Colunistas

Aod Cunha discute a reconstrução do Rio Grande do Sul pós-tragédia

O Rio Grande do Sul foi cenário de uma das maiores catástrofes climáticas de sua história com enchentes devastadoras

Membros da Cruz Vermelha do Quênia trabalham em uma área afetada pelas cheias em Kitengela, no Quênia. (AFP/AFP)

Membros da Cruz Vermelha do Quênia trabalham em uma área afetada pelas cheias em Kitengela, no Quênia. (AFP/AFP)

Instituto Millenium
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 7 de maio de 2024 às 11h50.

Recentemente, o Rio Grande do Sul foi cenário de uma das maiores catástrofes climáticas de sua história, com enchentes devastadoras que impactaram profundamente a vida, a infraestrutura e a economia do estado. Diante de tal calamidade, que deixou um rastro de destruição e desolação, emergem questionamentos cruciais sobre os passos seguintes para a reconstrução e recuperação da região. Em meio a este cenário desafiador, o Instituto Millenium conversou com Aod Cunha, renomado economista, ex-secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul e conselheiro de administração de empresas. 

Na entrevista, Aod Cunha destaca a urgência de salvar vidas e restaurar serviços básicos como água e energia elétrica como passos imediatos. Além disso, ele reflete sobre a necessidade de uma revisão nas políticas de infraestrutura e uso do solo para mitigar os impactos de futuros desastres naturais. Enfatiza a importância da transparência e da governança na aplicação dos recursos de reconstrução e discute as complexidades fiscais de medidas emergenciais como um "orçamento de guerra". Com olhar crítico, Cunha também aborda os efeitos a longo prazo da tragédia na economia do estado e, por extensão, do país, sublinhando a interrupção na produção de commodities chave e os desafios para o setor agrícola e industrial local. 

Instituto Millenium: Após o devastador impacto das enchentes no Rio Grande do Sul, que deixaram danos sem precedentes, por onde você recomendaria que se iniciasse o processo de reconstrução? Quais são os setores críticos que demandam atenção imediata? 

Aod Cunha: Primeiro, salvar vidas. Há muitos ainda em situações de risco. Segundo, restabelecer água e luz. Depois, uma longa reconstrução da infraestrutura do Estado, incluindo uma rediscussão de estruturas que possam mitigar os impactos de novos eventos climáticos extremos. 

IM: Com a fragilidade fiscal do governo federal, quais estratégias você considera essenciais para assegurar uma aplicação eficaz e transparente dos recursos de reconstrução? 

AC: Acho que o governo federal e o Estado devem ter uma estrutura robusta de governança com muita transparência. Do ponto de vista da qualidade técnica, creio que tanto o governo federal como o estadual terão que recorrer a apoio especializado, talvez de governos e consultorias internacionais (que já possuem experiência em eventos dessa natureza). Seria importante também a presença de observadores independentes de órgãos fiscalizadores e da sociedade civil. 

IM: Qual é a sua avaliação sobre a eficácia e sustentabilidade fiscal de medidas emergenciais, como um 'orçamento de guerra', para acelerar a reconstrução do estado? 

AC: Com a devida qualidade técnica e transparência acima citadas, uma tragédia dessas proporções realmente necessita de uma liberação extraordinária de recursos. O orçamento público também deve prever isso. Calamidades não ocorrem com frequência, e a gestão orçamentária do setor público precisa ter mecanismos para lidar com elas. O exemplo da pandemia da Covid-19 foi um deles. Mesmo com o Teto de Gastos, foi possível mobilizar muitos recursos durante a pandemia. O que não se pode é banalizar isso para situações que não sejam eventos muito raros.  

A piora da situação fiscal não veio do uso de recursos extraordinários na pandemia, mas sim do desejo do Executivo e do Congresso de aumentarem gastos correntes permanentes no orçamento público. Só em incentivos fiscais e gastos tributários no Orçamento da União, são mais de R$ 300 bilhões todos os anos. Benefícios previdenciários também têm crescido muito. Esses são exemplos de gastos permanentes que têm um impacto constante e muito maior sobre a situação fiscal do país. 

IM: Frente aos desafios naturais recorrentes, como secas e inundações, que ações são prioritárias para apoiar a recuperação do setor agrícola e da infraestrutura local? 

AC: Não me aventuro a comentar medidas específicas, que devem ser elaboradas após uma análise técnica rigorosa por especialistas de cada setor e subsetor. Minha única convicção é que precisaremos desenhar um novo modelo de infraestrutura e ocupação de solos e áreas urbanas, se realmente quisermos que no futuro os impactos de eventos climáticos extremos não tenham o mesmo dano do atual. 

IM: Considerando o papel significativo do PIB do Rio Grande do Sul no cenário nacional e os impactos da tragédia na atividade econômica, quais são os possíveis efeitos secundários e terciários para a economia do Brasil como um todo? 

AC: Sem dúvida, os maiores impactos — e são dramáticos — estão na economia e na vida dos gaúchos. Mas certamente haverá algum impacto na interrupção, por um tempo, da capacidade de produção de grãos, aves, produtos químicos (Polo Petroquímico), transportes (estradas e aeroporto de Porto Alegre), e veículos de transporte (Serra Gaúcha), entre outros. 

Acompanhe tudo sobre:Rio Grande do Sul