Brasil em queda em rankings de competitividade: análise e soluções
Instituto Millenium entrevista Mariana Piaia
Publicado em 15 de julho de 2024 às, 10h20.
O Brasil despencou para a 62ª posição entre 65 países no ranking de competitividade do IMD, revelando sérias deficiências em áreas como custo de capital, legislação trabalhista e educação. A contínua queda no ranking é um alerta sobre os desafios estruturais que o país enfrenta, apesar de algumas melhorias em performance econômica nos últimos anos.
Para entender melhor esses desafios, o Instituto Millenium conversou com Mariana Piaia, doutora em Economia pela Universidade Federal Fluminense e Gerente de Pesquisas no Students for Liberty. A partir de julho de 2024, Piaia se junta ao time de colunistas do Instituto Millenium. Em sua primeira análise, ela examina os fatores que contribuem para a baixa competitividade do Brasil e sugere reformas microeconômicas que podem trazer resultados mais imediatos, destacando a importância de uma infraestrutura robusta, inovação tecnológica e melhorias no sistema educacional.
Confira a entrevista completa e dê as boas-vindas a Mariana Piaia, enquanto ela propõe estratégias para impulsionar a competitividade do Brasil e criar um ambiente econômico mais dinâmico e eficiente.
Instituto Millenium: Um índice recente do IMD colocou o Brasil em uma posição desafiadora no ranking global de competitividade, destacando problemas em áreas como custo de capital, legislação trabalhista e educação. Essa avaliação reflete uma tendência de queda contínua? Quais são os principais fatores que explicam essa situação?
Mariana Piaia: Nos últimos cinco anos o Brasil perdeu 6 posições no ranking. Saímos de 56º para 62º, de um total de 65 países.
No âmbito da eficiência governamental, ou melhor, na falta dela, somos os últimos colocados no quesito do quadro social, ou seja, somos o pior país do ranking em termos de estrutura de e proteção dos direitos e meios de subsistência da sociedade. Somos os penúltimos em finanças públicas, e estamos entre os mais mal colocados na legislação empresarial, estrutura tributária e institucional.
Eficiência dos negócios estamos em 61 lugar, caindo 14 posições nos últimos cinco anos. Produtividade e eficiência são o que puxam o índice para baixo, juntamente com atitudes e valores.
Outro fator que não surpreende queda no índice, de 5 lugares entre 2020 e 2024, foi o de Infraestrutura. Educação e tecnologia são os piores subitens.
Performance econômica foi o único fator, dos quatro, que melhorou, subimos 18 posições nos últimos 5 anos. O investimento internacional é o que apresenta melhor desempenho, diferente do comércio internacional, que estamos entre as piores colocações.
Esse índice reflete problemas já conhecidos de nós brasileiros: ineficiência do governo, infraestrutura precária, baixa eficiência dos negócios e performance econômica pífia.
IM: Apesar das reformas previdenciária, trabalhista e tributária, o Brasil ainda enfrenta dificuldades para melhorar sua competitividade. Quais outras reformas, especialmente no âmbito microeconômico, poderiam ser implementadas para gerar um impacto positivo mais imediato?
MP: A grande questão da competitividade é a produtividade. Dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE mostram que a Produtividade Total dos Fatores (PTF) por horas trabalhadas ficou relativamente estável na segunda metade da década de 1990, cresceu fortemente na década de 2000 e caiu entre 2010 e 2023. Ao considerarmos a PFT ajustada pelo Índice de Capital Humano (ICH), a situação é diferente. Como o ICH aumentou de forma constante entre 1995 e 2023 (variação anual média de 2,2%) - o que mensura o aumento da escolaridade e experiência no mercado de trabalho -, a PTF ajustada pelo ICH caiu em média 0,8% ao ano no mesmo período. Isso sugere que o aumento da PTF se deu pela melhora do capital humano, quando desconsideramos esse, temos uma queda expressiva da produtividade. Isso joga a "culpa" da baixa produtividade pelo ambiente de negócios.
