Investimento em prevenção
A prevenção não é algo muito natural ao nosso pensamento. Da mesma forma que não enxergamos com facilidade as consequências indiretas de uma doença
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 7 de agosto de 2024 às 09h00.
Lembro-me de um querido professor no começo da minha graduação dizer para nossa quinquagésima turma da faculdade de medicina da USP de Ribeirão Preto que o departamento ao qual fazia parte, o de Medicina Social, havia feito um estudo para o Governo Federal onde demonstraram que o custo do tratamento de alguns poucos pacientes com doença de Chagas (uma moléstia que causa insuficiência cardíaca, dilatação dos órgãos digestivos, entre outras complicações) seria suficiente para erradicar com a doença. Isso porque o vetor, o inseto que transmite o protozoário causador da doença de Chagas, vive em casas de pau-a-pique e a transmissão poderia ser facilmente controlada com a eliminação desse tipo de edificação.
Aquilo me chamou muito a atenção. A prevenção não é algo muito natural ao nosso pensamento. Da mesma forma que não enxergamos com facilidade as consequências indiretas de uma doença. Quando adoecemos gravemente não apenas o tratamento tem um alto custo, e que a cada ano cresce além da inflação média, mas na conta precisa ser incluído o quanto deixamos de produzir. Por isso, sempre que avaliamos a custo-efetividade de métodos preventivos, quase sempre a conta fecha com folga. Evidências não faltam. Seja em prevenção de câncer incluindo análises genéticas familiares, controle de fatores de risco cardiovasculares para infartos do coração ou do cérebro (AVC) ou no já tão sabido déficit em saneamento básico.
Um dos meus projetos pessoais é exatamente na prevenção do câncer. Desenvolvo um método digital e escalável de detecção de famílias com alta probabilidade de terem mutações genéticas (variantes patogênicas) que aumentam a chance de câncer. A ideia é oferecer essa avaliação em larga escala em breve. Em paralelo trabalho com um teste rápido para detecção de câncer de colo do útero antes mesmo das transformações celulares que a citologia (o exame de Papanicolaou) é capaz de identificar. Esse último teve seu estudo clínico para validação recém iniciado no ICESP, o hospital do Câncer da USP em São Paulo.
Desde aquela que foi uma das primeiras aulas que tive, o tema prevenção e custo-efetividade ficou em minha mente. E o que parece óbvio, que investir em prevenção é mais barato e efetivo que tratar a doença, na prática é ignorado pelos nossos gestores. Sejam eles públicos ou privados. Tive que conversar com muitos gestores privados até encontrar um aberto a adotar a metodologia que citei acima, a qual visa diagnosticar ou evitar diversos tipos de casos de câncer associados à predisposição hereditária. Não faz parte da nossa cultura prever, antever e tentar evitar os problemas. Não irei mencionar nesse texto saneamento básico
Com praticamente 5 mil mortos e centenas de milhares de internações, vivemos a pior epidemia de dengue da nossa história. Além dos impactos individuais e familiares irreversíveis, a epidemia trouxe ao nosso país uma devastação financeira só no ano de 2024. Em recente correspondência a Science em 18 de julho de 2024 no volume 385, Rodrigo Vancini e colaboradores estimaram que o custo será de mais de 20 bilhões de reais e que se estenderá aos próximos anos pela perda de milhares de empregos. Sim, é uma catástrofe. Uma catástrofe que se repete a cada poucos anos. Alguém poderia pensar: “mas logo nós, que tanto sofremos por saneamento básico, por um sistema de saúde pública tão defasado e insuficiente, nós tínhamos que evitar esse tipo de gasto”. Sim, deveríamos. Mas muito provavelmente esse tipo de desperdício de vidas, empregos e dinheiro é mais causa do que consequência de nossas mazelas.
É inconcebível ainda não termos em cada braço da nossa população uma dose da vacina contra a dengue. Mas como poderíamos, se abortamos qualquer iniciativa em biotecnologia que não esteja em estatais morosas e ineficientes? Quem se atreveria a desenvolver aqui no país uma vacina contra a dengue correndo o enorme e provável risco de, na hora de tentar vendê-la, ouvir que a vacina de algum instituto público está quase pronta?
Quando colocamos os números em perspectiva é algo assustador pensar que o valor de mercado da Takeda, a empresa farmacêutica que produz a vacina contra dengue, vale pouco mais de 40 bilhões de dólares e o custo de desenvolvimento da vacina foi uma pequena fração desse valor. O prejuízo causado pela dengue em alguns anos seria suficiente para tomar o controle da empresa e fazê-la produzir vacinas para nosso país. Lembrando que o exemplo é ilustrativo e não uma ideia a ser colocada em prática. Serve para deixar claro que investir em biotecnologia gera riqueza, gera saúde ao mesmo tempo que economiza valiosos recursos financeiros. Preferimos, entretanto, o caminho inverso: o da doença e do desperdício.
