Para resolver o problema, é preciso conhecê-lo
O urbanismo praticamente não tem espaço no debate público, ficando restrito a pequenos núcleos acadêmicos e burocratas
colunista - Instituto Millenium
Publicado em 14 de novembro de 2024 às 12h45.
Os problemas enfrentados pelas cidades brasileiras são consequência de um sistema de planejamento e gestão urbana ineficaz, incapaz de oferecer respostas adequadas às demandas existentes. A política urbana (conjunto de diretrizes, leis, ações e instrumentos) tem problemas estruturais que dificultam uma mudança na realidade. A sociedade também tem uma parcela significativa de culpa, a partir de posturas que visam impor preferências e obter benefícios privados às custas da coletividade.
Até então, esse cenário não é muito diferente de outras pautas no Brasil, em que a ineficiência e a captura do Estado também são a regra. Entretanto, ao contrário de outras questões relevantes, o urbanismo praticamente não tem espaço no debate público, mesmo sendo um tema que afeta diretamente o cotidiano de mais de 80% dos brasileiros. Por alguma razão o tópico ficou restrito a pequenos núcleos acadêmicos e burocratas.
Na prática, a política urbana se desenvolve a partir de agendas isoladas, como habitação, mobilidade, segurança e sustentabilidade, havendo pouca articulação dessas questões com aspectos fundamentais, como o ordenamento do solo e o design urbano. Muitas informações relevantes não são consideradas na elaboração de políticas públicas e os instrumentos urbanísticos não são aproveitados.
Por exemplo, se uma cidade é dispersa e tem baixa densidade, possivelmente a mobilidade urbana terá sérios problemas. Baixas densidades e longas distâncias inviabilizam um transporte público eficaz, uma vez que o custo per capita é muito alto, resultando em um grande incentivo ao uso do automóvel. O trânsito gerado como consequência, diferentemente do que se acredita, não pode ser superado com viadutos e alargamento de vias, como Los Angeles nos ensina, uma metrópole extremamente rica incapaz de resolver essa chaga.
A solução de problemas de mobilidade passa, primeiramente, pelo zoneamento urbano, para viabilizar maior adensamento em regiões centrais e nas áreas onde há grande demanda. A mistura de usos (residencial, comercial e institucional), tratada nessa mesma legislação, também é fundamental. Se as pessoas morarem distantes do trabalho e dos locais de consumo, a situação não vai se resolver.
Com melhor aproveitamento dos espaços urbanos, os deslocamentos individuais tendem a diminuir gradualmente, a mobilidade ativa pode emergir e o poder público tem maior capacidade para custear ampliação e melhoria dos modais. Mas, infelizmente, as soluções por aqui sempre giram em torno de grandes obras de infraestrutura, especialmente rodoviárias.
Da mesma forma, o urbanismo afeta todas as outras dinâmicas de uma cidade, e são complementares, por exemplo, densidade, fachadas ativas, espaços públicos pujantes e boas calçadas, essenciais para melhorar a mobilidade, também são indispensáveis para a redução da criminalidade e promoção da inovação, por exemplo. Neste contexto, a falta discussão sobre o tema, que impede a compreensão desses benefícios, se soma à terrível experiência vivenciada pelos habitantes das cidades brasileiras, e cria um ciclo vicioso.
A deterioração e falta de dinamismo urbano geram um maior anseio por soluções como automóveis, muros, vias expressas, shopping centers e prédios com áreas de lazer, que, por sua vez, contribuem para uma deterioração e perda de dinamismo ainda maior. É o exato oposto do que se observa em Buenos Aires, Barcelona, Paris, Seul, Hong Kong, Manhattan, Londres e Tóquio, que, com todas as suas diferenças, têm em comum a alta densidade, prédios sem muros e áreas de lazer, espaços públicos de qualidade e praticamente não existem viadutos ou vias expressas.
Em suma, é evidente que essas cidades prosperaram e atraem milhões de pessoas justamente por conta de seu bom urbanismo, que nós insistimos em ignorar. É claro que muitos os fatores que nos afastam dessa realidade, mas a pouca difusão do tema nos mantém sempre na direção errada.
