Marielle Franco: pegar culpados é teste de fogo para intervenção
Execução planejada de vereadora do Psol marca novo fundo do poço no Rio de Janeiro
Publicado em 15 de março de 2018 às, 12h29.
Última atualização em 15 de março de 2018 às, 16h33.
Quem lê esta coluna sabe que não nutro qualquer simpatia pelas ideias e pelos métodos do PSOL, mas é impossível não se solidarizar num momento de tamanha barbárie e injustiça. Marielle Franco, vereadora da cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL assassinada ontem na região central da cidade, foi um exemplo de coragem na luta pelos direitos humanos. Foi incansável na defesa de indivíduos vulneráveis contra a violência criminosa de milícias e do próprio Estado, que se pretende de Direito mas, na prática, comete violações e arbitrariedades. Que sua família encontre forças neste momento, que sua memória seja lembrada e seu legado levado adiante.
Não está claro ainda quem foi o responsável pelo atentado, que vitimou também o motorista Anderson Pedro Gomes. A assessora Fernanda Chaves estava no veículo e sobreviveu; quem sabe ela possa ajudar nas investigações. O fato é que Marielle vinha denunciando com muita força a atuação do 41º batalhão da Polícia Militar na favela de Acari, além de combater constantemente as milícias que aterrorizam tantas comunidades. É razoável supor que o assassinato tenha partido dessa estrutura do crime organizado carioca, que conta com atores estatais e não-estatais.
Via de regra, um assassinato premeditado não se mostra como tal. Busca se disfarçar de algum outro crime, como um latrocínio, para não dar bandeira. Neste caso, não houve nenhuma tentativa de disfarçar: os criminosos atiraram nove vezes no carro da vereadora e fugiram, sem roubar nada. Deram bandeira propositalmente. Ou seja, além de um assassinato, foi também um recado para outros que façam o que Marielle vinha fazendo: denunciando grupos que matam para garantir seu poder. E isso mostra como, para o crime, a legislação brasileira e as forças encarregadas de mantê-la já não impõem medo algum. A democracia está refém de bandidos armados.
A situação no Rio de Janeiro é gravíssima. Não só pelo índice de violência – há lugares com ainda mais mortes -, como pelo poder de traficantes e milícias que rivalizam com o Estado e, para completar, por ter polícias que atuam também como facções criminosas. É praticamente impossível que uma solução do problema venha de dentro do estado, pois as forças capazes de combater a criminalidade estão elas mesmas corrompidas e em alguma medida trabalhando contra seu propósito institucional. Por isso enxerguei desde o início a intervenção federal na segurança do estado como desejável. Apenas um agente externo – com liberdade para gerir as polícias se preocupar com aços políticos – terá alguma esperança de consertar uma realidade interna calamitosa e que já não responde a qualquer tentativa de mudança que vem de dentro.
A situação já era gravíssima, mas a execução planejada de uma vereadora marca um novo fundo do poço. Sendo assim, é também o teste de fogo do interventor federal, o general Walter Braga Netto, e seu secretário de segurança pública, o general Richard Nunes. Se falharem em resolver esse caso, ficará difícil levar a intervenção a sério; como algo mais do que mero paliativo para inglês ver. Por outro lado, se o exército pegar os culpados – o que envolverá confronto direto com o crime organizado -, a intervenção estará vindicada, e poderemos ter esperança na restauração da segurança no estado.
O assassinato de Marielle Franco foi um ato desumano e um atentado contra a ordem social, legal e política. Que ela ao menos sirva como o início de uma retomada ao caminho da lei e da ordem, a única esperança para um dia sermos uma sociedade que respeite os direitos humanos, tal como a vereadora sonhava.