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A racionalidade da saída de Trump do Acordo de Paris e a tragédia dos comuns

A dificuldade em priorizar o longo prazo é um dos grandes obstáculos para enfrentar as mudanças climáticas

No Brasil, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), foi recentemente aprovado através da lei n° 15.042, que estabelece o mercado regulado de carbono no Brasil alinhado a metas climáticas nacionais e internacionais, como o Acordo de Paris. (Freepik)

No Brasil, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), foi recentemente aprovado através da lei n° 15.042, que estabelece o mercado regulado de carbono no Brasil alinhado a metas climáticas nacionais e internacionais, como o Acordo de Paris. (Freepik)

Publicado em 10 de fevereiro de 2025 às 18h32.

Última atualização em 11 de fevereiro de 2025 às 15h04.

A ideia de que o dinheiro perde valor ao longo do tempo é familiar para os investidores; no entanto essa lógica não se aplica apenas às finanças. O conceito de desconto hiperbólico na economia pode explicar por que é difícil fazer sacrifícios no presente, como manter uma dieta saudável ou poupar para o futuro. É comum valorizarmos mais os ganhos imediatos em detrimento dos benefícios a longo prazo. Esses padrões influenciam não só as decisões pessoais, mas também políticas públicas, especialmente no contexto ambiental, onde custos presentes impactam benefícios futuros de forma distinta.

Essa dificuldade em priorizar o longo prazo é um dos grandes obstáculos para enfrentar as mudanças climáticas. Embora o debate sobre o tema esteja presente em fóruns internacionais, ele ainda ocupa uma posição periférica na percepção da população, particularmente nos Estados Unidos. Pesquisa realizada em 2024 pelo Pew Research Center revelou que as maiores preocupações do eleitorado americano eram a inflação (62%) e a falta de cooperação bipartidária (60%), seguidas por saúde (57%) e dependência de drogas (55%), enquanto apenas 36% dos entrevistados apontavam as mudanças climáticas como prioridade. Paralelamente, pesquisas realizadas pela Gallup em 2023 e 2024 indicam que 54% dos americanos não acreditavam que os impactos climáticos os afetariam diretamente. Isso ilustra como problemas de curto prazo tendem a receber mais atenção, enquanto desafios ambientais, frequentemente percebidos como distantes, são relegados.

O efeito estufa, fenômeno pelo qual certos gases na atmosfera retêm o calor, e que atua como um dos mecanismos fundamentais das mudanças climáticas, foi identificado já no século XIX. Em 1896, o cientista sueco Svante Arrhenius quantificou como o aumento do dióxido de carbono poderia aquecer o planeta. Apesar de mais de um século de conhecimento científico, o problema tem sido postergado, evidenciando como a dificuldade de alinhar benefícios futuros com custos presentes impacta decisões políticas. Enquanto isso, os efeitos das mudanças climáticas se acumulam, aproximando suas consequências do curto prazo, como demonstram o aumento de eventos extremos, incêndios e tempestades.

Problemas ambientais usualmente enfrentam outro desafio: seus custos costumam ser concentrados em setores específicos, enquanto os benefícios se distribuem de forma difusa ao longo do tempo e, por vezes, entre gerações. Medidas como restrições à exploração de combustíveis fósseis afetam diretamente determinados setores econômicos, enquanto os ganhos, mitigação climática e preservação da biodiversidade, beneficiam populações e ecossistemas de maneira mais ampla. A "tragédia dos comuns", conceito elaborado por Garrett Hardin e expandido por Elinor Ostrom, Nobel de Economia, em Governing the Commons, estabelece que sem uma governança clara e incentivos alinhados, os recursos compartilhados tendem a ser explorados de forma insustentável. Porém, ela também demonstrou que, com instituições fortes e internalização dos custos, a gestão desses recursos pode se tornar eficiente e sustentável.

Desde os anos 1970, cientistas alertam para a necessidade de uma governança climática global. A Eco-92 impulsionou esse debate, levando ao Protocolo de Kyoto (1997) e, mais tarde, ao Acordo de Paris (2015), que busca reduzir as emissões com base no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. No entanto, as COPs seguem enfrentando dificuldades para transformar compromissos em ações concretas, limitando avanços e dificultando a mitigação dos piores impactos climáticos.

A retirada, recentemente feita pelos Estados Unidos, do Acordo de Paris pode colocar em risco todo esse esforço de ação coletiva. Nações como a China, responsável atualmente por cerca de 30% das emissões anuais e com aproximadamente 13% das emissões históricas acumuladas, podem sentir um arrefecimento na pressão internacional por medidas de curto e médio prazo na agenda de mitigação.

Iniciativas estaduais americanas, por outro lado, demonstram comprometimento com a agenda e reforçam a percepção de esforço coletivo no tema, especialmente em estados nos quais a pauta climática tem mais apelo ao eleitorado. No último dezembro, o Estado de Nova Iorque promulgou uma lei obrigando empresas da cadeia de combustíveis fósseis a pagar por projetos de compensação climática.

A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris durante o mandato do presidente Trump reflete uma visão pragmática focada no curto prazo para atender às demandas dos eleitores. Por outro lado, sempre coube aos governantes a responsabilidade de estadistas, comprometidos com legados e gerações. A racionalidade da decisão está clara, mas não se justifica frente à necessidade de ação coletiva.

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