A integração econômica tem que ser mais discutida no Brasil. Práticas antidumping e medidas protecionistas, não necessariamente protegem a produtividade do país, são apenas medidas paliativas que não resolvem a questão estrutural da falta de competitividade. Temos que ser melhores, tirar a competição não irá fazer isso.
A infraestrutura para poder ser melhor e competir precisa evoluir. Segundo um estudo encomendado pela Logística Brasil, os investimentos em infraestrutura de transportes no Brasil (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias) caíram 16,42% entre 2001 e 2023, em relação à proporção do PIB nominal. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) visa expandir a colaboração entre os setores público e privado através de contratos de parceria e iniciativas de desestatização, como leilões e concessões. Temos um longo caminho para que a infraestrutura deixe de ser um entrave à competitividade e produtividade.
A inovação tecnológica está intrinsecamente ligada à integração comercial através das cadeias globais de valor, que facilitam o acesso a tecnologias avançadas, a difusão de conhecimento e incentivam a competitividade e colaboração em pesquisa e desenvolvimento.
Outro ponto é que as pesquisas acadêmicas acabam por não se refletirem na melhora da produtividade. Isso não quer dizer que as pesquisas não são relevantes e os pesquisadores não qualificados. Pelo contrário, temos muitos trabalhos bons nessa área, temos como exemplo Embrapa e Fiocruz. Porém a falta de letramento científico dificulta a inserção das pesquisas no mercado, assim como a burocracia das parcerias público-privadas nas universidades. Além disso, a maioria dos pesquisadores, que também são professores, estão em regime de dedicação exclusiva, limitando sua participação no mercado.
No ponto da educação, é ótimo que tenhamos boas universidades, que produzem ciência de qualidade, mas quem chega lá? Como chegamos na universidade? O ensino básico, principalmente a primeira infância, não pode ser negligenciado. O Prêmio Nobel em Economia James Heckman defende que um ambiente desfavorável na infância pode levar a lacunas em habilidades e competências, diminuindo a produtividade e aumentando os encargos sociais. Além disso, ao se ter acesso a creches, também há um aumento da produtividade dos cuidadores.
Ao se falar em produtividade, não podemos só pensar em inovação, tecnologia, ensino qualidade. Esquecemos que existem aspectos mais importantes para que o ambiente permita que a inovação, tecnologia e mão de obra qualificada se manifestem de forma significativa e que se sustentem ao longo do tempo.
A insegurança jurídica no Brasil é uma grande questão. A falta de clareza nas leis e a morosidade judicial criam um ambiente de incertezas que desencoraja investimentos e inovações, afetando diretamente a eficiência e a capacidade produtiva das empresas. A previsibilidade legal é essencial para que negócios prosperem.
Porém, um ambiente institucional favorável envolve mais que segurança jurídica. Pessoas que não se sentem seguras nas ruas (ou nas próprias casas), que demoram muitas horas para chegar ao trabalho e já chegam cansadas porque ficaram em pé, apertadas, durante horas, irão apresentar menores rendimentos do que poderiam.
Pensar a organização urbana é fundamental. Uma estrutura urbana bem planejada otimiza os fluxos de pessoas, bens e informações. Por exemplo, existe um modelo de revitalização urbana apresentado na 27ª edição do Millenium Papers por Marcos Ricardo dos Santos e Diogo Costa, propõe a criação das Áreas de Revitalização Compartilhada (ARCs). Esse modelo constitui uma governança conjunta entre o setor público, a sociedade civil e a iniciativa privada.
IM: A burocracia e a complexidade regulatória são frequentemente citadas como obstáculos à competitividade no Brasil. Quais medidas práticas e de baixo custo político você recomendaria para simplificar o ambiente de negócios e atrair mais investimentos?
MP: Surpreendentemente estamos melhorando nessa área. No Índice de Burocracia da Ibero-Americano, em que o Instituto Millenium é o representante brasileiro, vimos que o Brasil está numa posição favorável, quando comparado aos seus vizinhos mais Espanha. Dentre 17 países, somos o terceiro país menos burocrático para a abertura de empresas e segundo do ponto de vista do funcionamento.
