Brasil ficou em 7º lugar em lista de complexidade para fazer negócios (FG Trade/Getty Images)
Instituto Millenium
Publicado em 5 de março de 2025 às 06h00.
O Latin America Country Risk Index and Analysis 2024, produzido pelo Adam Smith Center for Economic Freedom, escancara a realidade dos riscos políticos, econômicos, sociais e internacionais que rondam seis países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador e México. O estudo, que no Brasil foi conduzido pelo Instituto Millenium, mostra as tendências que podem afetar diretamente empresas, organizações internacionais e ONGs interessadas em investir ou operar na região.
Na média, o Brasil ainda foi o melhor entre os pesquisados, porém está em forte trajetória de aumento de risco, sendo o país com a maior piora da nota entre abril e dezembro, de 3.07 para 3.32 (quanto maior a nota, maior o risco-país). A pesquisa expõe um quadro de deterioração acentuada nos principais indicadores de risco, evidenciando a desconfiança crescente nas instituições, o avanço da criminalidade e as relações internacionais cada vez mais instáveis. Por outro lado, a Argentina foi a nação que apresentou uma melhora mais significativa no período, indo de 3.49 para 3.06.
Fonte: Latin America Country Risk Index and Analysis 2024
Nesta entrevista, o pesquisador Paulo Resende, que conduziu a pesquisa junto com a economista Mariana Piaia, explica os detalhes da pesquisa e por que o Brasil está em uma rota perigosa, com implicações diretas para o futuro econômico e social do país.
Instituto Millenium: Em relação ao ano anterior, como você avalia o resultado do Brasil no estudo?
Paulo Resende: Houve, em 2024, uma deterioração dos principais indicadores de risco do Brasil. A confiança do brasileiro nas instituições tem declinado, e isto está relacionado a fatores como corrupção generalizada e parcialidade política em instituições críticas, como as do judiciário. A perspectiva em relação à economia também é negativa, principalmente devido ao descontrole fiscal do governo federal, que aumenta o risco de inflação e de aumento de juros, afugentando o capital produtivo nacional e estrangeiro. Além disso, também aumentou a preocupação com a criminalidade no país, em todos os níveis, que tem impactos profundos no tecido social e na economia. Internacionalmente, aumentou a preocupação em relação à aproximação do Brasil com países como a Rússia e o Irã, que podem comprometer a neutralidade típica do país no cenário internacional, bem como as relações com os Estados Unidos. Outro fator apontado como crítico no ano de 2024 foi o risco ambiental, exacerbado por eventos climáticos extremos que levaram às enchentes do Rio Grande do Sul e às intensas queimadas, e que geraram disrupção em cadeias produtivas e significativos impactos sociais, sobretudo de populações mais vulneráveis.
A atual trajetória captada pelo estudo reforça a necessidade de reformas institucionais e ações que reestabeleçam o equilíbrio entre os três poderes, reduzam a complexidade regulatória e tributária e garantam a redução dos gastos públicos. O Brasil se encontra, em comparação com vizinhos da América Latina, em uma posição relativamente estável, mas que está em trajetória de declínio. Caso esta trajetória não seja revertida, o país pode enfrentar um retrocesso ainda maior em indicadores econômicos, políticos e sociais nos próximos anos.
IM: O Brasil registrou o segundo menor nível de risco político, econômico e social no ano, em comparação com os outros países pesquisados. Isso o surpreende de alguma forma?
PR: Não exatamente. Apesar da aparente grande volatilidade política, econômica, social e institucional do Brasil, o país desfruta de considerável estabilidade, principalmente quando comparado com outros países da América Latina. Em geral, o Brasil não enfrenta graves episódios inflacionários, episódios de colapso social, nem graves problemas eleitorais, como pode ocorrer em países vizinhos.
Ainda assim, não se pode ignorar que, mesmo tendo ficado bem posicionado na média anual, os indicadores de risco do Brasil seguiram uma tendência de deterioração ao longo do ano, principalmente em indicadores de confiança no sistema político, das relações executivo-legislativas, do risco de inflação, das relações internacionais e do meio ambiente.
IM: Por outro lado, apresentamos o maior nível de risco internacional entre todas as nações avaliadas. A que você atribui isso?
PR: O Risco Internacional inclui uma série de fatores como a relação com outros países, com organismos internacionais, e a exposição a elementos climáticos. O indicador ruim para o Brasil se deve, principalmente, a dois fatores: o estreitamento das relações com países do BRICS cuja influência é percebida negativamente, como a Rússia e o Irã, e o risco ambiental, que voltou a preocupar com os eventos climáticos extremos no Brasil, como as enchentes do Rio Grande do Sul e o aumento dramático das queimadas, fatores que podem ser menos evidentes em outros países da América Latina.
