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Uma experiência a céu aberto

O Parque do Ibirapuera ajuda no aprendizado sobre os programas de parcerias com a iniciativa privada

É nesse contexto que a análise da concessão do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, por suas características particulares (Cris Faga/Getty Images)
Fernando Pieroni

Especialista em parcerias público-privadas

Publicado em 24 de novembro de 2023 às 11h01.

O desenvolvimento pelos governos de programas de parcerias com a iniciativa privada nos diversos setores econômicos ainda esbarra no pouco conhecimento da população e na falta de fundamentação das opiniões em fatos reais. Afinal, são instrumentos relativamente novos e que, por isso, ainda carecem de mais evidências e estudos sobre seus impactos para a sociedade. Realidade que, por vezes, alimenta um ambiente de subjetividade e de inclinações pessoais, em detrimento ao aprofundamento que o tema requer. É nesse contexto que a análise da concessão do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, por suas características particulares, ajuda a elucidar os benefícios e os desafios relacionados a esta ferramenta estratégica de gestão dos equipamentos e serviços públicos, trazendo aprendizados importantes.

O Parque do Ibirapuera foi concedido em 2019 como parte do programa de parcerias da Prefeitura de São Paulo. Junto com ele, foram levados à administração privada, no mesmo contrato, outros cinco parques em regiões mais vulneráveis da cidade – Jacintho Alberto, Eucaliptos, Tenente Brigadeiro Faria Lima, Lajeado e Jardim Felicidade –, de maneira que houvesse uma transferência de recursos centro-periferia para subsidiar a melhoria e a manutenção desses espaços. Especificamente no Ibirapuera, por distintas razões, alguns equipamentos permaneceram sob a gestão pública, ficando fora do objeto da concessão.

É justamente aí que reside a experiência a céu aberto. A possibilidade de comparação de espaços públicos sujeitos a distintos modelos de administração, dentro de um mesmo parque e expostos aos mesmos frequentadores, é uma excelente oportunidade para realizar um balanço da atuação da iniciativa privada nesses locais, frente à sua alternativa mais imediata, a gestão governamental.

O que se observa é que após quase quatro anos do início da vigência da concessão, importantes melhorias foram realizadas no Ibirapuera e demais parques por ele subsidiados, nos quais, muitas vezes, a simples recuperação das áreas e dos aparelhos esportivos faz toda diferença para as comunidades.

Entre alguns exemplos no Ibirapuera estão a restauração da Oca, um dos locais de exposição mais icônicos da cidade; reformas no Pavilhão das Culturas Brasileiras; recuperação do centro de visitantes na EMA – Escola Municipal de Astrofísica; e do Planetário. Além da zeladoria básica como melhorias na acessibilidade – pinturas de calçadas, recomposição de guias, alinhamentos dos portões, escadas e corrimãos, entre outros.

Em contrapartida, a parte do parque que permaneceu sob gestão pública continua enfrentando os mesmos desafios de anos atrás. A famosa marquise projetada por Oscar Niemeyer nos anos 1950 e tombada como patrimônio histórico permanece fechada porque a falta de manutenção gera riscos de desabamento de parte do seu teto. A precariedade das instalações levou o Ministério Público a pedir o cerco da instalação para evitar o acesso de pessoas até que uma solução para a questão seja encontrada. Outro exemplo é o Viveiro Manequinho Lopes, também excluído do contrato de concessão e cuja visitação tem sido dificultada por problemas estruturais.

A realidade é que, de maneira geral, os governos têm dificuldades para gerir instalações e serviços sob sua responsabilidade. Uma delas é a falta de recursos, algo cada vez mais crítico diante do quadro de crescente restrição fiscal, que gera disputas quanto a sua priorização e alocação, embaladas por pressões de grupos de interesse e inclinações político-partidárias dos políticos de plantão. Entretanto, mais do que isso, mesmo quando os recursos existem, os governos têm dificuldade para realizar a contratação de bens e serviços, até aquelas mais simples. Em função do regime jurídico ao qual estão sujeitos, em que o excesso de normas e controles geram riscos e burocracia, os gestores públicos frequentemente se encontram com as mãos amarradas e acuados com a possibilidade de questionamento dos órgãos de controle ou exposição de suas reputações.

