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Medindo diferenças salariais: como fazer?

Em 4 de julho, a Lei 14.611 de Igualdade Salarial foi sancionada por Lula e, desde então, a discussão sobre o tema aumentou

Salários: tema ficou ainda mais atual. (sorbetto/Getty Images)
Insper Metricis

Blog Impacto Social

Publicado em 26 de julho de 2023 às 09h00.

Por Regina Madalozzo* e Adriana Carvalho**

Em 4 de julho, a Lei 14.611 de Igualdade Salarial foi sancionada pelo presidente e, desde então, a discussão sobre o tema aumentou. Já falamos sobre a pertinência e urgência da lei em um artigo anterior e, nesse momento, percebemos a importância de discutirmos como as empresas podem se preparar para a fase de divulgação dos dados a respeito dos salários de homens e mulheres.

Embora esse tipo de legislação tenha menos de 5 anos, mesmo pensando em uma visão global, algumas empresas comprometidas com o tema já estavam acompanhando esses dados há mais tempo. Por exemplo, nós duas participamos do grupo Aliança para o Empoderamento das Mulheres – que reunia cerca de 10 grandes empresas signatárias dos Princípios de Empoderamento das Mulheres. Esse grupo pioneiro se dispôs a acompanhar diferenças salariais em suas empresas e divulgar, internamente para os participantes da Aliança, os resultados. Anualmente, todas as empresas enviavam seus dados para uma de nós que, sob sigilo, analisava diferenças na remuneração, nas avaliações de performance e nas taxas de rotatividade de homens e mulheres. Embora os dados fossem agregados, muitas conclusões eram possíveis e, juntas, as lideranças dessas empresas conseguiam delinear estratégias que possibilitassem a equidade de gênero em suas empresas.

Atualmente, algumas ferramentas que auxiliam nesse acompanhamento estão à disposição online. Destacamos o trabalho da ONU Mulheres que, em 2019, desenvolveu a ferramenta de Diagnóstico Igualdade de Remuneração como apoio do programa “Ganha-Ganha: igualdade de gênero significa bons negócios” [1]. Para isso, foram acessados instrumentos de iniciativas internacionais, como da ONG Equal Salary – que certifica empresas com relação à igualdade salarial – e de materiais específicos de alguns países, como a Espanha, que, na época, também endurecia a legislação a respeito da discriminação salarial contra as mulheres.

Pela nossa experiência de mais de uma década trabalhando dentro das empresas com o objetivo de organizar a coleta de dados, mensurar diferentes estatísticas e entregar diagnósticos sobre diferenças salariais, sabemos que a tarefa, não necessariamente, é simples. Entretanto, seguir um processo organizado por fases, facilita esse trabalho.

Usualmente, pensamos em 5 fases para essa tarefa, conforme apresentado na Figura 1:

Fases para implementação de um diagnóstico de diferenças salariais (Insper Metrics/Reprodução)

O processo como um todo se inicia com a sensibilização a respeito do tema. Não somente, mas prioritariamente, o diagnóstico de uma questão sensível como a diferença salarial, que desperta alguns medos, como aumento de processos trabalhistas, precisa não somente ter o apoio incondicional da liderança da empresa como compromisso em implementar ações a respeito. São essas as pessoas que têm o poder de atuar firmemente para a redução das desigualdades. Para isso, ter uma base fundamentada a respeito do porquê essas diferenças salarias podem ocorrer com frequência (mesmo sem intenções) e suas implicações em condições de trabalho que acarretem discriminação é chave.

Em uma fase seguinte, a liderança precisa escolher quem serão as pessoas responsáveis pelo projeto. Esse é um trabalho sigiloso e delicado. O acesso aos dados necessariamente precisa ser concedido e tanto a capacitação quanto o comprometimento da equipe que garantirá a coleta e análise desses números são importantes. Essas pessoas terão de trabalhar com as informações bastante desagregadas, em um primeiro momento, para, depois, agregarem os dados para a divulgação de forma a não ferir a confidencialidade até mesmo de quem trabalha na empresa.

Em uma terceira fase, a definição de prioridades a respeito das informações é vital. Muitas vezes, com a melhor das intenções, procura-se medir tudo que é possível. Entretanto, são muitas as estatísticas possíveis e, se não forem conduzidas de forma organizada, ao final do processo, elas não terão um significado claro. Uma coleta feita de forma pragmática e segura é melhor do que a coleta perfeita e que garanta todas as medidas possíveis. Perguntas como “o que buscamos medir”, “qual o nível de desagregação que queremos divulgar” e “quais as variáveis de interesse” são um bom começo para a priorização da coleta de dados. A princípio, a lei de igualdade salarial pedirá a divulgação de dados sobre diferenças salariais com base no sexo das pessoas, mas as empresas podem se preparar pensando em outras categorias relativas à interseccionalidade – como raça, por exemplo.

