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Chegou a hora de fazer o mínimo

Cidades brasileiras têm um histórico de severos problemas urbanos, mas a boa notícia é que avanços podem ser obtidos a partir de simples melhorias

Vista da região da Chacara Santo antonio em São Paulo. Predio refletindo a cidade. Imoveis, predio comercial (Leandro Fonseca/Exame)
Vista da região da Chacara Santo antonio em São Paulo. Predio refletindo a cidade. Imoveis, predio comercial (Leandro Fonseca/Exame)

As cidades brasileiras apresentam um histórico de severos problemas urbanos e a dificuldade crônica em solucioná-los. Este cenário é resultado de um conjunto de fatores normativos, técnicos e políticos, agravados pelo descaso de burocratas e da própria sociedade. Em geral, o custo da habitação é alto, a mobilidade é precária, há déficits de espaços verdes, as pessoas têm uma grande sensação de insegurança, existe um significativo (e crescente) número de pessoas em situação de rua e a zeladoria é insuficiente, apenas para citar alguns exemplos.  

A legislação é desarticulada, as políticas públicas são ineficientes e raramente avaliadas, e muitos dos agentes envolvidos carecem de capacitação ou desconhecem as dinâmicas de uma cidade. Grupos organizados sistematicamente capturam o estado para obter vantagens às custas de terceiros. Na prática, exceto em algumas bolhas, a experiência do usuário é terrível. Basta caminhar 15 minutos fora de redutos de elite, ou se deslocar para uma região periférica para atestar essa afirmação. 

Apesar do panorama nada animador, a boa notícia é que avanços significativos podem ser obtidos a partir de simples melhorias, que não geram polêmicas de cunho ideológico, nem exigem muitos recursos para serem realizadas. Refiro-me ao que se convencionou chamar de “burocracia”, especialmente o arcabouço legal, procedimentos e serviços presentes na administração pública. A questão aqui não é sobre discutir diferentes políticas ou como a cidade deve se desenvolver, mas sim sobre como esse desenvolvimento será implementado. 

Trata-se de uma agenda focada em “como” fazer, ao invés de “o que” fazer. “Como tornar a aprovação de projetos mais rápida?”, “como reduzir a imprevisibilidade de decisões?” ou “como tornar os dados acessíveis à população?”. Historicamente, essa agenda encontra pouca receptividade no país, sendo raramente abordada no debate público e menos ainda na esfera política. Quando discutida, frequentemente se dá a partir de discursos genéricos que defendem a “desburocratização”, mas sem oferecer detalhes ou soluções concretas, que são o que realmente importa nesse contexto. 

Em praticamente todos os municípios brasileiros, se um empreendedor ou o próprio poder público desejam desenvolver um projeto na cidade, eles possivelmente enfrentarão processos de licenciamento demorados, requisitos descabidos e excessivamente onerosos. Mesmo após obter aprovação, esses processos podem ser facilmente revertidos. Não são raros os casos em que um projeto licenciado, e com obras já iniciadas, é paralisado com base em alegações frágeis. 

Por outro lado, a inconsistência e complexidade de boa parte da legislação representa grande insegurança para os servidores públicos, o que incentiva a adoção de uma postura excessivamente cautelosa. Temendo as possíveis consequências de decisões equivocadas, esses agentes acabam adotando uma atitude conservadora, rejeitando-se iniciativas mais ambiciosas e impondo um volume desnecessário de requisitos. 

O impacto no desenvolvimento imobiliário e urbano é profundo, como as operações são complexas, de longo prazo e exigem altos investimentos, o contexto apresentado se traduz obstáculos muitas vezes intransponíveis para entidades com menos recursos, resultando na diminuição da concorrência e beneficiando agentes já consolidados, em atividades privadas ou prestando serviços para o estado. Além disso, há um grande desestímulo à arquitetura e ao design, pois, quanto mais complexo o projeto, mais difícil se torna sua aprovação, fazendo com que os desenvolvedores optem por alternativas genéricas - e sem graça. Um grande convite à mediocridade. 

Como é possível notar, melhorias nos marcos legais e nos processos administrativos ocasionaram a diminuição de recursos necessários para o desenvolvimento de obras públicas e empreendimentos privados, maior competição entre empresas e, consequentemente, projetos melhores para a cidade. Dados acessíveis tornam a participação popular mais qualificada e decisões privadas mais assertivas. A capacitação de agentes e o intercâmbio de ideias com responsáveis por iniciativas bem sucedidas, - nacionais e internacionais - também é essencial.  

A criação de um ambiente propício e seguro para o desenvolvimento de projetos, com ampla possibilidade de diálogo, é uma pauta que deveria interessar a qualquer mandatário. As eleições deste ano oferecem uma oportunidade de eleger candidatos comprometidos com essa esfera de mudanças necessárias e, após tantas apostas em planos mirabolantes e figuras exóticas, talvez seja o momento de dar uma chance àqueles que se comprometem em fazer o mínimo.