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Segurança pública será o principal desafio de nova presidente do México

Especialista sênior da Atlas Network, Roberto Salinas critica a política de “abraços, não tiros” que, segundo ele, fizeram a violência escalar no país

Roberto Salinas (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Roberto Salinas (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Não é apenas o Brasil que sofre sérios problemas relacionados à segurança pública. Tema recorrente na América Latina, este será o principal desafio da presidente eleita do México, Claudia Sheinbaum, segundo Roberto Salinas, importante economista mexicano e especialista sênior da Atlas Network para a América Latina. Entrevistamos o especialista após as eleições do último fim de semana, um momento significativo para o México, com a eleição de Claudia Sheinbaum como a primeira mulher presidente do país. O pleito foi também o mais sangrento da história do México, com cerca de 30 candidatos assassinados ao longo da campanha.  

Salinas analisa os desafios e dinâmicas que marcaram este processo eleitoral. Discutimos temas importantes como a violência que permeou a campanha, as implicações da continuidade política sob Sheinbaum e as possíveis repercussões nas relações entre México e Brasil, dada a afinidade ideológica com o presidente brasileiro. Além disso, exploramos a postura de Sheinbaum em relação ao polarizado conflito entre Israel e Palestina, destacando como esses fatores influenciaram o cenário político mexicano. 

Confira abaixo:  

Instituto Millenium: Os mexicanos acabaram votando pela continuidade, escolhendo uma afilhada do atual presidente, López Obrador. Na sua opinião, quais foram os avanços que fizeram com que o povo tomasse essa opção? Ou você acha que foi mais um movimento de rejeição ao principal partido de oposição, ou talvez uma simpatia pela candidata em si, que já foi prefeita da Cidade do México? 

Roberto Salinas: Há vários fatores. Um foi a clara influência do presidente López Obrador, que durante todo o seu mandato marcou a agenda diariamente, através das "mañaneras", as supostas coletivas de imprensa, que ele utilizou para denegrir a oposição, todos os seus "adversários", e para vender a falsa ideia de que os apoios clientelistas eram obra e feito dele, não uma rede social de apoio do governo federal. As maiorias populares votaram por essa continuidade. Outro fator foi uma oposição, com uma boa candidata (Xóchitl Gálvez), mas uma plataforma política totalmente desacreditada. No final, o efeito "coat-tails" de López Obrador resultou avassalador, enquanto a oposição, vivendo em uma bolha, não soube articular mensagens de uma alternativa credível. 

IM: Qual será o principal desafio da presidente eleita, Claudia Sheinbaum? 

RS: O principal desafio será a segurança e o distanciamento da política de “abraços, não tiros” com o crime organizado. Este foi o sexênio mais violento da história, com mais de 180 mil assassinatos, mais de 30 assassinatos de candidatos políticos, e mais de 30% do país que se desintegrou em regiões falidas onde quem manda é o narcotráfico, não o governo. É um desafio monumental diante da necessidade de recuperar a credibilidade de um governo que perdeu o monopólio sobre o uso da força. 

IM: Sheinbaum parece ter um estilo diferente do seu antecessor. Ele é extrovertido, ela é introvertida. Ele é homem, ela é a primeira mulher presidente. Ele foi político toda a sua vida, enquanto ela construiu sua carreira como técnica. Você acha que isso afetará a forma como governam e a relação entre eles? 

RS: Sim, conforme aponta bem a The Economist, Sheinbaum carece do carisma de seu antecessor, mas é uma cientista bem preparada, embora também muito ideológica. A única forma de Claudia manter sua popularidade é por meio de resultados — em segurança, na reconstrução dos sistemas de saúde e educação, e na promoção de investimentos para fomentar maior crescimento econômico. Espera-se que a nova presidente tenha um governo mais técnico e mais preparado. A grande incógnita é se ela conseguirá fazer uma virada de 180 graus, governar de forma independente e se afastar do legado de AMLO, que é seu pai político. Sobre se haverá diferenças em sua forma de governar por ser mulher, esse não será um fator relevante. 

IM: Considerado o processo eleitoral mais letal da história do país, cerca de 30 candidatos foram assassinados ao longo da campanha. Houve mais de 500 incidentes de violência política na eleição, que culminaram em mais de 200 mortes, e duas cidades chegaram a suspender as eleições devido à situação de violência. A que você atribui isso? 

RS: Ter as eleições mais violentas na história do México se atribui principalmente a dois fatores. O primeiro é a política de segurança de “abraços, não tiros”, que permitiu que outros grupos de poder fático, não necessariamente narcotraficantes, ganhassem presença e músculo político dentro de suas regiões de influência. O segundo fator, que anda de mãos dadas com o anterior, é a proximidade do governo federal com os cartéis, especialmente o de Sinaloa. Anabel Hernández, em seu livro "La Historia Secreta: AMLO y el Cártel de Sinaloa", faz um magnífico trabalho de investigação a esse respeito, mencionando que a campanha de AMLO teve apoio econômico de Arturo Beltrán Leyva, El Mayo Zambada e El Chapo Guzmán. Igualmente, certas ações de AMLO, como o cumprimento à mãe de El Chapo ou as constantes visitas a Badiraguato (local de nascimento de El Chapo), fazem crer que existe uma proximidade entre o presidente e o Cartel de Sinaloa*. 

*uma espécie de sindicato do crime organizado internacional 

IM: Você acha que o resultado das eleições terá impactos na relação entre México e Brasil, dado que há afinidades ideológicas entre os dois governantes? Como você vê a relação, presente e futura, entre os dois países? 

RS: Sem dúvida, as afinidades ideológicas entre Lula da Silva e Sheinbaum farão com que a relação entre México e Brasil se torne mais estreita. No entanto, não acredito que esse fortalecimento das relações se dará em termos de comércio devido à pouca integração comercial que existe entre os dois países (0,78% de participação do Brasil nas exportações do México e 1,82% de participação do Brasil nas importações do México). O fortalecimento provavelmente ocorrerá em questões de cooperação e posturas ideológicas a nível internacional, especialmente na América Latina. Já Nicolás Maduro disse que a vitória de Sheinbaum foi “água bendita” para o socialismo bolivariano e para a América Latina. 

IM: Sheinbaum é de esquerda e tem origem judaica. Participou da eleição em um momento em que o mundo está polarizado em torno do conflito entre Israel e Palestina. Em muitas partes do mundo, incluindo o Brasil, grande parte da esquerda é mais simpática à causa palestina, por conta do sentimento anti-imperialista americano. Você acha que esse conflito influenciou de alguma forma as eleições mexicanas? Como ela lidou com essa questão durante a campanha? 

RS: O conflito não teve absolutamente nenhum impacto nas eleições mexicanas. A postura tanto do governo quanto de Claudia sempre foi fazer um apelo pela suspensão das atividades armadas e defender que a única solução é a criação de dois estados livres e independentes.