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A corrida pela última gota justa de petróleo

A história mostra que decisões ambientais raramente são motivadas por ideologia, mas sim por interesses econômicos de curto e médio prazo 

Emissões de gases efeito estufa (Getty Images)

Emissões de gases efeito estufa (Getty Images)

Publicado em 11 de março de 2025 às 18h30.

A agenda de mitigação climática transformou a emissão de gases de efeito estufa em um recurso escasso. Para conter os impactos das mudanças climáticas, é necessário reduzir drasticamente as emissões de CO2, o que impõe limites ao crescimento baseado em combustíveis fósseis. Diante desse cenário, como se comportam os países? Uma visão reducionista sugeriria que governos de esquerda estariam naturalmente mais comprometidos com a proteção ambiental, enquanto os de direita priorizariam o crescimento econômico a qualquer custo. A realidade, no entanto, é mais complexa. A história mostra que decisões ambientais raramente são motivadas por ideologia, mas sim por interesses econômicos de curto e médio prazo. 

Um caso emblemático dessa dinâmica é o Mar de Aral. Durante décadas, o regime soviético buscou transformar a Ásia Central em uma potência na produção de algodão, essencial para sua indústria têxtil. Para viabilizar essa estratégia, implementou um agressivo plano de irrigação, desviando os rios Amu Dária e Syr Dária, que alimentavam o lago. No curto prazo, a política trouxe ganhos econômicos expressivos, mas sem uma gestão sustentável, os impactos foram devastadores: o Mar de Aral perdeu cerca de 90% de sua superfície, alterando drasticamente o clima da região e deixando para trás desertos salinizados e cidades fantasmas. O resultado foi uma catástrofe ecológica de dimensões épicas, cujos efeitos persistem até hoje. 

O pragmatismo econômico continua ditando as regras no debate ambiental. A possível extração de petróleo na Amazônia ilustra isso com clareza. O governo federal, que se apresenta como comprometido com a agenda climática, enfrenta um dilema que revela suas prioridades: enquanto defende a transição energética, sustenta um discurso que justifica a continuidade da exploração de combustíveis fósseis sob o argumento da "transição justa". A narrativa oficial foca no crescimento econômico e na soberania sobre os recursos naturais, argumentando que o Brasil – como país em desenvolvimento – não pode abrir mão dessa fonte de receita sem antes garantir alternativas viáveis de sustento para as comunidades envolvidas. Esse enquadramento, no entanto, desvia do ponto central do debate climático: a crise ambiental não se resume a como consumimos energia, mas também a onde e quanto petróleo ainda escolhemos extrair. 

Qualquer semelhança com o pragmatismo do governo Trump ao anunciar o retorno à exploração de petróleo em grande escala não é mera coincidência. A lógica é a mesma: diante de pressões econômicas e políticas, a prioridade deixa de ser a transição para um modelo energético sustentável e passa a ser a maximização imediata dos recursos fósseis disponíveis. O discurso pode variar, mas a essência da escolha permanece a mesma. 

Essa mesma lógica se estende ao cenário global, sendo a China um dos exemplos mais ilustrativos. Historicamente, os Estados Unidos são responsáveis por aproximadamente 25% das emissões acumuladas de CO desde 1750, enquanto a China responde por 12,7%. No entanto, a China ainda se classifica como país em desenvolvimento, o que lhe garante flexibilidades em acordos climáticos e acesso a financiamento internacional para mitigação e adaptação. Em 2023, um cidadão chinês emitiu, em média, 9,24 toneladas de CO, enquanto um americano emitiu 13,83 toneladas. Se a China alegasse o "direito" de atingir a mesma média per capita dos EUA, suas emissões anuais cresceriam cerca de 6,4 bilhões de toneladas, inviabilizando qualquer meta climática global.  

De toda forma, o Brasil realmente emite muito pouco quando comparado aos demais. Em 2023, a média de emissões anuais de CO2e per capita foi de 2,2 toneladas, metade da média global foi de 4,86t. O problema é que claramente estamos todos olhando cada um para sua fatia, e com isso a média de emissões globais per capita está aumentando. Em 2000 era 4,19 t, refletindo um aumento de 16% em um contexto de necessidade de redução.  

O que se apresenta como um compromisso com a justiça social e econômica pode, na prática, ser apenas uma nova roupagem para a priorização de interesses imediatos. Afinal, reivindicar o direito de poluir hoje sem pensar nas futuras gerações é tão insustentável quanto o modelo previdenciário brasileiro, que permitiu aposentadorias generosas no passado, mas deixará um sistema cada vez mais pesado para as gerações atuais e futuras de trabalhadores.  

Fica evidente que a relação entre política e meio ambiente não é uma questão de ideologia, mas sim de interesses e prioridades. Governos, independentemente do espectro político, tomam decisões ambientais baseadas na conjuntura econômica, nos custos políticos e nas demandas de curto prazo. Se temos dificuldades até para manter um bom gerenciamento fiscal, algo constantemente debatido e cujos impactos são mais tangíveis e visíveis, imagine exigir cortes drásticos nas emissões de CO – um desafio que, para grande parte da população, parece distante de suas preocupações diárias. 

O maior entrave à ação climática não está na falta de consciência ambiental ou de compromissos internacionais. O verdadeiro obstáculo é que as emissões de carbono estão diretamente ligadas ao crescimento econômico, e poucos governos estão dispostos a pagar o custo político e social de uma transição acelerada. Há caminhos para um desenvolvimento que concilie prosperidade e sustentabilidade, mas isso fica para a nossa próxima conversa. 

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