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Por que pedimos menos burocracia, mas não menos Estado? 

O mesmo empresário que reclama do Estado regulador e parasitário, não quer abrir mão dele. Quer pagar menos impostos, mas exige crédito subsidiado

Instituto Millenium
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Publicado em 24 de março de 2025 às 20h59.

por Micael Crasto*

 

Empreender no Brasil é um ato de resistência. O empresário que ousa abrir um negócio enfrenta um Estado que age como um sócio invisível – aquele que não investe um centavo, mas exige sua parte no lucro, regula sua atividade com regras contraditórias e impõe obrigações que consomem tempo, dinheiro e paciência. 

Ainda assim, insistimos. O tempo médio para abrir uma empresa caiu para 18 horas em 2024, mas essa é só a casca da questão. Porque abrir um CNPJ é fácil; difícil é sobreviver a ele. Empresas gastam 1.500 horas por ano, apenas para lidar com tributos, enquanto a média global é de 233 horas. Desde 1988, foram criadas mais de 443 mil normas tributárias, uma teia kafkiana que sufoca a produtividade e faz do empresário um refém da burocracia. 

Mas há um paradoxo curioso aqui: o mesmo empresário que reclama do Estado burocrata, regulador e parasitário muitas vezes não quer abrir mão dele. Quer pagar menos impostos, mas exige linhas de crédito subsidiadas. Quer menos regras, mas pressiona por incentivos fiscais. Quer menos Estado, mas só até a próxima crise. 

O ciclo de dependência estatal 

Esse comportamento não vem do nada. Pequenas e médias empresas (PMEs) representam 41% dos empregos formais e 27% do PIB, mas acessam apenas 18% do crédito disponível. No vácuo deixado pelos bancos privados, o governo surge como “salvador”, com programas como o Pronampe, que despejou R$ 33,8 bilhões em 2023 para PMEs. A intenção é nobre? Talvez. Mas, no fundo, isso cria um mercado distorcido, onde o governo decide quem recebe crédito e quem não, enquanto amplia o seu controle sobre o setor produtivo. 

E a dependência não para por aí. O Brasil tem 39 milhões de trabalhadores informais, muitos dos quais são microempreendedores que evitam crescer para não sair do Simples Nacional e cair num regime tributário caótico. Não é que eles não queiram crescer – é que o sistema os pune pelo sucesso. Ou seja, a própria burocracia gera a informalidade, e depois o governo a usa como justificativa para criar mais programas de “formalização”. 

Medidas recentes de desburocratização 

Nos últimos anos, algumas reformas tentaram aliviar esse peso. A Reforma Tributária (2023) unificou tributos sobre consumo em um IVA dual, prometendo reduzir a complexidade fiscal – mas sua transição só será concluída em 2033. Até lá, o empresário segue jogando xadrez com a Receita Federal. 

A Lei Complementar nº 199/2023 simplificou obrigações tributárias acessórias, e o Código de Defesa do Empreendedor, ainda em tramitação no Senado, propõe fiscalização orientadora e um portal único para emissão de alvarás – uma ideia boa, mas que deveria ter sido implantada há décadas. 

Enquanto isso, a digitalização avança. Em 2024, o tempo médio para abrir uma empresa caiu para 18 horas, e o Brasil registrou um recorde de 4,2 milhões de novos CNPJs, dos quais 73,6% foram MEIs. São boas notícias, mas longe de resolver o problema. A questão não é apenas abrir um negócio rápido – é garantir que ele consiga crescer sem amarras. 

O papel do empreendedor: como driblar a burocracia 

Se esperar que o governo vá resolver isso, o empreendedor está no jogo errado. A burocracia é o próprio mecanismo de controle do Estado. A ideia de que a solução virá do mesmo ente que cria o problema é uma fantasia que precisa acabar. 

O que resta? Ação direta e pragmática. Algumas estratégias já vêm sendo usadas por empreendedores que decidiram não esperar: 

  • Digitalização de Processos – Se a burocracia é inevitável, que pelo menos seja automatizada. Empresas que adotam softwares de gestão tributária reduzem tempo perdido com papelada e evitam erros que podem gerar multas. 
  • Crédito Alternativo – Fintechs e plataformas de crédito privado oferecem alternativas ao Pronampe e aos bancos tradicionais, eliminando a necessidade de se submeter às regras do governo. 
  • Redes sociais como motor de crescimento – Em vez de depender de grandes canais publicitários e crédito governamental para expandir, empresários estão utilizando Instagram, TikTok e LinkedIn como fontes de aquisição de clientes com custo quase zero. Pequenos negócios hoje podem atingir milhões de consumidores, sem precisar de intermediação tradicional. 
  • Uso estratégico de IA – Ferramentas de IA estão automatizando atendimento, previsões financeiras e até análise de mercado, permitindo que pequenos empreendedores tomem decisões com precisão que antes era exclusiva de grandes corporações. 
  • Colaboração e troca de conhecimento – Redes de empreendedores têm sido fundamentais para compartilhar experiências e encontrar formas de navegar o labirinto regulatório, sem precisar do governo. Organizações como o Instituto Millenium cumprem um papel essencial ao promover conhecimento sobre liberdade econômica e melhores práticas para empresários. 

O Estado burocrático sobrevive da dependência que cria. Quanto mais os empresários acreditam que precisam dele para resolver seus problemas, mais espaço ele ganha para crescer, regular e, claro, cobrar. 

Se o Brasil quer, de fato, desburocratizar, precisa fazer mais do que cortar normas: precisa mudar a mentalidade do empreendedor brasileiro. O futuro não está nos corredores de Brasília, mas na capacidade do setor privado de se reinventar. 

A escolha está nas mãos de quem produz. 

*Micael Crasto é fundador da Blank, escola e gestora de redes sociais, graduando em Gestão Pública pela FGV e pesquisador independente em desenvolvimento do Nordeste

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