OSR: é desaconselhável ter no Brasil um regulador dos reguladores
Um Órgão de Supervisão Regulatória, como quer o governo, seria um retrocesso institucional
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 16 de dezembro de 2024 às 13h33.
Instituições importam para o desenvolvimento das nações. Essa frase consubstancia a mensagem central das pesquisas dos ganhadores do Prêmio Nobel em Economia em 2024:Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson.As Agências Reguladoras, em particular, fazem parte deste grupo de organizações, que, dentre outras funções, resguardam os interesses difusos da sociedade em uma economia de mercado, evitando que os preços dos monopólios naturais sejam abusivos e fomentando que os investimentos ocorram, ao dar previsibilidade jurídica de longo prazo.
Em outubro de 2024, contudo, em decorrência de um apagão ocorrido em São Paulo (devido a uma tempestade), não só o governo acirrou sua crítica à autonomia das Agências Reguladoras, como usou tal fato para argumentar sobre a necessidade de criar um regulador dos reguladores, ou melhor, umÓrgão de Supervisão Regulatória (OSR). A Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei 13.848/19) teria que ser alterada e seria um provável retrocesso institucional.
Antes de adentrar nas razões para a provável marcha ré, vale lembrar que as primeiras Agências foram criadas nos anos 90, impulsionadas pelas privatizações, como instituições de Estado (não de governo), para disciplinar e supervisionar o comportamento das empresas, que deixavam de ser monopólios públicos em seus mercados relevantes. O CADE (órgão antitruste), neste mesmo ensejo, foi reformulado pela Lei 8.884 em 1994, passando a ter papel crucial nesta nova realidade, ao lado dessas Agências. Seus conselheiros e diretores nunca tiveram, e seguem não tendo, que obedecer a governos de plantão, mas sim a mandatos definidos em lei, pois aquelas entidades, à luz do modelo da Inglaterra principalmente, sempre tiveram autonomia técnica e administrativa.
Poucas têm autonomia financeira, dependendo dos recursos da União, o que é um problema; e, infelizmente, a independência destas tem sido duramente criticada pelo suposto “descumprimento de ordens dadas pelo Executivo”, como se o titular de algum Ministério tivesse poderes sobre estas instituições ou como se estes órgãos fossem apêndices de algum dos Poderes. Por esta falta de entendimento acerca do papel e do formato das Agências, a AGU, em 14/10/24, no calor das eleições municipais, investigou a suposta omissão da ANEEL, baseada em denúncia do executivo, que nada concluiu. Foi ato constrangedor, especialmente pela forma. Além disso, o Decreto 12.282/24 causou espanto ao fazer uma “intervenção branca” na ANATEL, pelo governo.
O Executivo tem o poder de dar/reter recursos destas corporações e o executivo/legislativo, de nomear e sabatinar seus conselheiros/diretores. Isso não seria problemático, se não houver ocorrido uma politização nas nomeações; um descaso sobre a importância destes institutos em uma economia livre, onde há falhas de mercado; um desapreço pela técnica; e um loteamento dos cargos por critérios não republicanos. A percepção é que as indicações passaram a ocorrer por troca de favores político-partidários1. Tanto é que há inúmeras vagas em aberto e existem posições preenchidas por pessoas com questionável notório saber sobre regulação/concorrência, possivelmente protegendo interesses privados. Das 11 Agências federais, 9 cargos estão desocupados e 8 ficarão até 2025. Impedidas de cumprir suas atribuições em sua plenitude, desprovidas de recursos financeiro e de pessoal, e com uma explícita captura (política e setorial), é difícil julgar a razão de má performance de algumas Agências. Como, assim, é possível solucionar falhas regulatórias mirando a técnica, se o problema está, sobretudo, na governança, isto é, na escolha de profissionais nem sempre comprometidos em lutar pelo bem-público?
No dia 23/10/242, a Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu que houve falhas metodológicas por parte das 11 Agências Federais e de outros 29 órgãos da União, uma vez que as avaliações foram feitas de forma ad hoc e sem uma definição prévia de critérios objetivos. Por isso, a AGU ofereceu interessantes sugestões3em várias vertentes, como no âmbito da Análise de Impacto Regulatório e do Sandbox Regulatório, este último criado em 2019, pela Lei da Liberdade Econômica4, e regulamentado pela LC182/20215. Estes aconselhamentos, sem intervenção, são sempre bem-vindos, diga-se de passagem, e devem seguir sendo feitos.
