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Instituto Millenium entrevista Martha Mayer

Martha Mayer, servidora de carreira do instituto e ex-Diretora de Pesquisas: "A cultura organizacional é um componente crucial para a autonomia do IBGE"

Martha Mayer: em entrevista, discutimos as estratégias do IBGE para o futuro em face da rápida transformação tecnológica (Martha Mayer/Acervo Pessoal/Reprodução)
Instituto Millenium

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Publicado em 4 de agosto de 2023 às 13h12.

Última atualização em 4 de agosto de 2023 às 19h38.

Em meio à incerteza gerada pela nomeação de Márcio Pochmann para a presidência do IBGE, conversamos com Martha Mayer, servidora de carreira do instituto e ex-Diretora de Pesquisas. Mayer traz sua visão sobre a autonomia técnica da instituição, esclarecendo que, mesmo sem uma lei explícita garantindo sua independência, o IBGE se estabeleceu como uma instituição autônoma e confiável, tanto no cenário interno quanto na comunidade estatística internacional. Discutindo possíveis mudanças no modelo de nomeação da presidência e a participação da sociedade civil na proteção da integridade dos dados produzidos, Mayer destaca a cultura organizacional e a interação constante com colegas internacionais como principais defesas contra possíveis abusos.

Além disso, discutimos as estratégias do IBGE para o futuro em face da rápida transformação tecnológica. Mayer acredita que o IBGE fez progressos significativos na adoção de novas tecnologias e que esse avanço é irreversível, apesar da resistência potencial do novo presidente. A servidora também enfatiza a importância da participação ativa do IBGE na comunidade estatística internacional e das parcerias com organizações internacionais para assegurar o aprimoramento contínuo dos seus técnicos e a qualidade da produção estatística.

Instituto Millenium: Diante da nomeação de Márcio Pochmann para a presidência do IBGE, surgem inquietações a respeito da autonomia da instituição. Com base em sua experiência, e nas lições históricas em períodos críticos como ditaduras e hiperinflação, como você acredita que o IBGE pode garantir a excelência dos indicadores e minimizar riscos decorrentes de eventuais tentativas de interferência na produção estatística?

Martha Mayer: Embora não haja lei que garanta a autonomia técnica do IBGE, o Instituto alcançou essa autonomia porque adotou, ao longo dos anos, as melhores práticas na produção de estatísticas. Assim, como membro atuante da comunidade estatística internacional, soube construir sua autonomia de dentro para fora. O IBGE é hoje uma das Instituições de maior credibilidade junto à sociedade. Estamos, creio, numa situação de “mexeu com o IBGE, mexeu com a sociedade”. Assim, não vejo como  um novo presidente possa tomar qualquer medida que fuja ao objetivo de melhorias de forma transparente e ética.

Instituto Millenium: Você acredita que o atual modelo de nomeação para a presidência do IBGE compromete a autonomia do órgão? Nesse contexto, qual é a sua opinião sobre a aprovação mudanças no modelo de nomeação, envolvendo por exemplo empresas de headhunting no processo de seleção de candidatos ou até transferindo o poder de nomeação para o Congresso? Estratégias desse tipo poderiam fortalecer a independência do IBGE?

Martha Mayer: O modelo de nomeação, até hoje adotado, não tem sido empecilho para que o IBGE siga fielmente os Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais como preconizado pela Comissão de Estatísticas das Nações Unidas. Não obstante, o fato é que não há modelo de nomeação que garanta que uma Instituição não corra o risco de ser dirigida por arrogantes que queiram impor visões particulares alheias aos Princípios Fundamentais. A profissionalização do corpo técnico do IBGE, o código de conduta interno e o convívio com seus pares internacionais são as vacinas contra eventuais arbítrios. Em suma, a cultura é fundamental.

Instituto Millenium: Em face de potenciais tentativas de intervenção política na produção estatística, qual o papel que a sociedade civil, o corpo técnico do IBGE e os órgãos de controle podem desempenhar para assegurar a integridade dos dados produzidos pelo instituto?

Martha Mayer: A relação do órgão de estatística com os governos passa, eventuaslmente, por momentos de tensão. No Brasil e na maioria dos países. Os indicadores estatísticos acabam por avaliar os governos. Divulgação de pioras em índices de inflação, desemprego e PIB não agradam aos governantes. E alguns acham que o dado divulgado não é o real e questionam os Institutos. Mas, pelo conhecimento que tenho, no caso do IBGE, essas tensões nunca ultrapassaram ao “o método correto é esse mesmo?” “não pode divulgar isso de outra forma?” “tal país não faz assim, por que o IBGE faz?”. E o IBGE, com a credibilidade que foi ganhando por suas práticas e transparência, fica cada vez menos vulnerável nesses momentos de tensão.

