“Aumento será repassado aos consumidores”, avalia especialista, sobre regulação de aplicativos
Instituto Millenium entrevistou Thiago Camargo, advogado, Mestre em Administração Pública e ex- Secretário Nacional de Política de Informática
Instituto Millenium
Publicado em 13 de março de 2024 às 17h08.
Não é sem motivo que motoristas de aplicativo têm protestado contra o projeto de lei do governo, que regulamenta o setor. As novas regras devem reduzir a remuneração desses profissionais, impedi-los de fazer renda extra e concentrar ainda mais o setor. Quem prevê esses efeitos é o advogado Thiago Camargo,Mestre em Administração Publica pela Columbia University, professor convidado da Fundação Dom Cabral e ex-Secretário Nacional de Políticas Digitais. Ele falou com o Instituto Millenium sobre o PL.
“Ao aumentar os custos de operação, o governo passa a inviabilizar os aplicativos regionais. Essa regulamentação tende a concentrar ainda mais o mercado, deixando os trabalhadores menos protegidos, já que aumentará o poder de mercado das plataformas e não é o sindicato que vai proteger”, avaliou. Leia abaixo a entrevista completa.
Instituto Millenium: Como a proposta do governo para regulamentar o trabalho dos motoristas de aplicativos, estabelecendo um pagamento mínimo por hora trabalhada e contribuição para a Previdência, impacta o modelo de negócios das plataformas? Você acredita que a proposta significa um avanço na melhoria das condições de trabalho dos motoristas?
Thiago Camargo: O impacto mais direto é o aumento dos custos para a plataforma. Naturalmente esse aumento nos custos da plataforma será repassado aos consumidores. Para o governo é um ótimo negócio, já que garante mais dinheiro entrando no caixa. Para os motoristas, não necessariamente, já que eles passam também a ter que pagar contribuição. Hoje, o motorista pode pagar o INSS como MEI, o que significaria 5% sobre o salário mínimo. Na nova regra, ele terá 27,5% da sua remuneração revertida em contribuição ao INSS, sendo que 7,5% será pago diretamente pelo motorista. Então o primeiro impacto é que o motorista terá menos dinheiro no bolso pela mesma remuneração. Importante lembrar que ao pagar os 5% como MEI, ele já terá direito à aposentadoria por idade para receber um salário mínimo. Além disso, para compensar parte do aumento de custo, as plataformas podem aumentar também o percentual sobre o valor gerado pelas corridas.
Mas não é só a contribuição para a previdência que pode gerar impacto. A limitação de horas vai impedir que alguém faça uma renda extra durante um período de maior necessidade. Já a remuneração mínima pode criar incentivo negativo, por exemplo: o algoritmo da plataforma diminuir a entrega de viagens para quem já fez a remuneração mínima por hora e priorizar quem ainda não fez viagem alguma.
IM: Considerando a diversidade de atividades na economia de plataforma, como AirBnb, GetNinjas e OnlyFans, como se posiciona a proposta de regulamentação para motoristas de aplicativos nesse espectro mais amplo? A abordagem regulatória do governo é adaptável a diferentes setores da economia de plataforma, estabelecendo um precedente para futuras regulamentações, ou ela se concentra excessivamente em um fenômeno específico, potencialmente desconsiderando a crescente tendência de automatização que afeta transversalmente toda a economia?
TC: Esse PL é específico para motoristas de aplicativos e não abarca, por exemplo, os entregadores de aplicativos de delivery ou outras plataformas. É possível que no futuro o governo crie regras similares para outras plataformas, mas nesse momento o foco é nos setores mais robustos da “gig economy”. Não é tão adaptável para demais plataformas, pois elas são bem diferentes na relação com os parceiros. Me parece provável que o próximo setor a ser regulado seja o de entregadores de delivery e, posteriormente, plataformas de profissionais de limpeza doméstica.
IM: Dado o dinamismo e a rapidez com que evoluem os setores baseados em tecnologia, quais são as principais questões ao tentar regulamentar a economia de plataforma de forma adaptativa?
