As motivações e riscos dos financiamentos do BNDES no exterior
O Instituto Millenium entrevistou o economista e consultor Alexandre Schwartsman, que já foi diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central
Publicado em 26 de janeiro de 2023 às, 20h20.
Um dos grandes temas da semana é a possibilidade, cada vez mais factível, de financiamento de obras em países vizinhos, por meio do BNDES. Haveria vantagens pro Brasil em tal empreendimento? Qual a agenda por trás disso?
Para entender melhor o assunto, o Instituto Millenium entrevistou o economista e consultor Alexandre Schwartsman, que já foi diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Ele questiona o fato de que essas mesmas obras poderiam ser financiadas no Brasil, e avalia que há risco de calote, com o Tesouro Nacional assumindo o prejuízo. Confira abaixo a entrevista completa:
1) Qual seria a vantagem para o Brasil em utilizar o BNDES para financiar obras em outros países? O governo fala em geração de empregos, em ajudar empresas brasileiras...
Alexandre Schwartsman - Para o Brasil mesmo não está claro, sendo generoso. Sim, isto ajuda empresas nacionais a terem a possibilidade de fazer tais obras em outros países. No entanto, nada impede que estas mesmas empresas façam obras por aqui, onde, diga-se de passagem, há carências enormes, por exemplo, na área de saneamento básico.
Recursos, mesmo os do BNDES, não são infinitos, embora alguns possam pensar o contrário. Como em todo problema econômico, trata-se de escolher prioridades. Não há razão para crer que o Brasil se beneficiaria mais ao financiar Vaca Muerta (que, aliás, se fosse tão bom assim veríamos uma fila de gente querendo participar do jogo) do que ao bancar saneamento.
Ambas as iniciativas ajudariam a gerar empregos (mais aqui do lá, note-se) e empresas nacionais. Não é justificativa para financiar obras em outros países.
2) E qual seria a real agenda do governo em conceder esses empréstimos?
AS - Em me pergunto. Há, com um pouco de boa vontade de minha parte, uma agenda, digamos, "geopolítica". Trata-se de aumentar o grau de influência do Brasil em outros países, muito embora eu não consiga fazer a menor ideia do motivo disto ser, a priori, bom para o país, ao menos em termos quantificáveis. Com um pouco menos de boa vontade, falamos de processos similares aos descritos por Malu Gaspar em "A Organização[1].
3) Essa semana, o BNDES divulgou nota oficial, afirmando que não há risco de calote desses países ao BNDES. O que você acha dessa tática?
AS - Não só há, como já aconteceu. Cuba, por exemplo, apresentava pagamentos atrasados de US$ 248 milhões no começo do ano passado, segundo matéria do Poder 360, de 29/01/2022. O que ocorre é que o risco de calote não é do BNDES, mas do Tesouro Nacional (a propósito, acionista único do BNDES), por meio do Fundo Garantidor de Exportações (FGE). Aqui invoco de novo o Poder 360 (25/01/2023), que nota que "o FGE pagou US$ 977 milhões em indenizações ao banco de fomento federal por prestações não pagas em países vizinhos". Dito de outra forma, o risco não é do BNDES; é da Viúva, que controla o BNDES.
Isto dito, se a pergunta sobre tática se refere à afirmação do BNDES em nota oficial, eu diria ser temerária, à luz do que expliquei acima. Se diz respeito ao uso do FGE ao invés do BNDES como afetado pelo calote internacional, é equivalente a perguntar a alguém se quer pagar com o dinheiro que está no bolso direito, ou prefere o que está no bolso esquerdo.
4) Como você tem analisado as primeiras interferências políticas nas questões econômicas do país?
AS - São iniciativas ruins, basicamente fazendo caridade com chapéu alheio em troca de um "soft power" cujo benefício - se há - é virtualmente impossível de ser medido. Lembro de ouvir (presencialmente) o Lula há quase 20 anos se gabando do papel do Brasil no Haiti, segundo ele "quintal dos americanos". Não é diferente hoje, seja a proposta de botar o BNDES na roda, seja com esta cretinice de moeda comum. Ranço antiamericano, apenas.
5) Para você, qual deveria ser o papel do BNDES?
AS - Idealmente? Ser fechado. Na impossibilidade de fazê-lo, atuar em áreas onde o mercado privado de crédito tem mais dificuldade, se bem que o BNDES também tem dificuldades, por exemplo, de ajudar pequenas empresas por falta de capilaridade. Deveria direcionar seu crédito à área social: saneamento e saúde.
[1] Livro publicado em 2020, no qual a autora destrincha a história completa da ascensão, do auge e da queda da Odebrecht.