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É possível diminuir a desigualdade de oportunidades educacionais?

Estudos já demonstraram que o Brasil apresenta altos níveis de desigualdades, inclusive em oportunidades em educação

Educação (Klaus Vedfelt/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 9 de novembro de 2021 às 10h00.

Por Clarice Carneiro Martins* e Sergio Firpo**

Não é de hoje que conhecemos a influência da educação sobre as oportunidades futuras que se apresentarão para as crianças. Afinal, como diz o Prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen, a educação é um aspecto fundamental do desenvolvimento humano. Também é através da educação que uma criança de família pobre no Brasil pode mudar o seu destino. Em pesquisas qualitativas, meninas de famílias muito pobres dizem querer estudar para não ‘precisar ser diarista como sua mãe’. A educação pode lhes oferecer outras opções. Mas, para isso, precisamos dar oportunidades a uma educação de boa qualidade a crianças de todos os níveis socioeconômicos, raça e gênero.

O Prêmio Nobel de Economia de 2021, Joshua Angrist, e seu coautor, Alan Krueger, mostraram em uma pesquisa de 1991 que mais anos de escolaridade têm um efeito causal sobre salários futuros, isto é, a consequência de um ano mais de estudo representa uma renda futura maior em 9%. Este resultado serve para mostrar o lado prático e relevante de prover educação de qualidade para todos sem distinção.

No entanto, existem altos níveis de desigualdade de oportunidades na educação em todo o Brasil. Conforme apontado em estudos prévios, a maior parte da desigualdade educacional é proveniente das circunstâncias destas crianças. Circunstâncias são características exógenas às escolhas das crianças, mas que podem influenciar seu desenvolvimento escolar. Estas incluem tanto o contexto socioeconômico no qual estão inseridas quanto atributos iniciais, como, por exemplo, a situação financeira de seus pais ou sua raça/cor. Estas características são altamente correlacionadas com a probabilidade de receber uma boa educação, embora não devessem ser, uma vez que a criança não possui responsabilidade alguma sobre esses fatores.

Em nosso estudo, propomos uma medida da desigualdade em oportunidades educacionais no nível da rede escolar, pensando em um conjunto de esforços que o gestor deve observar na alocação de recursos para desfazer os efeitos negativos dessas circunstâncias. Esforços são quaisquer ações deliberadas dos indivíduos ou, neste caso, do gestor da rede, que podem melhorar a qualidade de ensino. O gestor deve ser responsabilizado pelo nível de esforço realizado e espera-se que estes esforços mitiguem o efeito perverso das circunstâncias. Como medidas de esforços usamos uma gama de recursos que o gestor da rede pode realocar de uma escola para a outra no intuito de desfazer os efeitos da desigualdade existente. Alguns exemplos são equipamentos e manutenção da escola, existência e condições de recursos pedagógicos, tamanho das turmas, experiência do professor, entre outros.

Primeiro, apresentamos um modelo e construímos um contrafactual no qual o agente de decisão política, ao fazer esforços diferenciados nas escolas, é capaz de desfazer os efeitos das circunstâncias nos resultados educacionais. Em seguida, aplicamos este modelo a uma base de escolas municipais do Brasil, com mais de 37.000 unidades, em 1.301 redes municipais de ensino público avaliadas.

Usando a variância como uma medida significativa de desigualdade em testes padronizados, os resultados mostraram que até 37% da variabilidade de notas em matemática e português, ou seja, mais de 1/3 das diferenças, é proveniente das circunstâncias dos alunos. Esta é uma desigualdade que não deveria existir caso o sistema educacional oferecesse oportunidades iguais para todas as crianças.

Em seguida, analisamos diferenças no nível de esforço desempenhado nas diversas redes de ensino. Observamos que, em média, há pouca variabilidade neste quesito. No entanto, estimamos que, se cada rede exercesse o nível ideal de esforço, aquele que reduz a desigualdade de notas diminuindo a variância entre elas, a desigualdade em notas atribuída às circunstâncias poderia ser reduzida em 12,6%.

Dessa forma, a discussão sobre desigualdades educacionais deve ser focada em dar as mesmas oportunidades a todos. Para isso, formuladores de políticas e gestores das redes públicas de educação precisam exercer esforços para que todas as escolas tenham as mesmas condições de ensino, independentemente das condições dos alunos que as frequentam.

* Clarice Carneiro Martins é doutora em Economia pelo Insper e bacharel em Administração de Empresas pela San Diego State University. Atua como especialista em pesquisa na Cátedra Instituto Unibanco, no Insper.

