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Qual o objetivo disso?

Planos diretores frequentemente são vagos, transferem responsabilidades e resultam em entregas ineficazes

Vista do bairro Jardim Paulistano em São Paulo, SP - predios, moradia, imoveis, mercado imobiliario, edificio, cidade, urbanismo

Foto: Leandro Fonseca
Data: 23/01/2025 (Leandro Fonseca/Exame)

Vista do bairro Jardim Paulistano em São Paulo, SP - predios, moradia, imoveis, mercado imobiliario, edificio, cidade, urbanismo Foto: Leandro Fonseca Data: 23/01/2025 (Leandro Fonseca/Exame)

Pedro Portes
Pedro Portes

colunista - Instituto Millenium

Publicado em 17 de fevereiro de 2025 às 20h22.

O Estatuto da Cidade é a lei responsável por definir as regras básicas para o planejamento e gestão dos centros urbanos no Brasil, estabelecendo princípios, diretrizes e instrumentos. A questão é complementada por legislações específicas, como o Estatuto da Metrópole e a Lei de Parcelamento do Solo. Essas normas federais são responsáveis por definir regras abrangentes, que precisam ser detalhadas de acordo com o contexto específico de cada localidade, por isso a Constituição Federal determina que a política urbana deve ser executada pelo município.

A proximidade do poder público municipal com a realidade urbana faz dele o protagonista do tema, sendo responsável pela elaboração do Plano Diretor, instrumento básico que orienta o desenvolvimento e a expansão da cidade. Para cumprir essa atribuição, o município deve realizar um diagnóstico abrangente da região, identificando os desafios e oportunidades e, com isso, definir os objetivos a serem alcançados nos próximos dez anos—prazo para revisão do plano. Esses objetivos são acompanhados de estratégias gerais, e todos estes deveriam ser formulados de forma objetiva e mensurável.

Para ilustrar, uma das diretrizes do Estatuto da Cidade é a garantia de espaços públicos acessíveis, cabendo ao município viabilizar isso de acordo com a realidade local e articular os temas pertinentes. Nesse caso, o primeiro passo seria a definição de parâmetros técnicos de acessibilidade, permitindo quantificar o grau de inadequação dos espaços e acompanhar indicadores da questão ao longo do tempo. Não é necessário e nem desejável, que se desenvolvam parâmetros do zero, mas adotar critérios técnicos existentes, adaptados à realidade local. Se os conceitos permanecerem abstrato, como no Estatuto da Cidade, é impossível mensurá-los e consequentemente, promover medidas assertivas.

Definidos os parâmetros, o município deve estabelecer uma meta concreta, adequada à realidade local, como, por exemplo, “ampliar para 70% o número de espaços públicos acessíveis”. Essa abordagem também pode ser aplicada a regiões específicas da cidade, considerando as características de cada área. Em uma zona central, caracterizada por alta concentração de moradias, empregos e intenso fluxo de pessoas, a meta poderia ser ainda mais ambiciosa, como “tornar todos os espaços públicos acessíveis”. Neste contexto, uma estratégia geral adotada para alcançar o objetivo poderia ser: “priorizar a destinação de contrapartidas de empreendimentos privados para a adequação de espaços públicos”.

No entanto, o que se verifica na prática é uma enorme falta objetividade, bastando uma breve análise de planos diretores vigentes para atestar isso. Há uma predominância de dispositivos vagos, que apenas repetem a legislação federal, e são incapazes de criar um norte. Para maquiar a falta de precisão do texto, é comum que os planos atribuam a responsabilidade de trazer concretude às normas a órgãos e legislações específicas, sempre em obrigações futuras. Quando isso realmente é feito, as entregas tendem a ser desconectadas do contexto geral e com baixa eficácia na vida das pessoas.

Elementos urbanísticos são altamente relacionados, para melhorar a mobilidade, por exemplo, o primeiro passo pode ser adensar regiões centrais, e, para que isso ocorra, é bem possível que sejam realizadas melhorias na arborização e na infraestrutura local. A gestão integrada é imprescindível, e cabe ao plano diretor criar objetivos comuns e condições para essa articulação. O resultado prático do atual contexto é a prevalência de políticas contraditórias e/ou ineficazes, como ocorre quando planos habitacionais são implementados sem a devida integração com redes de saneamento e equipamentos públicos.

Para ser justo com os municípios, é importante reconhecer que há um “vácuo” na legislação federal, demandando uma capacidade técnica e operacional que os municípios não possuem. O problema não está no fato de as normas federais serem abrangentes—é natural que ofereçam um direcionamento amplo—, mas por não criarem um sistema coeso. Em países com a política urbana efetiva, esse papel é cumprido pelos códigos de urbanismo, que definem procedimentos e garantem um nível mínimo de padronização. Não se trata de maior centralização, mas de uma institucionalização.

Portanto, a criação de um Código de Urbanismo deve ter como objetivo fortalecer a capacidade dos municípios, proporcionando diretrizes claras para o planejamento e a gestão urbana, sem comprometer sua autonomia. Contudo, avanços imediatos são possíveis mesmo sem uma mudança estrutural profunda, por meio da adaptação de modelos já bem-sucedidos na infraestrutura ao contexto urbano.

Programas de apoio à estruturação de projetos, como os desenvolvidos por estados e pelo BNDES, demonstram que é viável superar limitações operacionais e poderiam aprimorar a execução da política urbana. Aplicar essa lógica ao Plano Diretor—a legislação municipal mais relevante para o desenvolvimento das cidades— se apresenta como um caminho viável, com a possibilidade de desencadear um “ciclo virtuoso”, no qual a melhoria da governança urbana se traduz em impactos concretos na qualidade de vida da população.

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