo sobre qualidades e defeitos de minha personalidade. De todas as características que listei mentalmente, a curiosidade é aquela que mais se sobressai nos traços que me definem como pessoa – e há várias que surgem a partir desse interesse contínuo que tenho pelo desconhecido ou por argumentos que trombam com minhas convicções.

Como boa parte dos jornalistas, comecei minha carreira como repórter e ser curioso me ajudou muito a prestar atenção no que me falavam e fazer perguntas seguidas (muitas vezes chatas) até entender o assunto sobre o qual deveria escrever. Mas de nada vale a curiosidade em um repórter sem a insistência. Fazer uma reportagem, muitas vezes, é procurar novas portas para seguir em frente quando lhe fecham o caminho em frente.

Ser curioso é um vício insaciável e não acomete apenas jornalistas. Dou um exemplo: conheço dois sócios de um negócio bilionário. Um é excepcional do ponto de vista técnico, mas não tem paciência para buscar novas informações ou conhecer novos mercados. Outro vive em permanente ebulição e inquietude. Certa vez, visitando a cidade de Fortaleza, viu uma Ferrari passar por ele. Anotou a placa e a passou para o representante local, dizendo que se alguém tem dinheiro para comprar um carro desses, pode se interessar em ser seu cliente. Quando se comparam as fortunas desses dois sócios, os dois números são elevados. Mas os do curioso têm dez dígitos ou mais.

Um outro amigo é do varejo e tem uma origem familiar humilde. Mas sempre foi uma pessoa antenada e observadora, que gosta de perguntar a opinião dos outros sobre tudo – de preconceito racial às razões para o sucesso do modelo da Amazon. Este empresário faz parte de alguns grupos de relacionamento e usa essas oportunidades para desvendar o sucesso alheio, aproveitando para adaptar algumas receitas bem sucedidas ao seu negócio. Seu interesse, evidentemente, também está postado nas estratégias adotadas pelos concorrentes. E se dedica a investigá-las constantemente, falando com ex-executivos dos competidores e fornecedores em comum.

A curiosidade ampla e destemida também nos ajuda a dominar a vaidade e a soberba. Alguém curioso tem sede de saber, quer absorver conhecimento e informações. E, neste processo, percebe que a famosa frase atribuída ao filósofo grego Sócrates (“Só sei que nada sei”) é algo tão verdadeiro e poderoso que acaba levando a um estado permanente de humildade.

Ao sermos humildes porque percebemos o quanto somos ignorantes perto de todo o conhecimento existente no mundo não quer dizer que necessariamente precisamos levar nossas existências como pessoas cordatas e submissas. A humildade, aqui, nos ajuda a deixar sempre aberta a caixa em que acumulamos o aprendizado e a experiência – mas não nos deve levar a um estado mental no qual julgamos os outros melhores que nós. O estado permanente de curiosidade, aliás, nos brinda com uma característica especial: querer conversar com todo o tipo de pessoas, dos mais letrados àqueles que têm apenas histórias de vida para contar. Nos últimos anos, por exemplo, uma das conversas que mais impressionou foi a que tive com o pai de uma amiga, um ex-garimpeiro que tem pouco estudo formal. Mas que tem uma história de vida fascinante e uma cultura tácita gigantesca. Esse tête-à-tête foi um dos bate-papos mais edificantes que já tive – e olhe que já entrevistei pessoas muito interessantes em 30 anos de jornalismo.

A curiosidade não é cem por cento positiva. Ela leva fatalmente à busca de informações que possam desvendar o futuro. Isso ocorre o tempo todo entre os jornalistas, principalmente aqueles que cobrem economia e política. Vasculhamos as informações do presente tentando encontrar algo que nos dê uma dica sobre o que virá à frente. Mas invariavelmente damos com os burros n’água. Sempre ocorre, no meio do caminho, algo inesperado que muda a trajetória da história (como a pandemia fez com o ano de 2020) e torna este esforço inútil.

Por fim, o curioso pode ter em seu favor o antídoto do negacionismo. Esta é uma praga que nos atinge diariamente, de várias formas. Entre os negacionistas há aqueles que julgam a terra ser plana ou os que enxergam com desconfiança uma mera vacina contra o sarampo. Estes dois exemplos denotam uma arrogância titânica entre os defensores dessas causas. São pessoas que acreditam saber de algo que a maioria desconhece, movidos apenas pela crença em teorias da conspiração e desconhecimento total da ciência. Gente curiosa jamais aceitaria uma tese estapafúrdia sem buscar evidências e argumentos racionais. É por isso que precisamos de líderes com curiosidade ávida por conhecimento. Este é o único caminho para exercitar a ponderação, o equilíbrio e a prosperidade. E para explorar o desconhecido. Não é à toa que a Nasa batizou a sonda enviada ao Planeta Marte (foto) com um nome extremamente adequado: “Curiosity” (“Curiosidade”).

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