Além da Tecnologia: Avançando em Direção às Cidades Responsivas
Geralmente, a expressão se refere ao uso de tecnologias para melhorar a eficiência da gestão urbana
Publicado em 15 de março de 2024 às, 16h45.
Última atualização em 19 de julho de 2024 às, 12h52.
Embora não exista consenso sobre o seu significado exato, o conceito de "cidade inteligente" ganhou destaque nos últimos anos devido à aceleração de avanços tecnológicos que afetam profundamente o funcionamento das centros urbanos. Geralmente, a expressão se refere ao uso de tecnologias para melhorar a eficiência da gestão urbana, alinhando a modernização administrativa às necessidades dos usuários das cidades - os cidadãos.
Contudo, esse conceito é tratado no debate público e na formulação de políticas com uma ênfase desproporcional em questões tecnológicas, em detrimento dos aspectos relativos à vida destes mesmos usuários. Predominam, por exemplo, discussões sobre a estruturação de marcos legais, instrumentos para parcerias público-privadas e introdução de sensores, gadgets e aplicativos. A busca por formas efetivas de responder às demandas das pessoas, por outro lado, é pouco explorada.
No contexto brasileiro, ainda que o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01) destaque a importância da participação popular, promovendo a chamada "gestão democrática", os dispositivos se restringem a expor algumas diretrizes e instrumentos. O que se observa na prática são procedimentos de participação confusos e inócuos, muitas vezes capturados por grupos de interesse minoritários mas barulhentos e mobilizados.
O Projeto de Lei 976/2021, que cria a Política Nacional de Cidades Inteligentes, atualmente aguarda parecer da CCJ. O texto traz conceitos positivos e um enfoque grande nos cidadãos, entretanto, a crônica dificuldade do estado em materializar dispositivos legais impede que se alcance os objetivo pretendidos. Adicionalmente, a efetividade de uma gestão responsiva está mais atrelada à capacidade da administração pública em responder às demandas locais do que à existência de um marco legal.
A febre das cidades inteligentes trouxe consigo avanços regulatórios e tecnológicos, e, em especial, ferramentas mais modernas para a administração das cidades - o que deve ser celebrado. No entanto, o impacto positivo dessas soluções no bem-estar das pessoas será sempre limitado sem o devido enfoque nos usuários, que nada mais são do que pedestres, crianças, idosos, trabalhadores e comerciantes, por exemplo. Isso significa que, embora relevantes, novas tecnologias como os cenários holográficos, câmeras de segurança, sensores diversos e iluminação LED, são, por si só, insuficientes.
A concepção de uma gestão municipal focada nos cidadãos pode, inicialmente, parecer abstrata e suscitar diferentes interpretações sobre seus efeitos práticos. Trata-se de um conceito amplo e com implicações que variam de acordo com o tempo e contexto. No entanto, a premissa central não se altera, todas as ações do poder público devem atender às necessidades da população, expressas por suas decisões sobre como usufruir da cidade no dia a dia.
Processos participativos genuínos devem promover a colaboração informada de todos os stakeholders relevantes, evitando processos de captura da esfera pública (Nimbys, falo de vocês). A participação informada é preciosa pois mobiliza conhecimentos que estão distribuídos em diversos setores da sociedade - o que contrasta com uma abordagem de gestão urbana centralizada, decidida por burocratas, mesmo que amparada por dados.
Evidentemente, é um erro instituir metodologias pouco testadas ou fracassadas para promover a participação das comunidades. A colaboração efetiva requer capacidade técnica. Procedimentos participativos mal elaborados podem minar o avanço de normas e políticas, institucionalizar ideias sem embasamento e criar um caminho ainda mais fértil para o rent seeking. É essencial sublinhar ainda que, além de orientada por processos participativos, a política urbana deve ser sempre balizada por análise de dados, avaliações de impacto e monitoramento contínuo de indicadores.
Existem inúmeras experiências exitosas de participação e gestão. O livro "The Responsive City: Engaging Communities Through Data-Smart Governance", de Stephen Goldsmith e Susan Crawford, por exemplo, traz contribuições significativas para a pauta. Ao longo da obra são demonstradas medidas bem-sucedidas em várias cidades, especialmente as políticas adotadas durante a gestão de Michael Bloomberg, a cargo da prefeitura de Nova Iorque entre 2002 e 2013.
A administração de Bloomberg, durante a qual Goldsmith exerceu o cargo de vice-prefeito e Crawford atuou como consultora, destacou-se pelo avanço significativo na utilização de tecnologias para empoderar os cidadãos e promover sua participação informada. Um exemplo foi a estruturação de um contato telefônico da prefeitura para chamadas não-emergenciais. O canal funciona ininterruptamente para receber considerações, fornecer esclarecimentos e monitorar o êxito de políticas públicas. As informações levantadas por este e outros meios eram utilizadas para aperfeiçoar o desempenho da administração municipal.
Existem inúmeras políticas, em diferentes contextos, que compartilham deste paradigma adotado em Nova Iorque. Alguns exemplos interessantes são: a plataforma de participação popular nas políticas urbanas de Medellín, o sistema de bicicletas compartilhadas de Bogotá, a gestão inteligente de resíduos sólidos em Santiago e o portal de engajamento e tecnologia de Singapura. O rol é extenso.
Em síntese, os avanços na estruturação jurídica e operacional de mecanismos tecnológicos precisam continuar, mas este movimento deve ser precedido de uma abordagem que conceda protagonismo às pessoas. Essa é a razão pela qual a obra de Goldsmith e Crawford foi intitulada “A Cidade Responsiva”, pois a principal preocupação de uma gestão deve ser, essencialmente, o oferecimento de respostas adequadas aos indivíduos -, dados e mecanismos tecnológicos são alguns dos meios para alcançar este objetivo.