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Medir e divulgar: prática usual do mundo corporativo que pode impulsionar equidade de gênero

Essa questão é mundial e outros países já deram a largada. Mas, por que é tão difícil falar desse assunto e aprovar legislações?

Não podemos ignorar o fato de que existem lógicas institucionais, de mercado e individuais que contribuem para perpetuar diferenças entre os gêneros (Maria Ponomariova/Getty Images)
Não podemos ignorar o fato de que existem lógicas institucionais, de mercado e individuais que contribuem para perpetuar diferenças entre os gêneros (Maria Ponomariova/Getty Images)

O conteúdo desse blog é gerenciado pelo Insper Metricis, o núcleo do Insper especializado em realizar estudos sobre estratégias organizacionais e práticas de gestão envolvendo projetos com potencial de gerar alto impacto socioambiental. 

Nos últimos dois meses, tanto a Câmara dos Deputados como o Senado aprovaram um projeto de lei de equiparação salarial entre homens e mulheres no Brasil. Ao mesmo tempo em que se percebe o avanço na legislação, voltamos a velhos debates e perguntas que parecem não ter fim. Precisamos de mais uma lei se a Constituição já assegura isso? Se as faixas salariais são as mesmas, como é possível ter diferença? Se o problema existe, o próprio mercado não é capaz de corrigir as distorções?

Realmente, a Constituição Federal e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) já estipulam que a discriminação de gênero – além de raça, estado civil, idade, entre outros – é ilegal em nosso país. Entretanto, quando se calcula a diferença salarial entre homens e mulheres, a diferença permanece. O Ministério do Trabalho divulga estatísticas dessa diferença. Acadêmicos se preocupam em mensurar minuciosa e cuidadosamente a diferença e publicam artigos denunciando a existência de discriminação salarial contra as mulheres (um bom exemplo neste sentido está disponível aqui). E empresas corajosas também mensuram e detectam que, até hoje, homens e mulheres são, na média, remunerados de forma diferente para desempenhar exatamente o mesmo trabalho.

Mas, para além de estipular que não se possa pagar diferente para o mesmo trabalho quando feito por um homem ou por uma mulher e determinar multas para as empresas que, ainda assim, o fizerem, uma grande conquista do projeto de lei em questão é a necessidade de que empresas com mais de 100 funcionários divulguem a diferença salarial entre homens e mulheres. E essa é uma novidade positiva, pois temos que lembrar que essas diferenças, de pagar menos mulheres e outros grupos minorizados socialmente, na maioria dos casos, não são geradas deliberadamente pelas empresas.

Essa questão é mundial e outros países já deram a largada. A Islândia e a Inglaterra são os países pioneiros que lideram a legislação sobre diferença salarial. Em 2017, o governo britânico aprovou uma legislação de que as empresas com 250 ou mais funcionários deveriam, anualmente, divulgar alguns dados publicamente. É a partir dessas informações que, acessando o site Gender Pay Gap Service, podemos consultar as informações de empresas específicas e comparar as diferenças entre companhias – ou setores de atuação. Já a Islândia implementou a legislação mais dura para assegurar pagamentos iguais, tanto obrigando as empresas a medir e publicar a remuneração entre homens e mulheres como exigindo uma certificação a respeito do tema.  Nos Estados Unidos, diversos estados já proíbem que se pergunte o último salário recebido para não induzir à perpetuação de remuneração mais baixa para grupos que foram historicamente discriminados.

Além dos governos, muitas das metodologias usadas por grandes empresas para reportar seus impactos socioambientais, como o GRI, exigem que elas informem a diferença salarial de homens e mulheres. A ONU Mulheres também disponibiliza uma ferramenta gratuita para que empresas possam fazer o próprio diagnóstico a respeito de igualdade de remuneração.

Mas, por que é tão difícil falar desse assunto e aprovar essas legislações? Algumas pessoas acreditam que, se mulheres e homens têm a mesma produtividade e paga-se menos para elas do que para eles, no médio ou longo prazo, as empresas se dariam conta dessa “arbitragem”, passariam a demandar mais a mão-de-obra feminina e os salários das mulheres aumentariam pelo incremento da demanda por elas. Infelizmente, o argumento é bastante ingênuo e podemos utilizar outro artigo para explicar como, em um mercado com informação incompleta e repleto de vieses conscientes e inconscientes, esse tipo de “lei do mercado” não funciona.

Outras pessoas se apegam ao fato de que a tabela de salários é a mesma e, logo, não temos diferença. Mas, a mensuração e divulgação de dados é uma das formas mais eficazes de evidenciarmos se temos ou não um problema. Há pouco mais de 10 anos, em uma parceria da Hays e o Centro de Pesquisas em Estratégia do Insper, tivemos a oportunidade de perguntar para empresas que atuam no Brasil se elas acreditavam existir diferença salarial entre homens e mulheres. 86,23% delas falaram que não. Entretanto, quando perguntamos quantas delas mediam esse dado, somente 17,51% tinham algum tipo de monitoramento de diferenças salariais. Ficava a pergunta: não existia diferença ou ela não era mensurada?

Mesmo não tendo a intencionalidade de pagar menos para mulheres do que para homens, não podemos ignorar o fato de que existem lógicas institucionais, de mercado e individuais que contribuem para perpetuar diferenças entre os gêneros. Então, para uma parte dos empregadores, ser obrigado a olhar o problema de frente e se dar conta de que remunera de forma diferenciada pessoas do sexo feminino resulta em ações concretas que repensam os processos de contratações, sistemas de avaliação e promoção dentro de suas empresas. Mas, sem a necessidade ou a percepção de que é importante monitorar salários, bônus, percentual de líderes por gênero, é muito mais difícil combater lógicas institucionais discriminatórias que já estão arraigadas na cultura de nossa sociedade e acabamos nem nos dando conta de seus efeitos.

*Regina Madalozzo é sócia da Moura Madalozzo Consultoria Econômica, onde atua em projetos de diversidade de gênero nas empresas. Academicamente, produz suas pesquisas como associada ao GeFam. Regina é PhD em Economia pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.

** Adriana Carvalho é CEO da Generation Brasil e atua como conselheira de diversas empresas. Foi assessora da ONU Mulheres e responsável pelo gerenciamento de programas como os WEPs (Princípios de Empoderamento da Mulher) e o Win-Win (inclusão de gênero e resultado para os negócios). Adriana é Mestre em Administração de Empresas pelo Insper.