A abstenção eleitoral não diminui se fazemos as coisas do mesmo jeito
"Parcela significativa dos eleitores não vê muita diferença entre votar ou não"
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 29 de outubro de 2024 às 12h03.
Após algumas semanas de campanha, finalmente as cidades voltarão à normalidade. O segundo turno das eleições acabou e, com ele, o cidadão brasileiro, novamente, manifestou seu grau de confiança na capacidade de mudança do sistema político. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que a abstenção alcançou 29.2% no país. Dependendo da cidade analisada, a situação fica mais interessante. Por exemplo, em Belo Horizonte, a abstenção foi de 31.95% que, somado ao percentual de nulos (4.56%) e brancos (3.41%), totaliza 39.92%. O restante dos votos dividiu-se entre os dois candidatos, o que significa que parcela significativa dos eleitores desta capital, de forma não muito diferente do restante do país, não vê muita diferença entre votar ou não.
Diante deste quadro, o TSE noticiou que deseja investigar o que alguns supõem ser um ‘problema’. Há mesmo um problema? Não é de hoje que a Escolha Pública (Public Choice), ramo da Ciência Econômica que estuda o funcionamento da política e do governo chama a atenção para o custo-benefício desfavorável que um eleitor enfrenta ao decidir se sai de casa para votar. Como a probabilidade de que seu voto seja pouco decisivo para virar uma eleição, a tendência é ficar mesmo em casa. Obviamente, há outros motivos para votar que não o de se achar um importante pivô de alguma eleição. Um exemplo é o de se expressar seu apreço por esta ou aquela posição política (ou ideologia).
O TSE poderia começar sua investigação baseando-se nos estudos da Escolha Pública, não? Afinal, o brasileiro não é nada diferente do seu colega europeu, asiático, americano. Colombianos, japoneses, russos e ingleses também são eleitores que sabem onde estão seus interesses, ou seja, sabem o custo e o benefício de seu tempo em uma fila de votação. Seria muita ingenuidade achar que a tecnologia (urnas eletrônicas) são um fator de estímulo à votação. As filas não diminuem por conta das urnas (e a lista de exceções que podem furar a fila aumentou bastante ao longo dos anos). Votar ainda é uma perda de tempo que poderia ser compensada se o eleitor realmente visse uma possibilidade real de que sua vida melhorasse. Eleitores não são seres ingênuos, facilmente enganados por políticos mentirosos.
Evidentemente, o leitor conhece alguém assim, mas não é a maioria de seus amigos. Um argumento muito comum entre alguns entusiastas da Economia Comportamental é o de que ‘eleitores não são plenamente racionais’ e que, portanto, ‘precisam ser educados (recivilizados?) para que percebam que o melhor para eles é o que o especialista diz que é. Não é difícil ver o erro deste raciocínio. É como o comentarista na televisão comentando a evolução da votação dos candidatos que, enquanto vê seu candidato favorito perdendo, acusa o povo de “não saber votar” enquanto que, em uma eventual mudança de trajetória, dizer que o ‘povo sabe escolher’.
O Prêmio Nobel deste ano destaca a importância das instituições - definidas em um sentido muito específico que é o de serem as ‘regras do jogo’ que estimulam a competição política e econômica em um país - no desenvolvimento das nações. Regras de votação são parte destas instituições e, portanto, alguém pode, legitimamente, perguntar se a abstenção, sempre elevada, mudaria se não se alteram os incentivos para que eleitores compareçam às urnas. Em outras palavras, ‘como esperar resultados diferentes se as coisas são feitas do mesmo modo”?
Existem outras regras de votação que poderiam ser experimentadas. O próprio TSE, por meio de sua revista científica, Estudos Eleitorais, tem conhecimento do voto quadrático (quadratic voting), proposto originalmente por Eric Posner e Glen Weyl em seu best-seller Mercados Radicais e testado na cidade de Gramado. A vantagem deste método é permitir que o eleitor não se restrinja apenas às opções, mas que possa considerar a intensidade de suas preferências. Outra opção é o voto ‘ranqueado’ (ranked voting), em que o eleitor ordena suas preferências entre os candidatos, que é um método que, alegadamente, diminui a polarização.
Melhor que uma pesquisa, o TSE poderia promover a experimentação institucional (é relativamente barato fazê-lo). Urnas eletrônicas, quânticas ou, se quiser, nucleares, não são a solução para diminuir a apatia do eleitor. Incentivos diferentes, que mostrem que, de fato, suas preferências são levadas em conta no processo eleitoral, estes sim, têm potencial de diminuir a abstenção que, sim, beneficiam candidatos que não se importam, realmente, com o que pensam os eleitores. Quem sabe o TSE não testa estas inovações?