A penúltima fase do trabalho é a análise do que foi coletado. Se o planejamento das métricas foi bem executado, a análise será menos trabalhosa. Entretanto, alguns alertas se fazem necessários. Médias são boas estatísticas, mas não necessariamente traduzem a realidade. No caso de salários de homens e mulheres, por exemplo, se uma mulher recebe uma remuneração muito acima de seu grupo de trabalho e todas as outras estão muito abaixo, é possível que a média de salários por gênero seja distorcida por essa pessoa. Análises que usem percentuais de pessoas acima ou abaixo da média salarial do cargo são um melhor indicador, nesse caso. Complementarmente a isso, sabemos que a existência do teto de vidro – barreira invisível, mas intransponível para alguns grupos sociais – faz com que algumas pessoas permaneçam por mais tempo no mesmo cargo e, com isso, seus salários, comparativamente ao de seus colegas, são maiores. Entender o que está conduzindo os resultados e propor alternativas – de medidas e de ações – faz parte do trabalho de análise.

Por fim, um cuidado muito grande deve ser dado na divulgação dos resultados. O diagnóstico por si só não pode representar o final do trabalho. Ele é somente o início de uma longa jornada para a igualdade salarial e para a equidade no tratamento das pessoas dentro da empresa. Existem causas raízes já identificadas para as distorções nas remunerações que vão desde negociações nas propostas iniciais de salário até avaliações de performance viesadas. Diagnosticar acertadamente o problema e seus fundamentos é essencial para a projeção de políticas que permitam a solução deles.

Dar publicidade às diferenças salariais entre homens e mulheres é um bom começo para que o tema atinja uma priorização em nossa sociedade. Vamos iniciar essa jornada?

* Regina Madalozzo é sócia da Moura Madalozzo Consultoria Econômica, onde atua em projetos de diversidade de gênero nas empresas. Academicamente, produz suas pesquisas como associada ao GeFam. Regina é PhD em Economia pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.

** Adriana Carvalho é Co-head da delegação do grupo de trabalho Women-20 do G20, CEO da Generation Brasil e atua como conselheira de diversas empresas/organizações. Foi assessora da ONU Mulheres e responsável pelo gerenciamento de programas como os WEPs (Princípios de Empoderamento da Mulher) e o Win-Win (inclusão de gênero e resultado para os negócios). Adriana é Mestre em Administração de Empresas pelo Insper.

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Por Regina Madalozzo* e Adriana Carvalho**

Em 4 de julho, a Lei 14.611 de Igualdade Salarial foi sancionada pelo presidente e, desde então, a discussão sobre o tema aumentou. Já falamos sobre a pertinência e urgência da lei em um artigo anterior e, nesse momento, percebemos a importância de discutirmos como as empresas podem se preparar para a fase de divulgação dos dados a respeito dos salários de homens e mulheres.

Embora esse tipo de legislação tenha menos de 5 anos, mesmo pensando em uma visão global, algumas empresas comprometidas com o tema já estavam acompanhando esses dados há mais tempo. Por exemplo, nós duas participamos do grupo Aliança para o Empoderamento das Mulheres – que reunia cerca de 10 grandes empresas signatárias dos Princípios de Empoderamento das Mulheres. Esse grupo pioneiro se dispôs a acompanhar diferenças salariais em suas empresas e divulgar, internamente para os participantes da Aliança, os resultados. Anualmente, todas as empresas enviavam seus dados para uma de nós que, sob sigilo, analisava diferenças na remuneração, nas avaliações de performance e nas taxas de rotatividade de homens e mulheres. Embora os dados fossem agregados, muitas conclusões eram possíveis e, juntas, as lideranças dessas empresas conseguiam delinear estratégias que possibilitassem a equidade de gênero em suas empresas.

Atualmente, algumas ferramentas que auxiliam nesse acompanhamento estão à disposição online. Destacamos o trabalho da ONU Mulheres que, em 2019, desenvolveu a ferramenta de Diagnóstico Igualdade de Remuneração como apoio do programa “Ganha-Ganha: igualdade de gênero significa bons negócios” [1]. Para isso, foram acessados instrumentos de iniciativas internacionais, como da ONG Equal Salary – que certifica empresas com relação à igualdade salarial – e de materiais específicos de alguns países, como a Espanha, que, na época, também endurecia a legislação a respeito da discriminação salarial contra as mulheres.

Pela nossa experiência de mais de uma década trabalhando dentro das empresas com o objetivo de organizar a coleta de dados, mensurar diferentes estatísticas e entregar diagnósticos sobre diferenças salariais, sabemos que a tarefa, não necessariamente, é simples. Entretanto, seguir um processo organizado por fases, facilita esse trabalho.