Quando eu era Diretora de Pesquisas do Instituto, ouvi muitas vezes, dentro e fora do IBGE, críticas pelo fato do IBGE seguir as recomendações metodológicas internacionais para algumas estatísticas. As alegações se referiam à realidade brasileira ser diferente. Sempre tive convicção que seguir as recomendações internacionais (as boas práticas e algumas padronizações para garantir a comparabilidade internacional) funciona como um seguro para os Institutos contra as interferências políticas. Se assim não fosse, cada um que chegasse poderia adotar a metodologia de sua preferência. Ora, se João mudou, Pedro também pode mudar.

Instituto Millenium: Considerando a importância da precisão dos dados para a elaboração de políticas públicas embasadas em evidências, de que maneira o IBGE poderia aprimorar sua colaboração com instituições internacionais para assegurar a alinhamento dos seus métodos estatísticos às melhores práticas globais? O ingresso do Brasil em entidades como a OCDE poderia reforçar a qualidade de nossa produção estatística?

Martha Mayer: Sem dúvida, a inserção  do IBGE na comunidade estatística internacional e parcerias com organismos internacionais relevantes (Banco Mundial, FMI, Divisão de Estatísticas da ONU, OIT, UNFPA)  foram os motores do aprimoramento dos últimos anos e devem continuar a ser. A própria OCDE já vem há algum tempo  dando suporte a parcerias do IBGE com outros países e com o Eurostat, já na perspectiva do ingresso do Brasil na organização. É essa colaboração internacional que pode garantir técnicos cada vez mais bem formados e atualizados.

Instituto Millenium: Acerca das tendências futuras, em particular levando em conta que o novo presidente do IBGE já expressou resistência a avanços tecnológicos significativos como o PIX, como o instituto pode continuar a inovar diante das transformações tecnológicas e da emergência de novas metodologias de coleta e análise de dados? Quais seriam os desafios e oportunidades que a presidência de Pochmann poderia apresentar neste contexto?

Martha Mayer: A prática da adoção  das mais novas tecnologias e dos  facilitadores nos trabalhos do IBGE avançou muito e não tem volta, na minha opinião.  O Censo 2022 foi uma prova de competência tecnológica na adversidade. Assim como o PIX não parou, a inovação nas Estatísticas não vai parar mesmo porque, com novos concursos para a entrada de funcionários, esses serão de uma geração sedenta por cada vez mais tecnologia para gerar qualidade na produção estatística. O equilíbrio entre avanço tecnológico e garantia da qualidade deve, no entanto, ser motivo de atenção permanente.

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Em meio à incerteza gerada pela nomeação de Márcio Pochmann para a presidência do IBGE, conversamos com Martha Mayer, servidora de carreira do instituto e ex-Diretora de Pesquisas. Mayer traz sua visão sobre a autonomia técnica da instituição, esclarecendo que, mesmo sem uma lei explícita garantindo sua independência, o IBGE se estabeleceu como uma instituição autônoma e confiável, tanto no cenário interno quanto na comunidade estatística internacional. Discutindo possíveis mudanças no modelo de nomeação da presidência e a participação da sociedade civil na proteção da integridade dos dados produzidos, Mayer destaca a cultura organizacional e a interação constante com colegas internacionais como principais defesas contra possíveis abusos.

Além disso, discutimos as estratégias do IBGE para o futuro em face da rápida transformação tecnológica. Mayer acredita que o IBGE fez progressos significativos na adoção de novas tecnologias e que esse avanço é irreversível, apesar da resistência potencial do novo presidente. A servidora também enfatiza a importância da participação ativa do IBGE na comunidade estatística internacional e das parcerias com organizações internacionais para assegurar o aprimoramento contínuo dos seus técnicos e a qualidade da produção estatística.

Instituto Millenium: Diante da nomeação de Márcio Pochmann para a presidência do IBGE, surgem inquietações a respeito da autonomia da instituição. Com base em sua experiência, e nas lições históricas em períodos críticos como ditaduras e hiperinflação, como você acredita que o IBGE pode garantir a excelência dos indicadores e minimizar riscos decorrentes de eventuais tentativas de interferência na produção estatística?

Martha Mayer: Embora não haja lei que garanta a autonomia técnica do IBGE, o Instituto alcançou essa autonomia porque adotou, ao longo dos anos, as melhores práticas na produção de estatísticas. Assim, como membro atuante da comunidade estatística internacional, soube construir sua autonomia de dentro para fora. O IBGE é hoje uma das Instituições de maior credibilidade junto à sociedade. Estamos, creio, numa situação de “mexeu com o IBGE, mexeu com a sociedade”. Assim, não vejo como  um novo presidente possa tomar qualquer medida que fuja ao objetivo de melhorias de forma transparente e ética.