Nos últimos anos, uma série de iniciativas tem sido implementada em diversas esferas do Estado para enfrentar um dos maiores desafios dos brasileiros que desejam empreender: a burocracia. A Lei 12.726 de 08 de outubro de 2018, popularmente conhecida como Lei da Desburocratização, foi uma das medidas adotadas para simplificar e agilizar os procedimentos no Brasil. Já a Lei 13.874 de 20 de setembro de 2019, instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, extinguindo, entre outras coisas, a necessidade de alvarás para atividades de baixo risco e ampliou a segurança jurídica. Além disso, a Lei n.º 14.195 de 26 de agosto de 2021, antiga MP do Ambiente de Negócios, trouxe alterações significativas, como a integração das Juntas Comerciais no Balcão Único, simplificando a coleta de dados.
Certificações e autorizações específicas continuam sendo um grande entrave para o funcionamento eficiente das empresas no Brasil, especialmente para pequenos empreendedores. Embora as recentes leis de simplificação representem um avanço significativo, a implementação plena dessas medidas ainda enfrenta inconsistências regionais, que podem variar significativamente de um estado para outro. Para superar esses desafios, seria prudente estabelecer um marco regulatório nacional mais uniforme, que padronize os procedimentos de licenciamento em todo o território nacional, mas também promova a digitalização completa desses processos. Contudo, é importante estabelecer diretrizes federais que permitam adaptações locais, mantendo uma coesão nacional sem sacrificar a necessária flexibilidade local. Tal medida não só aceleraria os trâmites necessários para a abertura e operação de novas empresas, como também reduziria a discrepância nas exigências regulatórias, oferecendo um ambiente de negócios mais previsível e acessível a todos os empreendedores, independentemente de sua localização.
IM: Quais mudanças específicas na política econômica você acredita que teriam o maior impacto na melhoria da competitividade do Brasil a curto e médio prazo? Entre medidas como abertura comercial, simplificação tributária e promoção da segurança jurídica (entre outras), quais medidas você considera as mais urgentes e por quê?
MP: A reforma tributária é a mais urgente, além de uma demanda antiga. A reforma aprovada recentemente traz aprimoramentos com otimização fiscal e da redução da burocracia, associados aos princípios de não cumulatividade e tributação no destino. Com um cenário macroeconômico estável, a Tendência Consultoria estimou um ganho de 4-8% no PIB no acumulado de 15 anos. Em um cenário otimista, com as reformas adequadas e cenário político favorável, poderia ser de até 20%. Contudo, considerando a possibilidade de crise de governabilidade interna e crises internacionais, este efeito poderá ser nulo.
Nesse cenário macroeconômico estão inflação, taxa de juros, resultado fiscal e da habilidade do governo para executar agendas econômicas.
A reforma tributária no Brasil é vista como um catalisador crucial para auxiliar as questões de segurança jurídica e estimular a abertura comercial. Ao simplificar o sistema tributário e reduzir a complexidade dos processos de apuração de impostos, a reforma diminui as áreas de ambiguidade legal que frequentemente levam a disputas tributárias prolongadas. Esse ambiente de maior previsibilidade legal é fundamental para reduzir o risco percebido pelos investidores e empresários. Além disso, com a redução de custos de compliance e a eliminação de acúmulos de créditos tributários nas exportações, as empresas podem operar com mais eficiência no mercado global. Essas mudanças não apenas fortalecem a posição do Brasil como um ambiente de negócios atraente para investimentos estrangeiros, mas também facilitam o engajamento do país no comércio internacional, alinhando práticas tributárias com padrões globais aceitos e promovendo uma integração econômica mais ampla.
IM: Olhando para países que lideram rankings de competitividade, como Cingapura e Suíça, quais práticas ou políticas públicas eles adotaram que poderiam ser replicadas no Brasil para melhorar nosso ambiente de negócios e infraestrutura?
MP: A eficiência regulatória e a agilidade governamental são aspectos críticos que Cingapura e Dinamarca, outro país de destaque no índice, têm aprimorado continuamente. Conforme relatado pelo IMD, a agilidade governamental de Cingapura, combinada com um excelente acesso aos mercados, têm impulsionado não apenas a competitividade econômica, mas também a qualidade de vida dos cidadãos.
