Livraria da Travessa no shopping Iguatemi em São Paulo - SP livro; leitura; leitores; biblioteca; leitura; Foto: Leandro Fonseca data: 08/08/2022 (Leandro Fonseca/Divulgação)
Instituto Millenium
Publicado em 7 de março de 2025 às 19h21.
Por Wesley Reis*
Dias desses, li um artigo no qual os autores realizam uma defesa pela aprovação do Projeto de Lei 49/2015, de autoria da então senadora e atual governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT/RN). O projeto foi aprovado na Comissão de Educação do Senado Federal em 29 de outubro do ano passado (Dia Nacional do Livro) e aguarda deliberação em plenário. A proposta, conhecida como "Lei Cortez" em homenagem ao editor e livreiro José Xavier Cortez, apresenta a seguinte ementa, conforme divulgada no site do Senado:
“Institui a política nacional de fixação do preço do livro, estabelecendo regras para a comercialização e difusão do livro, e definindo infrações, penalidades de multa pecuniária e ação judicial. Todo livro receberá da editora precificação única por prazo de um ano, a partir de seu lançamento ou importação.”
José Xavier Cortez, mais conhecido no mercado editorial apenas como Cortez, faleceu em 2021, aos 84 anos. Apaixonado por livros, fundou a Editora Cortez e atuou como diretor da Câmara Brasileira do Livro (CBL). Defensor da proposta, foi homenageado com seu nome na legislação.
Este artigo não tem o intuito de criticar a obra e o legado de Cortez, tampouco desmerecer a opinião dos autores do artigo em questão, por quem nutro grande respeito. O objetivo é refletir sobre a pertinência de se impor uma regulação ao mercado editorial nos moldes propostos pelo projeto de lei.
A defesa da Lei Cortez parte da premissa de que haveria concorrência predatória no setor, representada essencialmente pela Amazon. A gigante do varejo americana chegou ao Brasil em 2012, inicialmente comercializando apenas livros digitais, e expandiu sua atuação para os livros físicos em 2014. O crescimento exponencial da empresa ao longo dos anos se deu, acima de tudo, por sua capacidade de atender às expectativas dos consumidores, oferecendo comodidade, preços acessíveis e entrega rápida. Ou seja, a Amazon identificou e atendeu uma demanda de mercado, resultando em sua expansão econômica e no aprimoramento de seus serviços. Esse processo é o próprio ciclo virtuoso da economia de mercado, beneficiando, sobretudo, os consumidores.
Os defensores da Lei Cortez também argumentam que o setor livreiro enfrenta uma crise, exemplificada pelo fechamento de grandes redes como Saraiva e Cultura. No entanto, pouco se menciona que a maior parte das dificuldades dessas livrarias decorreu de erros estratégicos e de gestão. Expansões mal planejadas, aquisições onerosas e a falta de adaptação aos novos hábitos de consumo foram fatores determinantes para a insolvência dessas redes. Em contrapartida, a livraria Leitura, fundada em 1967 em Belo Horizonte, tem demonstrado crescimento expressivo. Em 2024, inaugurou 13 lojas, alcançando um total de 121 unidades. Para 2025, a expectativa é de ao menos dez novas inaugurações. Seu sucesso pode ser atribuído a uma gestão criteriosa, que inclui diversificação de produtos — livros representam 64% das vendas — e análises minuciosas na escolha de localizações e mix de produtos. Diante desse exemplo, é difícil sustentar a tese de que a Amazon exerce concorrência predatória.
Fixar o preço de um bem, independentemente da boa intenção dos proponentes, é uma medida contraproducente e incompatível com os princípios da economia de mercado. A Constituição Federal, em seu artigo 170, consagra a livre iniciativa como fundamento econômico. A imposição de uma precificação fixa por um ano representa uma intervenção estatal indevida, que restringe a liberdade empresarial e inibe a inovação no setor.
Além disso, a fixação de preços reduz os incentivos para a ampliação da oferta de livros. Editoras e livrarias, impossibilitadas de adotar estratégias comerciais flexíveis, podem diminuir seus investimentos na produção e distribuição de novas obras, comprometendo a diversidade do mercado. Dessa forma, o projeto de lei, em vez de beneficiar as livrarias, pode, paradoxalmente, prejudicá-las ainda mais.
Para enfrentar os desafios do setor, as livrarias deveriam investir na experiência do consumidor, apostando em curadoria, eventos, parcerias e omnicanalidade. A regulação de preços não é a solução.
Vivemos uma era de disrupção, na qual avanços tecnológicos remodelam diversos setores. A televisão tradicional cede espaço ao streaming, os smartphones revolucionaram a comunicação e a inteligência artificial se integra progressivamente ao cotidiano. No entanto, os livros permanecem como guardiões do conhecimento, atravessando transformações tecnológicas sem perder sua relevância.
Para fomentar a leitura e ampliar o acesso ao livro, é fundamental reduzir o chamado “Custo Brasil”, que inclui altos encargos tributários, custos logísticos e entraves burocráticos. Além disso, políticas de incentivo à ampliação de bibliotecas e programas de educação são soluções mais eficazes do que a intervenção estatal na precificação de livros.
Como Aristóteles nos ensinou no século IV a.C., “a evidência triunfa sobre a teoria”. Histórica e empiricamente, tentativas de controle de preços resultaram em escassez, aumento de custos e desorganização de mercados. Com a Lei Cortez, dificilmente seria diferente.
Wesley Reis é economista, foi vice-presidente do Diretório Estadual do Partido Novo no Rio de Janeiro e é associado do IFL-RJ.