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Quem poderia ser contra ajudar os países mais pobres?

Cortes na USAID geraram reações negativas pelo mundo, mas a ajuda externa muitas vezes leva a consequências não intencionais extremamente graves

Pessoas protestam do lado de fora da sede da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), antes que os democratas do Congresso dessem uma entrevista coletiva em Washington, DC, em 3 de fevereiro de 2025. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, disse na segunda-feira que havia sido colocado no comando da agência de ajuda dos EUA, dizendo que acabaria com sua "insubordinação" à agenda do presidente Donald Trump. Depois que o amigo e conselheiro bilionário de Trump, Elon Musk, prometeu destruir a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), cujo site saiu do ar no fim de semana, Rubio confirmou que ele e o Departamento de Estado assumiram o controle do órgão autônomo. (Foto de Mandel NGAN / AFP) (Mandel NGAN/AFP)

Pessoas protestam do lado de fora da sede da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), antes que os democratas do Congresso dessem uma entrevista coletiva em Washington, DC, em 3 de fevereiro de 2025. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, disse na segunda-feira que havia sido colocado no comando da agência de ajuda dos EUA, dizendo que acabaria com sua "insubordinação" à agenda do presidente Donald Trump. Depois que o amigo e conselheiro bilionário de Trump, Elon Musk, prometeu destruir a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), cujo site saiu do ar no fim de semana, Rubio confirmou que ele e o Departamento de Estado assumiram o controle do órgão autônomo. (Foto de Mandel NGAN / AFP) (Mandel NGAN/AFP)

João Pedro Bastos
João Pedro Bastos

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 11 de março de 2025 às 18h22.

Desde a eleição de Donald Trump, o Departamento de Eficiência Governamental, ou DOGE, na sigla em inglês, vêm cortando orçamentos de diversas agências, somando 65 bilhões de dólares em cortes de gastos. Uma das agências mais afetadas foi a USAID (United States Agency for International Development), a agência responsável pelos programas de ajuda externa do governo americano.

Desde então, o site da USAID está fora do ar, reportando apenas um aviso que todos os seus servidores estão dispensados e colocados em dispensa administrativa por ao menos 90 dias, enquanto todos os seus programas passam por uma reavaliação.

A medida gerou grandes reações negativas. Em frente à sede da agência, protestos de funcionários afastados; na mídia, uma grande preocupação com o que aconteceria com os mais pobres ao redor do mundo, que agora supostamente ficariam sem ajuda.

A medida certamente não é popular. Nos Estados Unidos, uma pesquisa de 2019 mostra que cerca de apenas 3 em cada 10 americanos gostariam de reduzir os gastos com ajuda externa. De fato, quem poderia ser contra ajudar os países mais pobres?

Ocorre que, quando o tema é ajuda externa, a divisão entre o que pensa a população em geral e o que mostram as melhores evidências científicas não poderia ser maior. De um lado, são nobres intenções que movem o grande público a apoiar tais medidas. De outro, a literatura acadêmica mostra que apesar das boas intenções, a ajuda externa é, no melhor dos casos, pouco efetiva; no pior deles, pode levar a consequências que, ainda que não intencionais, são extremamente graves e negativas.

Ainda que o grande objetivo da ajuda externa seja criar condições de crescimento econômico sustentável e de longo prazo, poucos casos funcionam na prática. Um dos artigos científicos pioneiros nessa literatura, dos economistas Craig Burnside e David Dollar,1 ofereceu uma potencial solução para o problema.

Seus dados mostravam que a ajuda externa pode gerar crescimento econômico, desde que os países recipientes tivessem boas práticas de governança e de política econômica. Esse oferecia às agências de desenvolvimento, como o Banco Mundial, uma solução otimista: a ideia de ajuda condicional, onde bastaria que as agências focassem seus esforços em países com boas instituições.

Apesar de otimista, essa ideia encontra dois problemas. O primeiro deles, mais fundamental, é que estudos posteriores falharam em replicar os resultados de Burnside e Dollar usando diferentes métodos estatísticos ou simplesmente incluindo mais países na amostra de dados.

Em um desses estudos, os autores concluem que é “difícil discernir qualquer efeito sistemático de ajuda externa em crescimento econômico.”

O segundo problema é que mesmo que a ideia de efeitos positivos fosse verdadeira para países com boas instituições, na prática, pouquíssimos países na lista de recipientes têm bons arranjos institucionais.

Afinal, se há alguma coisa onde os economistas concordam, é que esses países são pobres precisamente porque suas instituições são disfuncionais. Por exemplo, considere a Nigéria, onde o governo implementa uma política de subsídio para a gasolina que acaba custando mais que o gasto em saúde e educação – somados.

Um outro dilema prático é a despeito do discurso de condicionalidade, os organismos internacionais rotineiramente enviam ajuda a governos corruptos e autoritários ao redor do mundo.

Mas a história é ainda pior. O envio de ajuda externa a estes países torna-os ainda piores. Um estudo mostra que países recebendo ajuda externa tornam-se significativamente mais antidemocráticos, levando os autores a chamar o fato de a “maldição da ajuda externa.”3 Outro estudo mostra que o envio de comida pelos Estados Unidos está relacionado a maior incidência e maior duração de guerras civis.

