Instituto Millenium
Publicado em 9 de janeiro de 2025 às 13h07.
Última atualização em 10 de janeiro de 2025 às 17h54.
Por Roberto Castello Branco, doutor em Economia e ex-presidente da Petrobras
O crescimento do PIB, o declínio do desemprego e dos índices de pobreza têm despertado otimismo no governo. A economia brasileira estaria ingressando numa trajetória de prosperidade, sendo exagerada e injusta a reação do mercado ao pacote de corte de gastos anunciado em dezembro. Em lugar da picanha, os mais otimistas preveem filé mignon.
O pacote não contempla corte de gastos, seja tímido ou ousado. Limita-se a restringir levemente o ritmo de expansão das despesas publicas, um verdadeiro “corte do vento”, numa decisão de alguém desejoso de adiar a solução de um problema. A relação dívida publica/PIB, que teve alta substancial nos dois últimos anos, passando de 71,4% em dezembro de 2022 para 77,8% em novembro de 2024, prosseguirá sem controle em trajetória explosiva.
O modelo econômico do governo atual prevê a intervenção direta e indireta do Estado como motor do desenvolvimento econômico, malgrado a experiência fracassada com a implementação prática dessa política lastreada em certo primitivismo keynesiano.
Aumentos de gastos públicos tendem a causar expansão do produto real no curto prazo, efeito visível que temos assistido. Contudo, o pior vem a seguir: a alta da taxa de juros real e da inflação, juntamente com a asfixia (crowding out) dos gastos privados determinada pela elevação das despesas do governo tendem a provocar a desaceleração do crescimento da economia e em ultima instância uma recessão.
Governos não geram riqueza, o resultado de sua atuação se resume a redistribuir renda, e muitas vezes, como já vimos, a favor dos mais ricos em detrimento dos mais pobres.
É um engano, por exemplo, pensar que o incremento do número de pessoas com acesso ao Bolsa Família significa menos pobreza. Empregos de boa qualidade e não transferências de renda é que viabilizam efetivamente o abandono da pobreza e eles são criados pelo processo de crescimento sustentável. Benefícios sociais meramente transferem renda de uma camada da população para outra, não gerando riqueza.
Vasta evidência empírica internacional suporta a hipótese de que os ganhos de produtividade são o principal motor do crescimento econômico sustentável, o que os defensores do papel do Estado na economia desprezam.
A instabilidade macroeconômica e consequentemente o aumento da incerteza, fenômenos presentes no momento, são inimigos da alocação eficiente do capital e do investimento e, portanto, do desenvolvimento econômico.
Dada a preferência ideológica pelo Estado indutor do desenvolvimento econômico, têm ocorrido tanto ameaças quanto mudanças efetivas nas reformas realizadas em 2017-2022. Ambas produzem um ambiente econômico hostil ao crescimento econômico.
Vários exemplos evidenciam iniciativas antagônicas ao crescimento econômico sustentável. Suas implicações vão além do ciclo econômico, impactando negativamente a tendência de crescimento no longo prazo.
A Lei da Estatais foi modificada por decisão monocrática de juiz da Suprema Corte. Embora revertida, a alteração produziu consequências mais duradouras, com a permanência de políticos e sindicalistas nos quadros diretivos das estatais. Enfraquecida a governança, o foco passou a ser o aumento puro e simples de investimentos sem quaisquer considerações sobre a eficiência da alocação de capital, acompanhado pela falta de preocupação com custos e a meritocracia, cujos repercussões negativas são sobejamente conhecidas.
Simultaneamente, as privatizações de estatais foram abolidas, expressando a preferência por manter muitos bilhões de dólares investidos em ativos que podem ser geridos eficientemente pela iniciativa privada, num gigantesco desperdício de recursos.
Ignorando benefícios sociais principalmente para o Norte, a região mais pobre do Brasil, o radicalismo ambiental do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente frustrou até agora a exploração de petróleo e gás natural na Margem Equatorial, onde outros países, como a Guiana e o Suriname, já extraem retornos de seus investimentos.
Em lugar de reforma administrativa, temos abundância de concursos para a contratação de dezenas de milhares de funcionários públicos. A estabilidade no emprego desses trabalhadores indica que se está contratando custos fixos por décadas. A menos que ocorra uma revolução na gestão dessas instituições, o que é altamente improvável pela ausência de incentivos, ao admitir tantos funcionários provocaremos queda na produtividade do trabalho num país onde ela já é baixa.
A lei 14301, de janeiro de 2022, a BR do Mar, reduziu custos do transporte de carga via navegação de cabotagem, artificialmente elevados pela obrigatoriedade de contratação de tripulação brasileira. Um decreto presidencial de 2024 anulou sua eficácia. Perdeu-se a chance de ter transporte de carga e produtos mais baratos para todos em troca da preservação do interesse de um pequeno grupo de sindicatos e políticos.
O Executivo tentou neutralizar a reforma trabalhista de 2017 assim como o marco institucional do saneamento, iniciativas fracassadas graças à maioria de votos contrários no Congresso Nacional. Mas as ameaças persistem.
O STF restaurou a gratuidade para as reclamações trabalhistas, o que já resultou em aumento significativo dessas ações. Ao facilitá-las, a decisão fez com que despesas com ações malogradas passem a financiadas pela sociedade e elevou o custo esperado de mão de obra pelas empresas, desestimulando o emprego.
Decisões de rotina da justiça trabalhista, supostamente movidas por humanismo, atropelam a reforma de 2017, protegendo quem tem emprego e discriminando contra os que desejam ingressar no mercado de trabalho.
A lei de falências também é desrespeitada pelo judiciário, dificultando a recuperação de ativos e desprezando seus efeitos negativos sobre o investimento.
Pressões insistentes de autoridades querem transformar em empregados sindicalizados motoristas que prestam serviços para empresas que funcionam com o auxilio de aplicativos, como o Uber e o iFood, ignorando os ganhos sociais dessa inovação.
O Uber é resultante de uma onda de inovações, em que tecnologias mais baratas permitem o surgimento de novas tecnologias e inovações. Ele seria impossível sem o smartphone, possível graças ao GPS, viabilizado pelos satélites, que por sua vez se tornaram factíveis pelo surgimento de foguetes espaciais e assim por diante. É desastroso colocar o Brasil fora desse processo dinâmico de inovação e progresso econômico.
O viés contra a inovação persiste no tratamento da inteligência artificial (IA). A IA está em toda parte, fomentando dezenas de bilhões de dólares de investimentos e alimentando uma poderosa emergente de tecnologias mais baratas capazes de serem tão ou mais importantes para o século XXI quanto foi a revolução industrial foi para o século XX. Entretanto, a preocupação principal de nossas autoridades é com a regulação da IA, ameaçando barrar seu progresso e assim nos condenar ao atraso tecnológico e econômico.
Não podemos nos iludir com os supostos progressos no curto prazo. Eles não nos colocam no caminho da prosperidade. Os movimentos que influenciam o futuro da economia têm nos empurrado na direção contrária.