Cingapura implementou um sistema online chamado "BizFile+", administrado pela Autoridade de Registro de Empresas e Negócios de Cingapura. Este sistema permite que empresas sejam registradas e licenciadas em questão de horas. No Brasil temos a Redesim, que reduziu o tempo, mas que ainda leva mesmo, quando analisado todo o processo de abertura.
O modelo de "flexicurity" da Dinamarca combina flexibilidade no mercado de trabalho com segurança para os trabalhadores, facilitando tanto as contratações quanto as demissões, enquanto oferece forte apoio social. No Brasil tivemos avanços significativos com a Reforma Trabalhista que se manifestaram no aumento da produtividade, porém ainda há espaço para maior flexibilização.
A educação de qualidade é outra coluna vertebral desses países competitivos. Cingapura investe em uma educação que está diretamente alinhada com as necessidades do mercado, especialmente em habilidades relacionadas às áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), assegurando que sua força de trabalho esteja bem preparada para os desafios da economia moderna. Além disso, Cingapura revisou seus currículos técnicos para alinhá-los às competências exigidas pela Indústria 4.0, focando em tecnologias emergentes como inteligência artificial e robótica. No Brasil, uma maior integração entre os setores educacional e industrial poderia garantir que os currículos sejam relevantes e que os estudantes estejam prontos para entrar no mercado de trabalho com as habilidades necessárias.
No que se refere à infraestrutura, tanto a Suíça quanto a Dinamarca se destacam por manter redes de transporte eficientes e energia sustentável.
A Suíça utiliza modelos avançados de planejamento urbano e de transporte, com investimentos estratégicos em transporte público baseado em análises de demanda e eficiência energética. O país emprega análises detalhadas de demanda para entender como as pessoas se deslocam dentro das áreas urbanas e entre cidades. Isso inclui coleta de dados sobre os padrões de deslocamento diário, preferências de transporte, densidade populacional e desenvolvimento econômico regional. A Dinamarca possui uma política integrada que combina regulação, incentivos fiscais e investimento em P&D para expandir sua capacidade energética, configurando metas claras de produção e consumo de energia renovável. O Brasil poderia se beneficiar enormemente da renovação e do investimento em infraestrutura crítica, não apenas para melhorar a eficiência, mas também para apoiar a sustentabilidade ambiental.
Estabilidade política e transparência fiscal também são fundamentais. A previsibilidade e a clareza nas políticas econômicas e fiscais de países como a Suíça e a Dinamarca aumentam a confiança dos investidores. Para o Brasil, reformas que visem a estabilidade política e uma maior transparência nas decisões governamentais poderiam melhorar significativamente o ambiente de investimentos.
Além disso, a Suíça dá liberdade aos cantões para elaborarem suas próprias políticas fiscais e econômicas, mas dentro de um quadro regulatório coordenado pelo governo federal. O Brasil poderia fazer melhor uso dos entes federativos, estabelecendo um quadro de competências fiscais e regulatórias mais flexível para estados e municípios, coordenado por diretrizes federais, o que permitiria adaptações locais sem comprometer a uniformidade nacional.
Por fim, a abertura comercial é um traço comum entre esses países de alta competitividade. Cingapura tem uma extensa rede de Acordos de Livre Comércio (ALC) que cobre economias em todo o mundo, reduzindo tarifas e barreiras ao comércio. Esses acordos também frequentemente incluem cláusulas sobre investimentos e propriedade intelectual, criando um ambiente previsível para o comércio e investimentos estrangeiros. O Brasil poderia buscar expandir e diversificar seus próprios acordos de livre comércio, focando não apenas na redução de tarifas, mas também na facilitação do comércio e na harmonização regulatória com mercados chave.
Cingapura também utiliza sua localização estratégica para atuar como um hub logístico global, com políticas que facilitam o trânsito rápido de mercadorias. O Brasil poderia investir em melhorias em infraestrutura crítica e na simplificação dos processos alfandegários para agilizar o fluxo de bens e atrair mais comércio e investimento estrangeiro.