TC: A principal questão é saber se é preciso ou não criar uma nova regulamentação. A maior parte dos trabalhadores das plataformas não deseja regulamentação, de acordo com pesquisas. Essas plataformas servem a diferentes propósitos: para algumas pessoas é a renda principal, para outras é um complemento de renda, eu já conheci motorista que só faz viagens para conversar com pessoas, por exemplo... Então qualquer regulação deverá ser feita caso a caso.
Outro ponto importante é que ao aumentar os custos de operação, o governo passa a inviabilizar os aplicativos regionais. Essa regulamentação (como todo aumento de barreira regulatória) tende a concentrar ainda mais o mercado, deixando os trabalhadores menos protegidos, já que aumentará o poder de mercado das plataformas e não é o sindicato que vai proteger. O PL tenta remediar isso criando regras para desligamento da plataforma, mas as plataformas não precisam desligar ninguém, elas podem simplesmente mudar as regras de distribuição de viagem, como já fazem hoje, utilizando as notas de avaliação.
IM: Com o rápido avanço da automação e da inteligência artificial, especialmente em setores como o transporte de pessoas, qual você acredita ser o futuro do trabalho humano nessas áreas? Os debates contemporâneos sobre regulação no brasil e no exterior consideram a possibilidade de uma transição para veículos autônomos?
TC: A IA é uma tecnologia de propósito geral e vai mudar a economia, como aconteceu com a eletricidade, motor a vapor ou a internet, mas ela não muda, no primeiro momento, as relações jurídicas. Ainda que já exista tecnologia para que carros ou ônibus não precisem de motoristas, a discussão sobre responsabilidade civil ainda precisa avançar. Além disso, todo profissional precisa de uma habilitação, seja um brevê, uma CNH ou um CREA, não me parece que as instituições habilitadoras vão abrir espaço para que tecnologias que não receberam uma determinada certificação possam prestar os mesmos serviços. A inovação sempre vai bater de frente com o corporativismo e isso certamente manda um recado que fala alto aos políticos, já que quem tem um CREA, CNH ou OAB também possui um título de eleitor e máquinas ou empresas não.
Não é sem motivo que motoristas de aplicativo têm protestado contra o projeto de lei do governo, que regulamenta o setor. As novas regras devem reduzir a remuneração desses profissionais, impedi-los de fazer renda extra e concentrar ainda mais o setor. Quem prevê esses efeitos é o advogado Thiago Camargo,Mestre em Administração Publica pela Columbia University, professor convidado da Fundação Dom Cabral e ex-Secretário Nacional de Políticas Digitais. Ele falou com o Instituto Millenium sobre o PL.
“Ao aumentar os custos de operação, o governo passa a inviabilizar os aplicativos regionais. Essa regulamentação tende a concentrar ainda mais o mercado, deixando os trabalhadores menos protegidos, já que aumentará o poder de mercado das plataformas e não é o sindicato que vai proteger”, avaliou. Leia abaixo a entrevista completa.
Instituto Millenium: Como a proposta do governo para regulamentar o trabalho dos motoristas de aplicativos, estabelecendo um pagamento mínimo por hora trabalhada e contribuição para a Previdência, impacta o modelo de negócios das plataformas? Você acredita que a proposta significa um avanço na melhoria das condições de trabalho dos motoristas?
Thiago Camargo: O impacto mais direto é o aumento dos custos para a plataforma. Naturalmente esse aumento nos custos da plataforma será repassado aos consumidores. Para o governo é um ótimo negócio, já que garante mais dinheiro entrando no caixa. Para os motoristas, não necessariamente, já que eles passam também a ter que pagar contribuição. Hoje, o motorista pode pagar o INSS como MEI, o que significaria 5% sobre o salário mínimo. Na nova regra, ele terá 27,5% da sua remuneração revertida em contribuição ao INSS, sendo que 7,5% será pago diretamente pelo motorista. Então o primeiro impacto é que o motorista terá menos dinheiro no bolso pela mesma remuneração. Importante lembrar que ao pagar os 5% como MEI, ele já terá direito à aposentadoria por idade para receber um salário mínimo. Além disso, para compensar parte do aumento de custo, as plataformas podem aumentar também o percentual sobre o valor gerado pelas corridas.