Antes e durante este cenário de críticas às Agências, surgiram osDecretos 11.738/20236e12.150/20247. O primeiro redesenha o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (Pro-RegII) de 2007 (Pro-RegI, Decreto 6.062), e o segundo, institui o Regula Melhor. Ambos focam na diminuição do custo Brasil, no aumento da competitividade das empresas por meio de melhorias regulatórias, na ampliação da transparência do processo decisório, na harmonização de metodologias, na padronização de conceitos e critérios e na redução de assimetrias na adoção de boas práticas entre agentes reguladores.O comitê gestorpara promover tais aperfeiçoamentos é composto por: MDIC (que o preside), MPO, MGI, AGU e CGU.
É incorreto relacionar a boa intenção dos Decretos acima com a criação de um OSR com viés político, que tenha a possibilidade de demitir seus diretores, caso suas decisões fiquem em desacordo com os “ditames estabelecidos pelo governo”8. Atualmente,a perda de mandato de um conselheiro/diretor ocorre por renúncia, condenação judicial ou processo administrativo disciplinar, e essa regra não deveria ser alterada.
Para mostrar alinhamento da proposta da criação do OSR brasileiro com as boas práticas internacionais, foram dados exemplos como o Office of Information and Regulatory Affairs (EUA), o Treasury Board (Canadá), o UK's Regulatory Policy Committee (Inglaterra) e a Better Regulation (Comissão Europeia)9. Ocorre que estas organizações não têm prerrogativa sobre a governança das agências, mas sobre a elaboração de critérios técnicos, como propõe os mencionados Decretos. Estes órgãos promovem a melhoria da qualidade regulatória na administração pública. Por serem entidades de Estado, e não de governo, a missão desses é disseminar as boas práticas e assegurar que as metodologias mais modernas sejam implementadas10.
A possível criação de umOSRno Brasil poderia – com elevada probabilidade – ficar em desacordo com estes benchmarks, se a alteração legislativa permitir que ele possa punir dirigentes de Agências. Muito provavelmente as funções de orientar, aconselhar, coordenar e recomendar de um OSR – hoje feitas pelo TCU – ficariam à margem da verdadeira razão de sua criação, que seria a de limitar, cercear e contestar os julgamentos de seus dirigentes, e, no limite, demiti-los.
É fato que há problemas de desempenho em algumas agências reguladoras11, como atrasos em análises que impactam investimentos privados, falta de visão acerca de conceitos básicos concorrenciais e paralisia em proposições legislativas (em que novas leis precisariam ser substituídas por antigas, para não frear o desenvolvimento de certos mercados). A solução, contudo, não passa por torná-las “instituições de governo”, em vez de Estado. Se fosse assim, por que não estender as “necessárias avaliações de desempenho” para outros agentes públicos, como ministros e desembargadores? Porque não cabe. Do mesmo modo que é inapropriado um Ministro dizer que “as agências têm que respeitar o formulador de política pública”12, se a palavra “respeitar” tem na verdade a conotação de “obedecer”.
De fato, o Brasil não está bem do ponto de vista da governança regulatória13, segundo a OCDE14, o que desfavorece o ambiente de negócios, os investimentos e, logo, o crescimento econômico. O Índice de Qualidade Regulatória, da CNI15, apesar de ter sido elaborado em 2014, é atual, traz questionamentos, informações, conceitos e recomendações. Neste sentido, é consenso queas Agências e o CADE precisam fundamentar tecnicamente suas decisões, de forma metódica. Suas eventuais falhas, todavia, não podem ser corrigidas com a interferência do governo na sua governança. Capacitar seus membros, dar responsabilidades condizentes com suas condições de trabalho, modernizar suas metodologias de análise, nomear conselheiros/diretores com base em seus currículos, seguir com os prazos dos mandatos não coincidentes com o do Presidente da República, evitar vacâncias de seus dirigentes e dar autonomia financeira são algumas das boas práticas que o Brasil precisa observar para ter “instituições inclusivas e não extrativas”.
Apesar da OCDErecomendar um OSR para seus membros16, além da falta de orçamento federal, a probabilidade desta nova burocracia vir a ter caráter político, e não técnico, é muito elevada. Essas são as razões para desaconselhar um OSR brasileiro, conquanto urja a melhora institucional das Agências, seja do ponto de vista de pessoal, seja financeiro ou seja de capacitação, que podem ser supridos sem um regulador dos reguladores. Há que seguir aprimorando o modus operandi destes órgãos, mas preservando sua autonomia. Afinal, as instituições importam para o desenvolvimento das nações.
