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As criptomoedas estão ajudando Hamas a financiar o terrorismo?

Autoridades israelenses interceptaram carteiras virtuais ligadas ao Hamas, que receberam $41 milhões de dólares entre 2019 e 2023

Palestinians inspect their destroyed homes following Israeli bombardment in Rafah in the southern Gaza Strip, on October 18, 2023, amid ongoing battles between Israel and the Palestinian group Hamas. US President Joe Bidden landed in Tel Aviv on October 18 as Middle East anger flared after hundreds were killed in a hospital blast in war-torn Gaza, for which Israel and the Palestinians immediately traded blame. (Photo by SAID KHATIB / AFP) (SAID KHATIB/AFP)

Palestinians inspect their destroyed homes following Israeli bombardment in Rafah in the southern Gaza Strip, on October 18, 2023, amid ongoing battles between Israel and the Palestinian group Hamas. US President Joe Bidden landed in Tel Aviv on October 18 as Middle East anger flared after hundreds were killed in a hospital blast in war-torn Gaza, for which Israel and the Palestinians immediately traded blame. (Photo by SAID KHATIB / AFP) (SAID KHATIB/AFP)

Alexandre Ludolf
Alexandre Ludolf

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 25 de outubro de 2023 às 15h15.

A emergente indústria das criptomoedas encontra-se em uma encruzilhada, com o seu potencial de disrupção sendo tanto celebrado quanto questionado. A recente escalada do escrutínio político e regulatório, catalisada pelos devastadores ataques do Hamas a Israel, trouxe à luz a discussão sobre o papel das criptomoedas como Bitcoin, Dogecoin e Ether no financiamento de grupos extremistas islâmicos. É vital reconhecer que os desafios tecnológicos, como os apresentados pelas criptomoedas, se resolvem com mais e melhor tecnologia, nunca menos. Este dilema exige uma resposta ponderada, não apenas para mitigar riscos associados, mas também para promover a inovação financeira.

A resposta dos EUA e de Israel tem sido marcada por esforços intensificados para restringir transferências de criptomoedas para o Hamas e outros grupos extremistas islâmicos. O cenário desencadeado pelos brutais ataques de 7 de outubro sublinha a necessidade de uma vigilância redobrada, reiterando a urgência de abordar as implicações de segurança nacional das moedas digitais.

Reguladores como a Rede de Fiscalização de Crimes Financeiros do Departamento do Tesouro dos EUA (Financial Crimes Enforcement Network, ou FinCEN), propuseram novas diretrizes para aumentar o escrutínio sobre transações relacionadas a serviços de “Mixing” de moedas virtuais - uma técnica utilizada para ocultar a origem ilícita de transações em criptomoedas. Este método, também conhecido como 'mixers' ou 'tumblers', é visto com olhos críticos devido ao seu potencial uso por agentes mal-intencionados, como o Hamas.

No entanto, é importante não perder de vista o panorama mais amplo. O Hamas e outros grupos terroristas possuem diversas fontes de financiamento. As criptomoedas representam apenas uma fração do financiamento nacional e transnacional destinado a organizações terroristas. A natureza transparente dos criptoativos, proporcionada pela tecnologia blockchain, facilita o rastreio de todas as transações, desafiando a narrativa de que criptomoedas são um veículo totalmente anônimo para financiar atividades ilícitas.Anualmente, a Chainalysis divulga um relatório anual sobre o uso de ativos digitais para a criminalidade e ano após ano observamos que a regulamentação e maior proximidade dos reguladores com a indústria crypto tem tornado o setor muito menos propício para a prática de crimes financeiros, mostrando que criptoativos são uma das melhores tecnologias para manter elevados padrões de transparência e governança (acesse aqui o relatório mais recente, publicado este ano).

Recentemente, autoridades israelenses interceptaram carteiras virtuais ligadas ao Hamas, que receberam $41 milhões de dólares entre 2019 e 2023. Enquanto isso, o grupo Jihad Islâmica Palestina acumulou $94 milhões de dólares em criptomoedas nos últimos anos, conforme aponta a firma britânica Elliptic.A narrativa convencional sugere que sem acesso a financiamento via cripto, esses grupos extremistas seriam financeiramente asfixiados. No entanto, essa retórica não reflete a realidade. Com um orçamento anual estimado em quase 1 bilhão de dólares, o Hamas tem na sua maioria fundos provenientes de doadores privados na região do Golfo, conforme observado pela revista americana Forbes, em 2014.

A revolução cripto, embora esteja no cerne de debates fervorosos, apresenta uma promessa incomparável de inovação e transparência financeira. No entanto, os desafios apresentados pelo seu uso ilegal apesar de inferiores ao que a narrativa sugere são reais e exigem uma resposta regulatória bem calibrada. À medida que navegamos por esta era de inovação tumultuada, é crucial que as estratégias regulatórias mantenham um enfoque holístico, evitando sufocar o espírito inovador das criptomoedas, enquanto mitigam os riscos associados ao financiamento do terrorismo.

A intersecção entre inovação financeira e segurança global assemelha-se a um meticuloso jogo de xadrez, onde cada movimento tem implicações profundas. A emergência das criptomoedas, carregada de promessas de democratização financeira, também carrega sombras de uso indevido. O uso de criptoativos por entidades mal-intencionadas não é uma falha intrínseca da tecnologia, mas uma forte evidência da necessidade incessante de vigilância e regulação bem fundamentadas. O dilema que nos confronta coloca-nos em uma encruzilhada crítica: como podemos marchar em direção a um futuro financeiro desintermediado, justo e descentralizado sem comprometer a segurança global? É essencial que a regulação inteligente surja da interação bem informada entre reguladores e regulados. Uma postura isolada e arrogante por parte dos reguladores, sem abertura para o diálogo e sem a vontade de se atualizar com as tendências de vanguarda do mercado, acabará por sufocar a inovação. Em contrapartida, a colaboração proativa e o diálogo estruturado entre ambas as partes, não só favorecem a inovação mas também garantem a segurança, mostrando que esses não são objetivos incompatíveis.

A complexidade deste tabuleiro exige uma abordagem multifacetada. Primeiramente, o desenvolvimento contínuo  dos entes reguladores e a conscientização de policy makers  sobre o funcionamento e as potencialidades das tecnologias descentralizadas são fundamentais para desmistificar narrativas equivocadas. Além disso, a colaboração contínua entre reguladores e especialistas e partes interessadas do setor é vital para a construção de um arcabouço regulatório robusto e resiliente para mitigar ameaças, mas flexível o suficiente para acomodar a inovação. Acredito que a autorregulação, aliada a diretrizes regulatórias claras, pode desempenhar um papel significativo na promoção de práticas éticas e seguras na indústria de criptomoedas.

É imperativo que não cedamos ao medo ou à retórica mal informada. As criptomoedas, representadas por uma variedade de moedas digitais e tecnologias blockchain, são catalisadores poderosos para a inovação financeira. O futuro das blockchains ainda é repleto de incertezas, mas é pavimentado com a promessa de transparência, eficiência e inclusão financeira e digital.

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