Talvez não seja surpreendente, mas enviar dinheiro para países corruptos e antidemocráticos enriquece seus governantes e fornece recursos para que eles aumentem seu poder.

Como exemplo, outro estudo mostra que, na média, cerca de 7.5% dos fundos enviados a títulos de ajuda externa são desviados para contas bancárias off-shore, mas a medida pode chegar a 15% para países altamente dependentes de ajuda.

Depois dos governantes pegarem suas cotas, à medida que esse dinheiro chega à população em geral, há ainda outra distorção. A ajuda externa é cooptada pelas elites: ela tende a ser destinada às áreas mais ricas dos países.

Você deve estar se perguntando o quão provável é que o dinheiro de ajuda externa vá parar em tais países, corruptos e antidemocráticos. Provavelmente são casos isolados, não?

Trago más notícias. Um estudo mostra que 68% da ajuda externa global foi destinada a países corruptos, e 78% foi para países parcial ou totalmente autocráticos.7

Em outro estudo, os economistas Alberto Alesina e Beatrice Weder mostram que não há nenhum incentivo para que países pobres melhorem suas instituições; pelo contrário, governos mais corruptos tendem a receber mais ajuda externa.

Infelizmente, não há muita esperança para que essa situação melhore. Organismos internacionais têm poucos incentivos para restringir seu escopo ao enviar ajuda apenas a países com boas instituições.

Isso se deve não apenas ao fato que eles não têm incentivos para diminuir ou restringir seu próprio orçamento, mas também – e principalmente – pelo fato que estes organismos não respondem aos mais pobres ao redor do mundo, mas sim a quem os financia. Esse problema é conhecido na literatura como o problema da falta de feedback.

Já que agências como o USAID precisam angariar apoio político, é comum que seus financiamentos requeiram certas contrapartidas. Por exemplo, uma prática comum é financiar certos projetos, desde que o beneficiado contrate empresas do país financiador.

Lembram como a Odebrecht e outras grandes construtoras brasileiras eram responsáveis por obras financiadas pelo BNDES no exterior? Pois é. Ainda que esse processo não necessariamente envolve corrupção, ele é criticado por tornar a ajuda menos afetiva, já que encarece o custo total dos projetos.

Pior ainda, as motivações por trás da ajuda externa podem ser totalmente cooptadas por interesses políticos. Um estudo mostra que quando um país entra na rotação do Conselho de Segurança da ONU, ele recebe 59% mais ajuda externa dos EUA, e 8% mais ajuda externa da ONU, como se estivessem a comprar seu apoio.10 Um segundo estudo complementa esse achado, mostrando que ajuda atrelada a favoritismos políticos é ainda menos efetiva.

Dados estes problemas, há alguma maneira efetiva de ajudar os mais pobres? Um ambicioso estudo publicado recentemente sugere que a maneira mais fácil e efetiva é simplesmente dar dinheiro diretamente às famílias.

Esse estudo enviou 1.000 doláres a mais de 10.500 famílias escolhidas aleatoriamente entre áreas rurais do Quênia. O orçamento total do estudo, de mais de 10 milhões de dólares, equivale a 15% do PIB dessas regiões.

Os pesquisadores observaram que essas famílias aumentaram seu consumo e seus bens nos 18 meses posteriores, e as receitas de empresas nas regiões diretamente beneficiadas cresceram em 65%. Tudo isso ocorreu sem que houvesse diminuição na oferta de trabalho – ou seja, as pessoas não deixaram de trabalhar por causa do benefício.

Melhor ainda, a ajuda beneficiou mesmo aqueles que não a receberam diretamente. Famílias que não receberam ajuda aumentaram seu consumo em 13%, e as receitas das empresas nessas regiões cresceram em 48%.

Por causa desses multiplicadores, onde o dinheiro recebido pelas famílias é diretamente gasto na economia local, os pesquisadores relatam que, para dólar gasto com o programa, a economia cresceu em 2.5 dólares.

Em compensação, as agências multilaterais perdem, em média, cerca de 8% em custos operacionais. A UNRWA, braço das Nações Unidas responsável pelos refugiados palestinos, gasta 52% do seu orçamento apenas com custos operacionais.

Em termos de ajuda externa, a opinião pública não poderia ser mais diametralmente oposta do que dizem a literatura científica. De modo geral, as evidências empíricas mostram que a ajuda externa tem impacto limitado, podendo facilmente ter sérios efeitos negativos para os mais pobres.

Isso não quer dizer que cortar o orçamento da USAID a zero será necessariamente a atitude “correta”. É possível que em meio a todos seus programas, algumas iniciativas focadas e especializadas, sejam extremamente efetivas.

Ações como o Plano Presidencial de Emergência para o Combate à AIDS (em inglês, PEPFAR), lançado pelo presidente George H. W. Bush, foi responsável por salvar 25 milhões de vidas e deveria ser um exemplo para futuras ações da USAID.

Mas, para decidir e avaliar quais ações funcionam, às vezes precisamos parar o carro, olhar para o mapa, e decidir se estamos indo na direção correta.

Se queremos ajudar os mais pobres, devemos focar em iniciativas que efetivamente funcionam – afinal, eles merecem mais do que um discurso político repleto de boas intenções.

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