Instituições importam para o desenvolvimento das nações. Essa frase consubstancia a mensagem central das pesquisas dos ganhadores do Prêmio Nobel em Economia em 2024:Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson.As Agências Reguladoras, em particular, fazem parte deste grupo de organizações, que, dentre outras funções, resguardam os interesses difusos da sociedade em uma economia de mercado, evitando que os preços dos monopólios naturais sejam abusivos e fomentando que os investimentos ocorram, ao dar previsibilidade jurídica de longo prazo.
Em outubro de 2024, contudo, em decorrência de um apagão ocorrido em São Paulo (devido a uma tempestade), não só o governo acirrou sua crítica à autonomia das Agências Reguladoras, como usou tal fato para argumentar sobre a necessidade de criar um regulador dos reguladores, ou melhor, umÓrgão de Supervisão Regulatória (OSR). A Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei 13.848/19) teria que ser alterada e seria um provável retrocesso institucional.
Antes de adentrar nas razões para a provável marcha ré, vale lembrar que as primeiras Agências foram criadas nos anos 90, impulsionadas pelas privatizações, como instituições de Estado (não de governo), para disciplinar e supervisionar o comportamento das empresas, que deixavam de ser monopólios públicos em seus mercados relevantes. O CADE (órgão antitruste), neste mesmo ensejo, foi reformulado pela Lei 8.884 em 1994, passando a ter papel crucial nesta nova realidade, ao lado dessas Agências. Seus conselheiros e diretores nunca tiveram, e seguem não tendo, que obedecer a governos de plantão, mas sim a mandatos definidos em lei, pois aquelas entidades, à luz do modelo da Inglaterra principalmente, sempre tiveram autonomia técnica e administrativa.
Poucas têm autonomia financeira, dependendo dos recursos da União, o que é um problema; e, infelizmente, a independência destas tem sido duramente criticada pelo suposto “descumprimento de ordens dadas pelo Executivo”, como se o titular de algum Ministério tivesse poderes sobre estas instituições ou como se estes órgãos fossem apêndices de algum dos Poderes. Por esta falta de entendimento acerca do papel e do formato das Agências, a AGU, em 14/10/24, no calor das eleições municipais, investigou a suposta omissão da ANEEL, baseada em denúncia do executivo, que nada concluiu. Foi ato constrangedor, especialmente pela forma. Além disso, o Decreto 12.282/24 causou espanto ao fazer uma “intervenção branca” na ANATEL, pelo governo.
O Executivo tem o poder de dar/reter recursos destas corporações e o executivo/legislativo, de nomear e sabatinar seus conselheiros/diretores. Isso não seria problemático, se não houver ocorrido uma politização nas nomeações; um descaso sobre a importância destes institutos em uma economia livre, onde há falhas de mercado; um desapreço pela técnica; e um loteamento dos cargos por critérios não republicanos. A percepção é que as indicações passaram a ocorrer por troca de favores político-partidários1. Tanto é que há inúmeras vagas em aberto e existem posições preenchidas por pessoas com questionável notório saber sobre regulação/concorrência, possivelmente protegendo interesses privados. Das 11 Agências federais, 9 cargos estão desocupados e 8 ficarão até 2025. Impedidas de cumprir suas atribuições em sua plenitude, desprovidas de recursos financeiro e de pessoal, e com uma explícita captura (política e setorial), é difícil julgar a razão de má performance de algumas Agências. Como, assim, é possível solucionar falhas regulatórias mirando a técnica, se o problema está, sobretudo, na governança, isto é, na escolha de profissionais nem sempre comprometidos em lutar pelo bem-público?
No dia 23/10/242, a Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu que houve falhas metodológicas por parte das 11 Agências Federais e de outros 29 órgãos da União, uma vez que as avaliações foram feitas de forma ad hoc e sem uma definição prévia de critérios objetivos. Por isso, a AGU ofereceu interessantes sugestões3em várias vertentes, como no âmbito da Análise de Impacto Regulatório e do Sandbox Regulatório, este último criado em 2019, pela Lei da Liberdade Econômica4, e regulamentado pela LC182/20215. Estes aconselhamentos, sem intervenção, são sempre bem-vindos, diga-se de passagem, e devem seguir sendo feitos.