O copo meio cheio é que existe um espaço enorme para que estudantes, pesquisadores, profissionais e agentes públicos possam promover avanços nessa agenda. A situação atual é tão drástica que medidas muito modestas poderiam representar grandes progressos. É um verdadeiro oceano azul, um campo aberto para políticas públicas inovadoras, geração de renda e empregos.
Urbanismo não serve apenas para planejar cidades, é também uma ferramenta que influencia diretamente o sucesso de empreendimentos empresariais e a qualidade de vida dos cidadãos. Todos os envolvidos têm benefícios diretos ao compreender e estudar sobre o tema, uma vez que são informações essenciais para a tomada de decisões e ganho de eficiência.
Outro ponto fundamental, é que a pauta pode avançar sem grande impacto nas contas públicas. Em um país onde o orçamento dos entes federativos é comprometido e disputado, esse ponto é de suma relevância e constitui um excelente incentivo aos políticos. Os próprios rendimentos do desenvolvimento podem ser revertidos, em parte, para investimentos em infraestrutura, habitação social, reformas e zeladoria. A melhoria da cidade valoriza tudo que existe nela.
Como hoje a legislação é muito restritiva, bastaria maior flexibilidade para abrir caminho para a geração de renda e oportunidades, muito superiores às contrapartidas para o poder público. Isso é muito importante, pois, quando interesses privados se chocam com os da sociedade, a resistência enfrentada é enorme. Além disso, a flexibilização necessária é competência da esfera municipal, o que facilita muito a reversão do cenário. Reformas federais são importantes, mas há muito o que ser feito diretamente com municípios.
É urgente que o urbanismo seja colocado no centro do debate público e das políticas governamentais, criando condições para reverter o atual ciclo vicioso. Os incentivos existentes devem ser aproveitados, e, mesmo a possibilidade de ganhos privados, são muito úteis para impulsionar a pauta. Com estudo, diálogo e humildade das partes, a transformação das cidades e da vida de centenas de milhões de brasileiros pode estar muito mais próxima do que imaginamos, o desenvolvimento recente de cidades asiáticas e da nossa vizinha Colômbia, são um belo lembrete de que também somos capazes.
Os problemas enfrentados pelas cidades brasileiras são consequência de um sistema de planejamento e gestão urbana ineficaz, incapaz de oferecer respostas adequadas às demandas existentes. A política urbana (conjunto de diretrizes, leis, ações e instrumentos) tem problemas estruturais que dificultam uma mudança na realidade. A sociedade também tem uma parcela significativa de culpa, a partir de posturas que visam impor preferências e obter benefícios privados às custas da coletividade.
Até então, esse cenário não é muito diferente de outras pautas no Brasil, em que a ineficiência e a captura do Estado também são a regra. Entretanto, ao contrário de outras questões relevantes, o urbanismo praticamente não tem espaço no debate público, mesmo sendo um tema que afeta diretamente o cotidiano de mais de 80% dos brasileiros. Por alguma razão o tópico ficou restrito a pequenos núcleos acadêmicos e burocratas.
Na prática, a política urbana se desenvolve a partir de agendas isoladas, como habitação, mobilidade, segurança e sustentabilidade, havendo pouca articulação dessas questões com aspectos fundamentais, como o ordenamento do solo e o design urbano. Muitas informações relevantes não são consideradas na elaboração de políticas públicas e os instrumentos urbanísticos não são aproveitados.
Por exemplo, se uma cidade é dispersa e tem baixa densidade, possivelmente a mobilidade urbana terá sérios problemas. Baixas densidades e longas distâncias inviabilizam um transporte público eficaz, uma vez que o custo per capita é muito alto, resultando em um grande incentivo ao uso do automóvel. O trânsito gerado como consequência, diferentemente do que se acredita, não pode ser superado com viadutos e alargamento de vias, como Los Angeles nos ensina, uma metrópole extremamente rica incapaz de resolver essa chaga.
