O desmatamento na Amazônia Legal caiu 30,6% entre agosto de 2023 e julho de 2024, segundo dados apresentados pelo Inpe (AFP)
Colunista
Publicado em 19 de abril de 2025 às 08h00.
Última atualização em 19 de abril de 2025 às 14h43.
O Brasil costuma ser visto lá fora como vilão nas questões ambientais. Mas a história não é tão simples assim. Segundo a FAO, a organização da ONU para alimentação e agricultura, o Brasil mantém mais de 60% do seu território com vegetação nativa — bem mais do que grande parte da Europa, que desmatou suas florestas séculos atrás. Ainda preservamos cerca de 84% da floresta amazônica original. E menos de 8% do território brasileiro é área cultivada. Esses números, por si só, já mostram que a nossa realidade ambiental é bem mais complexa do que sugerem as manchetes.
Os dados da nossa matriz energética seguem a mesma lógica. Cerca de 46% da nossa energia primária vem de fontes renováveis, enquanto no mundo esse número gira em torno de 14–15%. E entre 80–85% da nossa eletricidade é gerada por fontes renováveis — um índice bem acima da média da União Europeia (cerca de 35–40%) e dos Estados Unidos (aproximadamente 20–25%). Mesmo comparando com outras economias emergentes — como China (35%), Índia (30%), México (25%) e Turquia (40%) — o Brasil segue na frente quando o assunto é energia renovável.
Mas os picos recentes de desmatamento são reais, preocupam, e precisam ser enfrentados. Os dados de 2015 a 2019, em especial, não são bons. Em 2019, o desmatamento anual chegou a 10.100 km²; em 2021, bateu 13.000 km². Isso contrasta fortemente com a média entre 2012 e 2018, que foi de cerca de 6.200 km². Ou seja: não somos vilões ambientais, mas temos um problema sério nas mãos — e fingir que não existe seria um erro.
Mesmo assim, o Brasil carrega um rótulo injusto em muitas conversas internacionais. Parte disso é culpa nossa. Os dados recentes preocupam, a nossa comunicação é falha e a postura do ex-presidente Bolsonaro aumentou o medo sobre o nosso futuro ambiental. Mas parte também vem de mercados protecionistas que veem com receio o avanço do nosso agronegócio. A Europa, por exemplo, muitas vezes ignora seu próprio histórico de desmatamento, e parte da pressão ambiental por lá parece estar alinhada a uma estratégia de defesa dos seus agricultores contra a nossa competitividade.
Ainda assim, fomos nós que deixamos passar a oportunidade de liderar a diplomacia ambiental. A culpa não é só do cenário externo. O Brasil também falhou. A percepção internacional sobre o Brasil se deteriorou nos últimos anos, especialmente durante o governo Bolsonaro, quando passamos a ser vistos por muitos como um país menos comprometido com a agenda ambiental. Essa imagem, aliada a uma política externa ainda pouco articulada de Lula e à nossa dificuldade histórica de construir uma agenda internacional estratégica e consistente, acabou limitando o espaço do Brasil como potencial liderança global em temas ambientais.
Falo diariamente com alguns dos maiores fundos de investimento do mundo — e muitos ainda desconhecem a realidade ambiental do Brasil. Para esses investidores, especialmente fundos europeus, fundos soberanos e grandes family offices, a pauta ambiental pesa muito na hora de decidir onde alocar recursos. Importa o histórico, importam as políticas atuais, e importa, talvez ainda mais, o prognóstico do que está por vir. Por isso, o Brasil precisa ser mais vocal sobre as conquistas que já tem e muito mais propositivo e estratégico sobre os planos que pretende seguir.
A verdade é que política externa quase nunca tem destaque na política brasileira. Diferente dos EUA ou da Europa, aqui as eleições não giram em torno do que acontece fora. O Congresso e a sociedade civil estão mais preocupados com economia, violência, corrupção, saúde, educação. Sem esse olhar mais atento, a política externa acaba sendo definida pelo presidente da vez e um grupo pequeno de conselheiros. Nosso Itamaraty é excelente e sofisticado, com uma tradição diplomática respeitada, mas raramente molda o debate nacional como faz, por exemplo, o Ministério da Fazenda quando o tema é fiscal.
Mesmo com bons indicadores e alguns avanços recentes — como o marco regulatório do hidrogênio verde e do mercado de carbono — os últimos governos não perceberam o papel natural que o Brasil poderia estar exercendo como liderança ambiental global. Bolsonaro escolheu o confronto e o isolamento. E Lula, até agora, gastou boa parte do tempo tentando, sem sucesso, virar protagonista em disputas geopolíticas como a guerra na Ucrânia ou o conflito entre Israel e Hamas.
A diplomacia brasileira sempre se orgulhou da nossa capacidade de falar com todos, independentemente de ideologia. Isso talvez seja nosso "superpoder" diplomático. É exatamente esse tipo de força que deveríamos usar para construir uma agenda que tenha a ver com o que somos, e que pode unir diferentes setores e interesses — como é o caso da agenda ambiental.
Agora, o Brasil tem uma oportunidade rara. Em poucos meses, Belém, no Pará, vai sediar a COP-30 — bem no coração da Amazônia. Mais do que um evento bem organizado, é a chance de mostrar nossas credenciais, defender políticas alinhadas às nossas forças e juntar atores importantes para desenhar uma estratégia ambiental verdadeira e de longo prazo. Uma estratégia que, se bem feita, pode ser uma vitória dupla: boa para o planeta e boa para a nossa economia. Assumir esse protagonismo ambiental global é não apenas uma necessidade, mas uma excelente oportunidade econômica e diplomática.
O Brasil precisa mirar alto. Temos os recursos naturais, temos tecnologia no agronegócio, e temos um histórico — com todos os seus altos e baixos — que ainda assim coloca o país à frente de muita gente. Precisamos aproveitar essa força, organizar nossa visão de política externa e ocupar o espaço que podemos — e deveríamos — ocupar como liderança ambiental global.
Podemos — e deveríamos — fazer muito mais. O Brasil tem todas as credenciais para se tornar a principal diplomacia ambiental do mundo. Para isso, precisamos de ambição, constância e método. Poderíamos, por exemplo, organizar fóruns anuais sobre mineração e energia sustentáveis, transformando o país em referência global nesses setores. Também deveríamos ter um plano concreto para nos tornarmos o maior centro de negociação de créditos de carbono do mundo — algo perfeitamente viável dada a nossa matriz energética e a extensão das nossas áreas preservadas.
É essencial fomentar, de forma permanente, o diálogo entre governo e setor privado para discutir como nossa expertise em energia limpa pode atrair novos investimentos. Nossas embaixadas e diplomatas devem atuar ativamente como multiplicadores dessa narrativa, levando ao mundo a mensagem clara do nosso compromisso ambiental, climático e energético. E mais: precisamos ocupar o debate público global. Que nossos ministros, governadores e lideranças escrevam em grandes veículos internacionais, participem de conferências e promovam o Brasil como um protagonista ambiental — não só por obrigação moral, mas também por inteligência geopolítica e estratégia econômica.
Se não contarmos nossa história, outros contarão por nós — e nem sempre da melhor forma.