Usualmente, pensamos em 5 fases para essa tarefa, conforme apresentado na Figura 1:

Fases para implementação de um diagnóstico de diferenças salariais (Insper Metrics/Reprodução)

O processo como um todo se inicia com a sensibilização a respeito do tema. Não somente, mas prioritariamente, o diagnóstico de uma questão sensível como a diferença salarial, que desperta alguns medos, como aumento de processos trabalhistas, precisa não somente ter o apoio incondicional da liderança da empresa como compromisso em implementar ações a respeito. São essas as pessoas que têm o poder de atuar firmemente para a redução das desigualdades. Para isso, ter uma base fundamentada a respeito do porquê essas diferenças salarias podem ocorrer com frequência (mesmo sem intenções) e suas implicações em condições de trabalho que acarretem discriminação é chave.

Em uma fase seguinte, a liderança precisa escolher quem serão as pessoas responsáveis pelo projeto. Esse é um trabalho sigiloso e delicado. O acesso aos dados necessariamente precisa ser concedido e tanto a capacitação quanto o comprometimento da equipe que garantirá a coleta e análise desses números são importantes. Essas pessoas terão de trabalhar com as informações bastante desagregadas, em um primeiro momento, para, depois, agregarem os dados para a divulgação de forma a não ferir a confidencialidade até mesmo de quem trabalha na empresa.

Em uma terceira fase, a definição de prioridades a respeito das informações é vital. Muitas vezes, com a melhor das intenções, procura-se medir tudo que é possível. Entretanto, são muitas as estatísticas possíveis e, se não forem conduzidas de forma organizada, ao final do processo, elas não terão um significado claro. Uma coleta feita de forma pragmática e segura é melhor do que a coleta perfeita e que garanta todas as medidas possíveis. Perguntas como “o que buscamos medir”, “qual o nível de desagregação que queremos divulgar” e “quais as variáveis de interesse” são um bom começo para a priorização da coleta de dados. A princípio, a lei de igualdade salarial pedirá a divulgação de dados sobre diferenças salariais com base no sexo das pessoas, mas as empresas podem se preparar pensando em outras categorias relativas à interseccionalidade – como raça, por exemplo.

A penúltima fase do trabalho é a análise do que foi coletado. Se o planejamento das métricas foi bem executado, a análise será menos trabalhosa. Entretanto, alguns alertas se fazem necessários. Médias são boas estatísticas, mas não necessariamente traduzem a realidade. No caso de salários de homens e mulheres, por exemplo, se uma mulher recebe uma remuneração muito acima de seu grupo de trabalho e todas as outras estão muito abaixo, é possível que a média de salários por gênero seja distorcida por essa pessoa. Análises que usem percentuais de pessoas acima ou abaixo da média salarial do cargo são um melhor indicador, nesse caso. Complementarmente a isso, sabemos que a existência do teto de vidro – barreira invisível, mas intransponível para alguns grupos sociais – faz com que algumas pessoas permaneçam por mais tempo no mesmo cargo e, com isso, seus salários, comparativamente ao de seus colegas, são maiores. Entender o que está conduzindo os resultados e propor alternativas – de medidas e de ações – faz parte do trabalho de análise.

Por fim, um cuidado muito grande deve ser dado na divulgação dos resultados. O diagnóstico por si só não pode representar o final do trabalho. Ele é somente o início de uma longa jornada para a igualdade salarial e para a equidade no tratamento das pessoas dentro da empresa. Existem causas raízes já identificadas para as distorções nas remunerações que vão desde negociações nas propostas iniciais de salário até avaliações de performance viesadas. Diagnosticar acertadamente o problema e seus fundamentos é essencial para a projeção de políticas que permitam a solução deles.

Dar publicidade às diferenças salariais entre homens e mulheres é um bom começo para que o tema atinja uma priorização em nossa sociedade. Vamos iniciar essa jornada?

* Regina Madalozzo é sócia da Moura Madalozzo Consultoria Econômica, onde atua em projetos de diversidade de gênero nas empresas. Academicamente, produz suas pesquisas como associada ao GeFam. Regina é PhD em Economia pela Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.

** Adriana Carvalho é Co-head da delegação do grupo de trabalho Women-20 do G20, CEO da Generation Brasil e atua como conselheira de diversas empresas/organizações. Foi assessora da ONU Mulheres e responsável pelo gerenciamento de programas como os WEPs (Princípios de Empoderamento da Mulher) e o Win-Win (inclusão de gênero e resultado para os negócios). Adriana é Mestre em Administração de Empresas pelo Insper.

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