A solução de problemas de mobilidade passa, primeiramente, pelo zoneamento urbano, para viabilizar maior adensamento em regiões centrais e nas áreas onde há grande demanda. A mistura de usos (residencial, comercial e institucional), tratada nessa mesma legislação, também é fundamental. Se as pessoas morarem distantes do trabalho e dos locais de consumo, a situação não vai se resolver.
Com melhor aproveitamento dos espaços urbanos, os deslocamentos individuais tendem a diminuir gradualmente, a mobilidade ativa pode emergir e o poder público tem maior capacidade para custear ampliação e melhoria dos modais. Mas, infelizmente, as soluções por aqui sempre giram em torno de grandes obras de infraestrutura, especialmente rodoviárias.
Da mesma forma, o urbanismo afeta todas as outras dinâmicas de uma cidade, e são complementares, por exemplo, densidade, fachadas ativas, espaços públicos pujantes e boas calçadas, essenciais para melhorar a mobilidade, também são indispensáveis para a redução da criminalidade e promoção da inovação, por exemplo. Neste contexto, a falta discussão sobre o tema, que impede a compreensão desses benefícios, se soma à terrível experiência vivenciada pelos habitantes das cidades brasileiras, e cria um ciclo vicioso.
A deterioração e falta de dinamismo urbano geram um maior anseio por soluções como automóveis, muros, vias expressas, shopping centers e prédios com áreas de lazer, que, por sua vez, contribuem para uma deterioração e perda de dinamismo ainda maior. É o exato oposto do que se observa em Buenos Aires, Barcelona, Paris, Seul, Hong Kong, Manhattan, Londres e Tóquio, que, com todas as suas diferenças, têm em comum a alta densidade, prédios sem muros e áreas de lazer, espaços públicos de qualidade e praticamente não existem viadutos ou vias expressas.
Em suma, é evidente que essas cidades prosperaram e atraem milhões de pessoas justamente por conta de seu bom urbanismo, que nós insistimos em ignorar. É claro que muitos os fatores que nos afastam dessa realidade, mas a pouca difusão do tema nos mantém sempre na direção errada.
O copo meio cheio é que existe um espaço enorme para que estudantes, pesquisadores, profissionais e agentes públicos possam promover avanços nessa agenda. A situação atual é tão drástica que medidas muito modestas poderiam representar grandes progressos. É um verdadeiro oceano azul, um campo aberto para políticas públicas inovadoras, geração de renda e empregos.
Urbanismo não serve apenas para planejar cidades, é também uma ferramenta que influencia diretamente o sucesso de empreendimentos empresariais e a qualidade de vida dos cidadãos. Todos os envolvidos têm benefícios diretos ao compreender e estudar sobre o tema, uma vez que são informações essenciais para a tomada de decisões e ganho de eficiência.
Outro ponto fundamental, é que a pauta pode avançar sem grande impacto nas contas públicas. Em um país onde o orçamento dos entes federativos é comprometido e disputado, esse ponto é de suma relevância e constitui um excelente incentivo aos políticos. Os próprios rendimentos do desenvolvimento podem ser revertidos, em parte, para investimentos em infraestrutura, habitação social, reformas e zeladoria. A melhoria da cidade valoriza tudo que existe nela.
Como hoje a legislação é muito restritiva, bastaria maior flexibilidade para abrir caminho para a geração de renda e oportunidades, muito superiores às contrapartidas para o poder público. Isso é muito importante, pois, quando interesses privados se chocam com os da sociedade, a resistência enfrentada é enorme. Além disso, a flexibilização necessária é competência da esfera municipal, o que facilita muito a reversão do cenário. Reformas federais são importantes, mas há muito o que ser feito diretamente com municípios.
É urgente que o urbanismo seja colocado no centro do debate público e das políticas governamentais, criando condições para reverter o atual ciclo vicioso. Os incentivos existentes devem ser aproveitados, e, mesmo a possibilidade de ganhos privados, são muito úteis para impulsionar a pauta. Com estudo, diálogo e humildade das partes, a transformação das cidades e da vida de centenas de milhões de brasileiros pode estar muito mais próxima do que imaginamos, o desenvolvimento recente de cidades asiáticas e da nossa vizinha Colômbia, são um belo lembrete de que também somos capazes.