Colunistas

Relações jurídicas de direito privado: entenda o que muda

Ventura analisa: embora intenção seja boa, lei possui traços de inconstitucionalidade ao invadir indevidamente esferas que pertencem aos particulares

IM

Instituto Millenium

Publicado em 22 de maio de 2020 às 10h17.

Na última terça-feira, 19, o Senado aprovou um projeto de lei que flexibiliza as relações jurídicas de direito privado durante a pandemia. O texto, que já passou pela Câmara dos Deputados e teve alterações descartadas pelos senadores, agora segue para sanção presidencial. O Instituto Millenium conversou com o advogado especializado em Direito de Estado e conselheiro do Imil, Sebastião Ventura, que comentou pontos polêmicos do PL 1179 e fez uma análise da atual medida.

[soundcloud url="https://api.soundcloud.com/tracks/825151780?secret_token=s-Z8GbrfB6oHP" params="color=#ff5500&auto_play=false&hide_related=false&show_comments=true&show_user=true&show_reposts=false&show_teaser=true" width="100%" height="166" iframe="true" /]

O especialista explica que o projeto tem vigência desde o início da mobilização nacional diante do impacto do novo Coronavírus ao Brasil, mais especificamente no dia 20 de março, até 30 de outubro de 2020. Sua função é flexibilizar regras gerais do código civil diante dos riscos durante a pandemia. “Ou seja, atinge relações privadas, civis, entre particulares, que não envolvam o Estado, por exemplo: contratos de locação; assembleias societárias; todo e qualquer tipo de contrato civil entre duas pessoas físicas. Mas é um regime especial e absolutamente pontual”.

Leia também
Fim da carteira Verde Amarela é mais um desestímulo à geração de emprego
“Vamos privilegiar o interesse público ou o interesse de caixa dos políticos?”

A intenção da medida é evitar a litigiosidade excessiva, impedindo que o poder Judiciário receba uma demanda massiva de questões advindas da pandemia. Para Ventura, o intuito é bom, porém, possui pontos problemáticos. “Não vamos botar panos quentes! O Judiciário já está sobrecarregado. A morosidade do sistema judicial é uma infeliz realidade do sistema brasileiro. Quando surge algo na vida em sociedade que altera a dinâmica dos fatos econômicos são geradas demandas da parte que se sente lesada, que então vai ao Judiciário e pede algum tipo de proteção. Embora a lei procure evitar a litigiosidade, em alguns pontos negros da legislação haverá, sim, uma procura do poder Judiciário por algum tipo de esclarecimento por pressão jurídica”.

O advogado cita o artigo sétimo da lei, que diz que aumento de inflação, variação cambial, desvalorização ou substituição do padrão monetário não seriam fatos imprevisíveis para fins de modificação/resolução de contratos. “Acontece que o STJ possui já uma jurisprudência antiga dizendo que a variação cambial representa, sim, um fato capaz de ensejar revisões contratuais. Me parece que em algumas medidas a lei tenta ser mais realista do que o rei”.

Polêmica

Um dos pontos que mais geraram conflito foi sobre o repasse mínimo de empresas a motoristas e entregadores de aplicativos. O texto retirado pela Câmara, porém incluído novamente pelo Senado, garante que estes trabalhadores recebam repasses de, ao menos, 15% da cota que caberia às empresas por viagens feitas até 30 de outubro de 2020, último dia de vigência da lei. Sebastião Ventura defende que quem define o valor de pagamento para contratos privados são as partes envolvidas.

+ Imil lança Clube Millenium, com conteúdo exclusivo para assinantes

Para ele, a lei possui traços de inconstitucionalidade ao invadir indevidamente esferas que pertencem aos particulares. “Existe uma ingerência, talvez, demasiada sobre a autonomia da vontade de contratar e decorre, justamente, da Democracia e dos direitos da liberdade. Devemos debater e evitar que o Congresso Nacional, na ânsia de querer impor medidas de justiça, acabe por subverter o Estado de Direito, adotando fórmulas com traços de autoritarismo”.

Outros pontos

O texto aprovado no Senado flexibiliza também outras relações jurídicas de direito privado durante a crise do Coronavírus. São elas:

– Proibição do despejo por falta de pagamento de aluguel

– Síndicos poderão restringir a utilização de áreas comuns, proibir reuniões e festas, inclusive em áreas de propriedade exclusiva dos condôminos.

– Prisão, exclusivamente, domiciliar em casos de falta de pagamento de pensão alimentícia

– Suspensão do prazo de sete dias para desistência da compra de um produto entregue por delivery