Instituto Millenium: Você acredita que o atual modelo de nomeação para a presidência do IBGE compromete a autonomia do órgão? Nesse contexto, qual é a sua opinião sobre a aprovação mudanças no modelo de nomeação, envolvendo por exemplo empresas de headhunting no processo de seleção de candidatos ou até transferindo o poder de nomeação para o Congresso? Estratégias desse tipo poderiam fortalecer a independência do IBGE?

Martha Mayer: O modelo de nomeação, até hoje adotado, não tem sido empecilho para que o IBGE siga fielmente os Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais como preconizado pela Comissão de Estatísticas das Nações Unidas. Não obstante, o fato é que não há modelo de nomeação que garanta que uma Instituição não corra o risco de ser dirigida por arrogantes que queiram impor visões particulares alheias aos Princípios Fundamentais. A profissionalização do corpo técnico do IBGE, o código de conduta interno e o convívio com seus pares internacionais são as vacinas contra eventuais arbítrios. Em suma, a cultura é fundamental.

Instituto Millenium: Em face de potenciais tentativas de intervenção política na produção estatística, qual o papel que a sociedade civil, o corpo técnico do IBGE e os órgãos de controle podem desempenhar para assegurar a integridade dos dados produzidos pelo instituto?

Martha Mayer: A relação do órgão de estatística com os governos passa, eventuaslmente, por momentos de tensão. No Brasil e na maioria dos países. Os indicadores estatísticos acabam por avaliar os governos. Divulgação de pioras em índices de inflação, desemprego e PIB não agradam aos governantes. E alguns acham que o dado divulgado não é o real e questionam os Institutos. Mas, pelo conhecimento que tenho, no caso do IBGE, essas tensões nunca ultrapassaram ao “o método correto é esse mesmo?” “não pode divulgar isso de outra forma?” “tal país não faz assim, por que o IBGE faz?”. E o IBGE, com a credibilidade que foi ganhando por suas práticas e transparência, fica cada vez menos vulnerável nesses momentos de tensão.

Quando eu era Diretora de Pesquisas do Instituto, ouvi muitas vezes, dentro e fora do IBGE, críticas pelo fato do IBGE seguir as recomendações metodológicas internacionais para algumas estatísticas. As alegações se referiam à realidade brasileira ser diferente. Sempre tive convicção que seguir as recomendações internacionais (as boas práticas e algumas padronizações para garantir a comparabilidade internacional) funciona como um seguro para os Institutos contra as interferências políticas. Se assim não fosse, cada um que chegasse poderia adotar a metodologia de sua preferência. Ora, se João mudou, Pedro também pode mudar.

Instituto Millenium: Considerando a importância da precisão dos dados para a elaboração de políticas públicas embasadas em evidências, de que maneira o IBGE poderia aprimorar sua colaboração com instituições internacionais para assegurar a alinhamento dos seus métodos estatísticos às melhores práticas globais? O ingresso do Brasil em entidades como a OCDE poderia reforçar a qualidade de nossa produção estatística?

Martha Mayer: Sem dúvida, a inserção  do IBGE na comunidade estatística internacional e parcerias com organismos internacionais relevantes (Banco Mundial, FMI, Divisão de Estatísticas da ONU, OIT, UNFPA)  foram os motores do aprimoramento dos últimos anos e devem continuar a ser. A própria OCDE já vem há algum tempo  dando suporte a parcerias do IBGE com outros países e com o Eurostat, já na perspectiva do ingresso do Brasil na organização. É essa colaboração internacional que pode garantir técnicos cada vez mais bem formados e atualizados.

Instituto Millenium: Acerca das tendências futuras, em particular levando em conta que o novo presidente do IBGE já expressou resistência a avanços tecnológicos significativos como o PIX, como o instituto pode continuar a inovar diante das transformações tecnológicas e da emergência de novas metodologias de coleta e análise de dados? Quais seriam os desafios e oportunidades que a presidência de Pochmann poderia apresentar neste contexto?

Martha Mayer: A prática da adoção  das mais novas tecnologias e dos  facilitadores nos trabalhos do IBGE avançou muito e não tem volta, na minha opinião.  O Censo 2022 foi uma prova de competência tecnológica na adversidade. Assim como o PIX não parou, a inovação nas Estatísticas não vai parar mesmo porque, com novos concursos para a entrada de funcionários, esses serão de uma geração sedenta por cada vez mais tecnologia para gerar qualidade na produção estatística. O equilíbrio entre avanço tecnológico e garantia da qualidade deve, no entanto, ser motivo de atenção permanente.

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