Mas isso não significa que as parcerias são a panaceia que resolverão todos os problemas do setor público ou estão imunes a críticas. No caso do Parque do Ibirapuera, por exemplo, mesmo com o saldo positivo sob o ponto de vista da oferta e melhoria das instalações e serviços prestados à população, não são raras as reclamações pelo excesso de publicidade ou instalações temporárias que, para parte dos frequentadores, representa uma comercialização indevida do meio ambiente e um desvio do propósito de proporcionar um espaço acolhedor para o contato das pessoas com a natureza. Uma evidência da complexidade que é promover iniciativas de interesse público, que precisam lidar com a enorme pluralidade da sociedade nos seus mais distintos aspectos – social, identitário, etário, político e ideológico – para mencionar alguns.

Neste cenário tão diverso, ainda que seja impossível eliminá-las, a mitigação das controvérsias, assim como a construção de maior legitimidade das iniciativas, podem ser alcançadas com contratos de parceria desenhados com o efetivo diálogo entre as partes interessadas, de maneira a se definir claramente os direitos, deveres e limites do parceiro privado, adequados mecanismos de monitoramento de seu desempenho, e incentivos contratuais que garantam o cumprimento dos objetivos pretendidos pelo governo com a sua realização. Aspectos que estão presentes na concessão do Ibirapuera e têm sido aprimorados em outros projetos que o sucederam.

Desse modo, sem que se perca a prerrogativa de formular a política pública que deseja para o objeto a ser concessionado, o governo pode lançar mão da flexibilidade, recursos e conhecimento especializado do seu parceiro privado para realizar sua implementação. E a expectativa é que, a depender da maneira em que forem desenvolvidas e estudadas, teremos mais conhecimento e maturidade para elevar o nível das discussões sobre o assunto, retroalimentar as novas parcerias com aprendizados das experiências anteriores, e transformá-las em soluções de valor para melhorar os serviços prestados à população, mesmo cientes de que nunca será possível agradar a gregos e troianos.

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O desenvolvimento pelos governos de programas de parcerias com a iniciativa privada nos diversos setores econômicos ainda esbarra no pouco conhecimento da população e na falta de fundamentação das opiniões em fatos reais. Afinal, são instrumentos relativamente novos e que, por isso, ainda carecem de mais evidências e estudos sobre seus impactos para a sociedade. Realidade que, por vezes, alimenta um ambiente de subjetividade e de inclinações pessoais, em detrimento ao aprofundamento que o tema requer. É nesse contexto que a análise da concessão do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, por suas características particulares, ajuda a elucidar os benefícios e os desafios relacionados a esta ferramenta estratégica de gestão dos equipamentos e serviços públicos, trazendo aprendizados importantes.

O Parque do Ibirapuera foi concedido em 2019 como parte do programa de parcerias da Prefeitura de São Paulo. Junto com ele, foram levados à administração privada, no mesmo contrato, outros cinco parques em regiões mais vulneráveis da cidade – Jacintho Alberto, Eucaliptos, Tenente Brigadeiro Faria Lima, Lajeado e Jardim Felicidade –, de maneira que houvesse uma transferência de recursos centro-periferia para subsidiar a melhoria e a manutenção desses espaços. Especificamente no Ibirapuera, por distintas razões, alguns equipamentos permaneceram sob a gestão pública, ficando fora do objeto da concessão.

É justamente aí que reside a experiência a céu aberto. A possibilidade de comparação de espaços públicos sujeitos a distintos modelos de administração, dentro de um mesmo parque e expostos aos mesmos frequentadores, é uma excelente oportunidade para realizar um balanço da atuação da iniciativa privada nesses locais, frente à sua alternativa mais imediata, a gestão governamental.