A pesquisa foi realizada em duas etapas: os números e indicadores foram obtidos em outubro, antes da reeleição de Trump, enquanto as entrevistas ocorreram em novembro. Apesar de terem começado antes da eleição, já havia uma expectativa de vitória de Trump no final de outubro, o que foi mencionado por alguns entrevistados durante novembro. Portanto, a reeleição de Trump também influenciou o fator "risco internacional", pois a influência dos EUA sobre o Brasil passou de "positiva" (2.2) para "neutra" (2.9). Essa mudança reflete a possibilidade de deterioração das relações diplomáticas entre os dois países, devido às divergências ideológicas entre Trump e Lula.
IM: Dado que uma parcela significativa da população brasileira enxerga o Judiciário como cada vez mais envolvido em decisões de natureza política e, em alguns casos, até mesmo legislando, como o estudo chegou à conclusão de que o Judiciário é amplamente percebido como independente? Houve alguma diferenciação entre a percepção pública geral e a visão de especialistas ou grupos específicos?
PR: Este foi um resultado muito interessante que obtivemos no estudo. A independência do poder judiciário é algo fundamental para o princípio da separação de poderes, e vemos muitos casos de ditaduras em que o poder judiciário é comprometido para dar suporte institucional a um governo ilegítimo. A percepção de um judiciário independente é justamente a percepção de que o judiciário não está sendo comandado por outro poder.
Porém, este mesmo grau de independência institucional permite ao judiciário agir com ampla autonomia, muitas vezes sem controles efetivos, extrapolando suas atribuições tradicionais, e isto é visto como uma consequência direta da CRFB de 1988 e da Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Ou seja, a independência do poder judiciário, que deveria servir ao equilíbrio entre os três poderes, deu vazão ao atual ativismo judiciário, que tem comprometido a consistência de todo o sistema judiciário, o equilíbrio entre poderes, e tem acelerado a erosão da confiança nas instituições.
IM: Diante da forte alta no risco de inflação e do aumento das preocupações com o desemprego em 2024, como o estudo avalia o impacto das políticas econômicas do atual governo nesse cenário? Há evidências de que a percepção negativa do ambiente de investimentos esteja diretamente relacionada a medidas adotadas pela administração atual?
PR: Em primeiro lugar, o aumento das preocupações em relação à inflação e ao desemprego são causadas por uma deterioração generalizada das expectativas econômicas para o Brasil. A principal fonte de risco identificada pelo estudo é a do risco fiscal, isto é, do descontrole de gastos do governo e da falta de disciplina fiscal, que pressionam taxas de juros, aumentam os custos de produção, deterioram o câmbio e produzem inflação. A piora específica das perspectivas para o desemprego se devem, também, à persistência da burocracia excessiva e da insegurança jurídica relacionada ao trabalho, fatores que não encontraram melhoras nas políticas do governo atual.
Em relação ao investimento, além desses fatores também foi mencionada a baixa produtividade do trabalho no Brasil, impulsionada por um sistema educacional deficiente e fatores estruturais persistentes. Ainda assim, o principal fator mencionado foi o risco fiscal, cujos efeitos tornam quaisquer investimentos menos atrativos, inclusive do ponto de vista do estrangeiro.
IM: O estudo indica que a criminalidade e a influência do crime organizado permaneceram em nível de "Alerta" ao longo do ano. Quais fatores foram considerados para avaliar a persistência desse alto risco, e de que forma isso atrapalha os investimentos no país?
PR: O estudo indicou que a percepção de risco piorou para todas as categorias associadas à criminalidade - o risco de criminalidade, a influência do crime organizado, e a situação da segurança pública. Estes três componentes foram avaliados a partir de três principais impactos: econômico, institucional e social. O impacto econômico mais imediato é o declínio de investimentos diretos e locais, devido ao medo de violência e o aumento dos riscos e custos de operação. Do lado institucional, a infiltração do crime organizado nas principais instituições, sobretudo no Estado, compromete o funcionamento de agências reguladoras, da justiça, de órgãos responsáveis por infraestrutura e segurança, etc., minando a confiança empresarial e o ambiente de negócios. O impacto social também é relevante: a sensação generalizada de insegurança, e de impotência frente à criminalidade, mina a confiança da população nas instituições, desestimula o consumo e as atividades econômicas, e corrompe o tecido social.