Após algumas semanas de campanha, finalmente as cidades voltarão à normalidade. O segundo turno das eleições acabou e, com ele, o cidadão brasileiro, novamente, manifestou seu grau de confiança na capacidade de mudança do sistema político. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que a abstenção alcançou 29.2% no país. Dependendo da cidade analisada, a situação fica mais interessante. Por exemplo, em Belo Horizonte, a abstenção foi de 31.95% que, somado ao percentual de nulos (4.56%) e brancos (3.41%), totaliza 39.92%. O restante dos votos dividiu-se entre os dois candidatos, o que significa que parcela significativa dos eleitores desta capital, de forma não muito diferente do restante do país, não vê muita diferença entre votar ou não.
Diante deste quadro, o TSE noticiou que deseja investigar o que alguns supõem ser um ‘problema’. Há mesmo um problema? Não é de hoje que a Escolha Pública (Public Choice), ramo da Ciência Econômica que estuda o funcionamento da política e do governo chama a atenção para o custo-benefício desfavorável que um eleitor enfrenta ao decidir se sai de casa para votar. Como a probabilidade de que seu voto seja pouco decisivo para virar uma eleição, a tendência é ficar mesmo em casa. Obviamente, há outros motivos para votar que não o de se achar um importante pivô de alguma eleição. Um exemplo é o de se expressar seu apreço por esta ou aquela posição política (ou ideologia).
O TSE poderia começar sua investigação baseando-se nos estudos da Escolha Pública, não? Afinal, o brasileiro não é nada diferente do seu colega europeu, asiático, americano. Colombianos, japoneses, russos e ingleses também são eleitores que sabem onde estão seus interesses, ou seja, sabem o custo e o benefício de seu tempo em uma fila de votação. Seria muita ingenuidade achar que a tecnologia (urnas eletrônicas) são um fator de estímulo à votação. As filas não diminuem por conta das urnas (e a lista de exceções que podem furar a fila aumentou bastante ao longo dos anos). Votar ainda é uma perda de tempo que poderia ser compensada se o eleitor realmente visse uma possibilidade real de que sua vida melhorasse. Eleitores não são seres ingênuos, facilmente enganados por políticos mentirosos.
Evidentemente, o leitor conhece alguém assim, mas não é a maioria de seus amigos. Um argumento muito comum entre alguns entusiastas da Economia Comportamental é o de que ‘eleitores não são plenamente racionais’ e que, portanto, ‘precisam ser educados (recivilizados?) para que percebam que o melhor para eles é o que o especialista diz que é. Não é difícil ver o erro deste raciocínio. É como o comentarista na televisão comentando a evolução da votação dos candidatos que, enquanto vê seu candidato favorito perdendo, acusa o povo de “não saber votar” enquanto que, em uma eventual mudança de trajetória, dizer que o ‘povo sabe escolher’.
O Prêmio Nobel deste ano destaca a importância das instituições - definidas em um sentido muito específico que é o de serem as ‘regras do jogo’ que estimulam a competição política e econômica em um país - no desenvolvimento das nações. Regras de votação são parte destas instituições e, portanto, alguém pode, legitimamente, perguntar se a abstenção, sempre elevada, mudaria se não se alteram os incentivos para que eleitores compareçam às urnas. Em outras palavras, ‘como esperar resultados diferentes se as coisas são feitas do mesmo modo”?
Existem outras regras de votação que poderiam ser experimentadas. O próprio TSE, por meio de sua revista científica, Estudos Eleitorais, tem conhecimento do voto quadrático (quadratic voting), proposto originalmente por Eric Posner e Glen Weyl em seu best-seller Mercados Radicais e testado na cidade de Gramado. A vantagem deste método é permitir que o eleitor não se restrinja apenas às opções, mas que possa considerar a intensidade de suas preferências. Outra opção é o voto ‘ranqueado’ (ranked voting), em que o eleitor ordena suas preferências entre os candidatos, que é um método que, alegadamente, diminui a polarização.
Melhor que uma pesquisa, o TSE poderia promover a experimentação institucional (é relativamente barato fazê-lo). Urnas eletrônicas, quânticas ou, se quiser, nucleares, não são a solução para diminuir a apatia do eleitor. Incentivos diferentes, que mostrem que, de fato, suas preferências são levadas em conta no processo eleitoral, estes sim, têm potencial de diminuir a abstenção que, sim, beneficiam candidatos que não se importam, realmente, com o que pensam os eleitores. Quem sabe o TSE não testa estas inovações?