Millenium: O financiamento público eleitoral e seu viés antidemocrático
O cientista de dados Wagner Vargas explica que o cidadão é obrigado a contribuir financeiramente com partidos políticos cujo propósito ele discorde
Publicado em 5 de agosto de 2021 às, 15h58.
*Por Wagner Vargas
Nos últimos 20 dias, o Congresso aprovou um aumento de 180% no Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o Fundão Eleitoral, que passaria de R$2 para R$5,7 bilhões. Trata-se de um recurso público destinado exclusivamente a financiar campanhas políticas, em anos eleitorais, estabelecido pela Lei 13.487/2017.
Ainda que tenha sido aprovado, o valor precisa ser sancionado pelo presidente da República, que tem poderes para vetar total ou parcialmente os valores, propondo alteração no aumento aprovado pelo Legislativo.
Além do FEFC, os partidos políticos no Brasil dispõem de outro recurso público para seu financiamento: o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, conhecido como Fundo Partidário, que é distribuído mensalmente (não apenas em anos eleitorais) e é destinado à manutenção dos partidos políticos, como pagamento dos salários de seus dirigentes e despesas de custeio, por exemplo, aluguel e contratação de serviços. Mas, o Fundo Partidário também pode ser utilizado para campanhas eleitorais.
Este ano de 2021, a distribuição do Fundo Partidário para os 23 partidos contemplados foi de R$444 milhões até o mês de junho e deve chegar próximo a R$900 milhões (R$888.649.698,68).
Vale lembrar que o debate sobre a existência do financiamento público de campanha, ou da criação de um Fundo exclusivo para financiar campanhas eleitorais somado ao Fundo Partidário, ganhou força após a proibição instituída por parte do Supremo Tribunal Federal para empresas que financiam campanhas eleitorais, e também estabelecendo limites para que pessoas físicas fizessem doações financeiras em até 10% do valor registrado em seu pró-labore ou salário anual, por exemplo.
Porém, ao corrigir valores gastos na campanha em 2014, última campanha que permitiu financiamento empresarial, chega-se à cifra de R$6,3 bilhões. Algo curioso, pois, ou, da noite para o dia, os preços e custos das campanhas reduziram-se drasticamente ou parte dos recursos não está sendo contabilizada.
O financiamento público é, por natureza, antidemocrático
Se por um lado, a intenção era evitar que empresas e gestores públicos corruptos vinculassem contratos públicos ao financiamento de campanhas eleitorais, por outro lado, criou-se uma situação na qual o cidadão honesto passa a ser obrigado a financiar partidos políticos cujo propósito ele discorde.
Como seu próprio nome já diz, um partido existe para representar parte da sociedade. É natural que exista numa sociedade pessoas com ideologias ou pensamento mais à direita ou mais à esquerda política, que algumas pessoas acreditem na intervenção estatal outras no livre mercado em menor ou maior grau.
O problema é que, como no financiamento público a distribuição de recursos é proporcional à eleição na Câmara dos Deputados da eleição anterior, ideias ou partidos sem ou com baixa representação legislativa recebem nenhum ou poucos recursos até mesmo daqueles que concordam com a sua ideologia, tendendo a ficar estagnados.
Mas se a distribuição do recurso é proporcional ao voto, por que, então, isso seria um problema?
O dinamismo da política explica isso muito bem. Na prática, o Brasil vivencia um exemplo emblemático sobre a distorção ocasionada pelo atual modelo de distribuição de recursos eleitorais. As pessoas que votaram em Bolsonaro para presidente da República em 2018, por exemplo, também votaram, em sua maioria, para eleger a bancada do PSL.
Isso significa que o partido - que já não está mais vinculado a Bolsonaro - será em 2022 financiado em razão de um eleitor que está alinhado ao grupo político do Presidente. Ou seja, a campanha política de Bolsonaro, certamente, receberá uma proporção de recursos diferente da parcela populacional que se sente representada por ele. O que é injusto com quem o apoia e com quem discorda de suas ideias e forma de governo.
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Outro exemplo: em 2017, uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, que é ligada ao PT, constatou a existência e forte presença de valores liberais na periferia de São Paulo, mais precisamente nas favelas e locais de moradia precária. Ideias como “faça você mesmo”, competitividade, eficiência e que as pessoas daquela realidade, de acordo com a pesquisa, acreditam na política, mas não nos partidos. Nunca é demais nos lembrarmos de que, no Brasil, é sob as pessoas mais pobres que pesa a alta carga tributária sobre o consumo.
Por quantos anos esses impostos pagos não financiaram ideias e arquétipos completamente opostos a estas ideias?
O aumento do FEFC pode ser vetado?
Diferentemente do que foi afirmado pelo Presidente da República, não há ilegalidade em vetar o aumento FEFC. Bolsonaro entende que o piso para o Fundo seria de 4 bilhões de reais, bem menor do que o aprovado, mas, ainda sim, algo que dobraria o recurso. No entanto, a Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados emitiu parecer esclarecendo a informação, ao ser provocada, formalmente, pelo deputado Kim Kataguiri.
Com base na Lei 9.504/1997 e na Lei 13.487/2017, na verdade, o valor mínimo do Fundão Eleitoral, para 2022, é estimado em R$800 milhões. Esse valor é calculado com base na soma da compensação fiscal daquilo que as emissoras de rádio e TV receberiam pela extinta propaganda partidária. Portanto, o presidente tem o poder de cortar cerca de R$4,9 dos R$5,7 bilhões aprovados.
Conclusões
Apesar da queda na arrecadação tributária, a pandemia tornou necessário o aumento dos gastos para a proteção de trabalhadores informais e desempregados. Esse cenário, por si, já dificulta bastante a defesa moral de um aumento de recursos para campanhas.
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Mas, para além disso, é preciso questionar mudanças na estrutura do atual modelo em que há predominância do financiamento público. Como visto, ele dificulta a renovação de pessoas e ideias e concentra recursos. Além, é claro, de tender sempre a ser um ônus crescente no bolso do pagador de impostos, pois tem-se uma situação na qual os beneficiados votam, terceirizando o custo.
Talvez, ao invés de criminalizar o financiamento privado empresarial e dificultar e muito o financiamento privado, seria interessante debater maneiras de impedir ou cercear empresas corruptas e suas filiais a relacionarem seus interesses particulares no Estado ao financiamento de um grupo político.
Enfim, de qualquer forma, você pode acompanhar/fiscalizar e extrair planilhas no site do TSE com detalhes sobre onde e em quê o seu partido ou seu candidato emprega os recursos públicos que lhes são destinados. Aqui no Instituto Millenium, além do Millenium Fiscaliza, também existem projetos como a Página da Cidadania e o Millenium Analisa, que irão te ajudar a se informar e cobrar melhorias de seus representantes.