Antes e durante este cenário de críticas às Agências, surgiram osDecretos 11.738/20236e12.150/20247. O primeiro redesenha o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (Pro-RegII) de 2007 (Pro-RegI, Decreto 6.062), e o segundo, institui o Regula Melhor. Ambos focam na diminuição do custo Brasil, no aumento da competitividade das empresas por meio de melhorias regulatórias, na ampliação da transparência do processo decisório, na harmonização de metodologias, na padronização de conceitos e critérios e na redução de assimetrias na adoção de boas práticas entre agentes reguladores.O comitê gestorpara promover tais aperfeiçoamentos é composto por: MDIC (que o preside), MPO, MGI, AGU e CGU.
É incorreto relacionar a boa intenção dos Decretos acima com a criação de um OSR com viés político, que tenha a possibilidade de demitir seus diretores, caso suas decisões fiquem em desacordo com os “ditames estabelecidos pelo governo”8. Atualmente,a perda de mandato de um conselheiro/diretor ocorre por renúncia, condenação judicial ou processo administrativo disciplinar, e essa regra não deveria ser alterada.
Para mostrar alinhamento da proposta da criação do OSR brasileiro com as boas práticas internacionais, foram dados exemplos como o Office of Information and Regulatory Affairs (EUA), o Treasury Board (Canadá), o UK's Regulatory Policy Committee (Inglaterra) e a Better Regulation (Comissão Europeia)9. Ocorre que estas organizações não têm prerrogativa sobre a governança das agências, mas sobre a elaboração de critérios técnicos, como propõe os mencionados Decretos. Estes órgãos promovem a melhoria da qualidade regulatória na administração pública. Por serem entidades de Estado, e não de governo, a missão desses é disseminar as boas práticas e assegurar que as metodologias mais modernas sejam implementadas10.
A possível criação de umOSRno Brasil poderia – com elevada probabilidade – ficar em desacordo com estes benchmarks, se a alteração legislativa permitir que ele possa punir dirigentes de Agências. Muito provavelmente as funções de orientar, aconselhar, coordenar e recomendar de um OSR – hoje feitas pelo TCU – ficariam à margem da verdadeira razão de sua criação, que seria a de limitar, cercear e contestar os julgamentos de seus dirigentes, e, no limite, demiti-los.
É fato que há problemas de desempenho em algumas agências reguladoras11, como atrasos em análises que impactam investimentos privados, falta de visão acerca de conceitos básicos concorrenciais e paralisia em proposições legislativas (em que novas leis precisariam ser substituídas por antigas, para não frear o desenvolvimento de certos mercados). A solução, contudo, não passa por torná-las “instituições de governo”, em vez de Estado. Se fosse assim, por que não estender as “necessárias avaliações de desempenho” para outros agentes públicos, como ministros e desembargadores? Porque não cabe. Do mesmo modo que é inapropriado um Ministro dizer que “as agências têm que respeitar o formulador de política pública”12, se a palavra “respeitar” tem na verdade a conotação de “obedecer”.
De fato, o Brasil não está bem do ponto de vista da governança regulatória13, segundo a OCDE14, o que desfavorece o ambiente de negócios, os investimentos e, logo, o crescimento econômico. O Índice de Qualidade Regulatória, da CNI15, apesar de ter sido elaborado em 2014, é atual, traz questionamentos, informações, conceitos e recomendações. Neste sentido, é consenso queas Agências e o CADE precisam fundamentar tecnicamente suas decisões, de forma metódica. Suas eventuais falhas, todavia, não podem ser corrigidas com a interferência do governo na sua governança. Capacitar seus membros, dar responsabilidades condizentes com suas condições de trabalho, modernizar suas metodologias de análise, nomear conselheiros/diretores com base em seus currículos, seguir com os prazos dos mandatos não coincidentes com o do Presidente da República, evitar vacâncias de seus dirigentes e dar autonomia financeira são algumas das boas práticas que o Brasil precisa observar para ter “instituições inclusivas e não extrativas”.
Apesar da OCDErecomendar um OSR para seus membros16, além da falta de orçamento federal, a probabilidade desta nova burocracia vir a ter caráter político, e não técnico, é muito elevada. Essas são as razões para desaconselhar um OSR brasileiro, conquanto urja a melhora institucional das Agências, seja do ponto de vista de pessoal, seja financeiro ou seja de capacitação, que podem ser supridos sem um regulador dos reguladores. Há que seguir aprimorando o modus operandi destes órgãos, mas preservando sua autonomia. Afinal, as instituições importam para o desenvolvimento das nações.