Lembro-me de um querido professor no começo da minha graduação dizer para nossa quinquagésima turma da faculdade de medicina da USP de Ribeirão Preto que o departamento ao qual fazia parte, o de Medicina Social, havia feito um estudo para o Governo Federal onde demonstraram que o custo do tratamento de alguns poucos pacientes com doença de Chagas (uma moléstia que causa insuficiência cardíaca, dilatação dos órgãos digestivos, entre outras complicações) seria suficiente para erradicar com a doença. Isso porque o vetor, o inseto que transmite o protozoário causador da doença de Chagas, vive em casas de pau-a-pique e a transmissão poderia ser facilmente controlada com a eliminação desse tipo de edificação.
Aquilo me chamou muito a atenção. A prevenção não é algo muito natural ao nosso pensamento. Da mesma forma que não enxergamos com facilidade as consequências indiretas de uma doença. Quando adoecemos gravemente não apenas o tratamento tem um alto custo, e que a cada ano cresce além da inflação média, mas na conta precisa ser incluído o quanto deixamos de produzir. Por isso, sempre que avaliamos a custo-efetividade de métodos preventivos, quase sempre a conta fecha com folga. Evidências não faltam. Seja em prevenção de câncer incluindo análises genéticas familiares, controle de fatores de risco cardiovasculares para infartos do coração ou do cérebro (AVC) ou no já tão sabido déficit em saneamento básico.
Um dos meus projetos pessoais é exatamente na prevenção do câncer. Desenvolvo um método digital e escalável de detecção de famílias com alta probabilidade de terem mutações genéticas (variantes patogênicas) que aumentam a chance de câncer. A ideia é oferecer essa avaliação em larga escala em breve. Em paralelo trabalho com um teste rápido para detecção de câncer de colo do útero antes mesmo das transformações celulares que a citologia (o exame de Papanicolaou) é capaz de identificar. Esse último teve seu estudo clínico para validação recém iniciado no ICESP, o hospital do Câncer da USP em São Paulo.
Desde aquela que foi uma das primeiras aulas que tive, o tema prevenção e custo-efetividade ficou em minha mente. E o que parece óbvio, que investir em prevenção é mais barato e efetivo que tratar a doença, na prática é ignorado pelos nossos gestores. Sejam eles públicos ou privados. Tive que conversar com muitos gestores privados até encontrar um aberto a adotar a metodologia que citei acima, a qual visa diagnosticar ou evitar diversos tipos de casos de câncer associados à predisposição hereditária. Não faz parte da nossa cultura prever, antever e tentar evitar os problemas. Não irei mencionar nesse texto saneamento básico
Com praticamente 5 mil mortos e centenas de milhares de internações, vivemos a pior epidemia de dengue da nossa história. Além dos impactos individuais e familiares irreversíveis, a epidemia trouxe ao nosso país uma devastação financeira só no ano de 2024. Em recente correspondência a Science em 18 de julho de 2024 no volume 385, Rodrigo Vancini e colaboradores estimaram que o custo será de mais de 20 bilhões de reais e que se estenderá aos próximos anos pela perda de milhares de empregos. Sim, é uma catástrofe. Uma catástrofe que se repete a cada poucos anos. Alguém poderia pensar: “mas logo nós, que tanto sofremos por saneamento básico, por um sistema de saúde pública tão defasado e insuficiente, nós tínhamos que evitar esse tipo de gasto”. Sim, deveríamos. Mas muito provavelmente esse tipo de desperdício de vidas, empregos e dinheiro é mais causa do que consequência de nossas mazelas.
É inconcebível ainda não termos em cada braço da nossa população uma dose da vacina contra a dengue. Mas como poderíamos, se abortamos qualquer iniciativa em biotecnologia que não esteja em estatais morosas e ineficientes? Quem se atreveria a desenvolver aqui no país uma vacina contra a dengue correndo o enorme e provável risco de, na hora de tentar vendê-la, ouvir que a vacina de algum instituto público está quase pronta?
Quando colocamos os números em perspectiva é algo assustador pensar que o valor de mercado da Takeda, a empresa farmacêutica que produz a vacina contra dengue, vale pouco mais de 40 bilhões de dólares e o custo de desenvolvimento da vacina foi uma pequena fração desse valor. O prejuízo causado pela dengue em alguns anos seria suficiente para tomar o controle da empresa e fazê-la produzir vacinas para nosso país. Lembrando que o exemplo é ilustrativo e não uma ideia a ser colocada em prática. Serve para deixar claro que investir em biotecnologia gera riqueza, gera saúde ao mesmo tempo que economiza valiosos recursos financeiros. Preferimos, entretanto, o caminho inverso: o da doença e do desperdício.