** Sergio Firpo é professor titular da Cátedra Instituto Unibanco no Insper e Elected Fellow da Econometric Society. Possui Ph.D. em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley.

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Por Clarice Carneiro Martins* e Sergio Firpo**

Não é de hoje que conhecemos a influência da educação sobre as oportunidades futuras que se apresentarão para as crianças. Afinal, como diz o Prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen, a educação é um aspecto fundamental do desenvolvimento humano. Também é através da educação que uma criança de família pobre no Brasil pode mudar o seu destino. Em pesquisas qualitativas, meninas de famílias muito pobres dizem querer estudar para não ‘precisar ser diarista como sua mãe’. A educação pode lhes oferecer outras opções. Mas, para isso, precisamos dar oportunidades a uma educação de boa qualidade a crianças de todos os níveis socioeconômicos, raça e gênero.

O Prêmio Nobel de Economia de 2021, Joshua Angrist, e seu coautor, Alan Krueger, mostraram em uma pesquisa de 1991 que mais anos de escolaridade têm um efeito causal sobre salários futuros, isto é, a consequência de um ano mais de estudo representa uma renda futura maior em 9%. Este resultado serve para mostrar o lado prático e relevante de prover educação de qualidade para todos sem distinção.

No entanto, existem altos níveis de desigualdade de oportunidades na educação em todo o Brasil. Conforme apontado em estudos prévios, a maior parte da desigualdade educacional é proveniente das circunstâncias destas crianças. Circunstâncias são características exógenas às escolhas das crianças, mas que podem influenciar seu desenvolvimento escolar. Estas incluem tanto o contexto socioeconômico no qual estão inseridas quanto atributos iniciais, como, por exemplo, a situação financeira de seus pais ou sua raça/cor. Estas características são altamente correlacionadas com a probabilidade de receber uma boa educação, embora não devessem ser, uma vez que a criança não possui responsabilidade alguma sobre esses fatores.

Em nosso estudo, propomos uma medida da desigualdade em oportunidades educacionais no nível da rede escolar, pensando em um conjunto de esforços que o gestor deve observar na alocação de recursos para desfazer os efeitos negativos dessas circunstâncias. Esforços são quaisquer ações deliberadas dos indivíduos ou, neste caso, do gestor da rede, que podem melhorar a qualidade de ensino. O gestor deve ser responsabilizado pelo nível de esforço realizado e espera-se que estes esforços mitiguem o efeito perverso das circunstâncias. Como medidas de esforços usamos uma gama de recursos que o gestor da rede pode realocar de uma escola para a outra no intuito de desfazer os efeitos da desigualdade existente. Alguns exemplos são equipamentos e manutenção da escola, existência e condições de recursos pedagógicos, tamanho das turmas, experiência do professor, entre outros.

Primeiro, apresentamos um modelo e construímos um contrafactual no qual o agente de decisão política, ao fazer esforços diferenciados nas escolas, é capaz de desfazer os efeitos das circunstâncias nos resultados educacionais. Em seguida, aplicamos este modelo a uma base de escolas municipais do Brasil, com mais de 37.000 unidades, em 1.301 redes municipais de ensino público avaliadas.

Usando a variância como uma medida significativa de desigualdade em testes padronizados, os resultados mostraram que até 37% da variabilidade de notas em matemática e português, ou seja, mais de 1/3 das diferenças, é proveniente das circunstâncias dos alunos. Esta é uma desigualdade que não deveria existir caso o sistema educacional oferecesse oportunidades iguais para todas as crianças.

Em seguida, analisamos diferenças no nível de esforço desempenhado nas diversas redes de ensino. Observamos que, em média, há pouca variabilidade neste quesito. No entanto, estimamos que, se cada rede exercesse o nível ideal de esforço, aquele que reduz a desigualdade de notas diminuindo a variância entre elas, a desigualdade em notas atribuída às circunstâncias poderia ser reduzida em 12,6%.

Dessa forma, a discussão sobre desigualdades educacionais deve ser focada em dar as mesmas oportunidades a todos. Para isso, formuladores de políticas e gestores das redes públicas de educação precisam exercer esforços para que todas as escolas tenham as mesmas condições de ensino, independentemente das condições dos alunos que as frequentam.

* Clarice Carneiro Martins é doutora em Economia pelo Insper e bacharel em Administração de Empresas pela San Diego State University. Atua como especialista em pesquisa na Cátedra Instituto Unibanco, no Insper.

** Sergio Firpo é professor titular da Cátedra Instituto Unibanco no Insper e Elected Fellow da Econometric Society. Possui Ph.D. em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley.

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