O que se observa é que após quase quatro anos do início da vigência da concessão, importantes melhorias foram realizadas no Ibirapuera e demais parques por ele subsidiados, nos quais, muitas vezes, a simples recuperação das áreas e dos aparelhos esportivos faz toda diferença para as comunidades.

Entre alguns exemplos no Ibirapuera estão a restauração da Oca, um dos locais de exposição mais icônicos da cidade; reformas no Pavilhão das Culturas Brasileiras; recuperação do centro de visitantes na EMA – Escola Municipal de Astrofísica; e do Planetário. Além da zeladoria básica como melhorias na acessibilidade – pinturas de calçadas, recomposição de guias, alinhamentos dos portões, escadas e corrimãos, entre outros.

Em contrapartida, a parte do parque que permaneceu sob gestão pública continua enfrentando os mesmos desafios de anos atrás. A famosa marquise projetada por Oscar Niemeyer nos anos 1950 e tombada como patrimônio histórico permanece fechada porque a falta de manutenção gera riscos de desabamento de parte do seu teto. A precariedade das instalações levou o Ministério Público a pedir o cerco da instalação para evitar o acesso de pessoas até que uma solução para a questão seja encontrada. Outro exemplo é o Viveiro Manequinho Lopes, também excluído do contrato de concessão e cuja visitação tem sido dificultada por problemas estruturais.

A realidade é que, de maneira geral, os governos têm dificuldades para gerir instalações e serviços sob sua responsabilidade. Uma delas é a falta de recursos, algo cada vez mais crítico diante do quadro de crescente restrição fiscal, que gera disputas quanto a sua priorização e alocação, embaladas por pressões de grupos de interesse e inclinações político-partidárias dos políticos de plantão. Entretanto, mais do que isso, mesmo quando os recursos existem, os governos têm dificuldade para realizar a contratação de bens e serviços, até aquelas mais simples. Em função do regime jurídico ao qual estão sujeitos, em que o excesso de normas e controles geram riscos e burocracia, os gestores públicos frequentemente se encontram com as mãos amarradas e acuados com a possibilidade de questionamento dos órgãos de controle ou exposição de suas reputações.

Mas isso não significa que as parcerias são a panaceia que resolverão todos os problemas do setor público ou estão imunes a críticas. No caso do Parque do Ibirapuera, por exemplo, mesmo com o saldo positivo sob o ponto de vista da oferta e melhoria das instalações e serviços prestados à população, não são raras as reclamações pelo excesso de publicidade ou instalações temporárias que, para parte dos frequentadores, representa uma comercialização indevida do meio ambiente e um desvio do propósito de proporcionar um espaço acolhedor para o contato das pessoas com a natureza. Uma evidência da complexidade que é promover iniciativas de interesse público, que precisam lidar com a enorme pluralidade da sociedade nos seus mais distintos aspectos – social, identitário, etário, político e ideológico – para mencionar alguns.

Neste cenário tão diverso, ainda que seja impossível eliminá-las, a mitigação das controvérsias, assim como a construção de maior legitimidade das iniciativas, podem ser alcançadas com contratos de parceria desenhados com o efetivo diálogo entre as partes interessadas, de maneira a se definir claramente os direitos, deveres e limites do parceiro privado, adequados mecanismos de monitoramento de seu desempenho, e incentivos contratuais que garantam o cumprimento dos objetivos pretendidos pelo governo com a sua realização. Aspectos que estão presentes na concessão do Ibirapuera e têm sido aprimorados em outros projetos que o sucederam.

Desse modo, sem que se perca a prerrogativa de formular a política pública que deseja para o objeto a ser concessionado, o governo pode lançar mão da flexibilidade, recursos e conhecimento especializado do seu parceiro privado para realizar sua implementação. E a expectativa é que, a depender da maneira em que forem desenvolvidas e estudadas, teremos mais conhecimento e maturidade para elevar o nível das discussões sobre o assunto, retroalimentar as novas parcerias com aprendizados das experiências anteriores, e transformá-las em soluções de valor para melhorar os serviços prestados à população, mesmo cientes de que nunca será possível agradar a gregos e troianos.

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