Mas não é só a contribuição para a previdência que pode gerar impacto. A limitação de horas vai impedir que alguém faça uma renda extra durante um período de maior necessidade. Já a remuneração mínima pode criar incentivo negativo, por exemplo: o algoritmo da plataforma diminuir a entrega de viagens para quem já fez a remuneração mínima por hora e priorizar quem ainda não fez viagem alguma.
IM: Considerando a diversidade de atividades na economia de plataforma, como AirBnb, GetNinjas e OnlyFans, como se posiciona a proposta de regulamentação para motoristas de aplicativos nesse espectro mais amplo? A abordagem regulatória do governo é adaptável a diferentes setores da economia de plataforma, estabelecendo um precedente para futuras regulamentações, ou ela se concentra excessivamente em um fenômeno específico, potencialmente desconsiderando a crescente tendência de automatização que afeta transversalmente toda a economia?
TC: Esse PL é específico para motoristas de aplicativos e não abarca, por exemplo, os entregadores de aplicativos de delivery ou outras plataformas. É possível que no futuro o governo crie regras similares para outras plataformas, mas nesse momento o foco é nos setores mais robustos da “gig economy”. Não é tão adaptável para demais plataformas, pois elas são bem diferentes na relação com os parceiros. Me parece provável que o próximo setor a ser regulado seja o de entregadores de delivery e, posteriormente, plataformas de profissionais de limpeza doméstica.
IM: Dado o dinamismo e a rapidez com que evoluem os setores baseados em tecnologia, quais são as principais questões ao tentar regulamentar a economia de plataforma de forma adaptativa?
TC: A principal questão é saber se é preciso ou não criar uma nova regulamentação. A maior parte dos trabalhadores das plataformas não deseja regulamentação, de acordo com pesquisas. Essas plataformas servem a diferentes propósitos: para algumas pessoas é a renda principal, para outras é um complemento de renda, eu já conheci motorista que só faz viagens para conversar com pessoas, por exemplo... Então qualquer regulação deverá ser feita caso a caso.
Outro ponto importante é que ao aumentar os custos de operação, o governo passa a inviabilizar os aplicativos regionais. Essa regulamentação (como todo aumento de barreira regulatória) tende a concentrar ainda mais o mercado, deixando os trabalhadores menos protegidos, já que aumentará o poder de mercado das plataformas e não é o sindicato que vai proteger. O PL tenta remediar isso criando regras para desligamento da plataforma, mas as plataformas não precisam desligar ninguém, elas podem simplesmente mudar as regras de distribuição de viagem, como já fazem hoje, utilizando as notas de avaliação.
IM: Com o rápido avanço da automação e da inteligência artificial, especialmente em setores como o transporte de pessoas, qual você acredita ser o futuro do trabalho humano nessas áreas? Os debates contemporâneos sobre regulação no brasil e no exterior consideram a possibilidade de uma transição para veículos autônomos?
TC: A IA é uma tecnologia de propósito geral e vai mudar a economia, como aconteceu com a eletricidade, motor a vapor ou a internet, mas ela não muda, no primeiro momento, as relações jurídicas. Ainda que já exista tecnologia para que carros ou ônibus não precisem de motoristas, a discussão sobre responsabilidade civil ainda precisa avançar. Além disso, todo profissional precisa de uma habilitação, seja um brevê, uma CNH ou um CREA, não me parece que as instituições habilitadoras vão abrir espaço para que tecnologias que não receberam uma determinada certificação possam prestar os mesmos serviços. A inovação sempre vai bater de frente com o corporativismo e isso certamente manda um recado que fala alto aos políticos, já que quem tem um CREA, CNH ou OAB também possui um título de eleitor e máquinas ou empresas não.