Qual é o risco ambiental dos produtores rurais brasileiros?
Levantamento nacional revela os estados mais avançados e os mais atrasados na implementação do Código Florestal. Por que isso é importante
Publicado em 22 de dezembro de 2021 às, 13h12.
Última atualização em 22 de dezembro de 2021 às, 13h13.
Por Alexandre Mansur
O comportamento de consumo no Brasil acompanha os reflexos da preocupação global com questões ambientais. Hoje, consumidores brasileiros não querem mais saber apenas do produto final que chega até eles – o processo de produção se faz, por vezes, mais importante do que o próprio fim para a tomada de uma decisão de consumo. Diante disso, obedecer ao Código Florestal não é mais opcional para produtores rurais: se antes se ajustar a ele era uma questão majoritariamente burocrática, na busca de se livrar de multas e retaliações, atualmente é uma tremenda oportunidade de negócio. Explico o porquê: com a tendência de mudança no comportamento de consumo motivada pelas preocupações ambientais, se adequar ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) é uma garantia de entrar em mercados que exigem certificação. Além disso, empresários do campo que se alinham ao Código ganham mais oportunidades, já que passam a produzir produtos em harmonia com a floresta e agrofloresta, que são mercados com tendência de crescimento. Diante disso, uma pergunta se faz necessária: como será que anda a implantação do Código Florestal pelos produtores rurais brasileiros?
Não é de hoje que se fala em CAR. Instrumento usado para medir os esforços de governos e proprietários rurais para quitar suas pendências ambientais, o CAR está prestes a completar uma década - mas seus avanços ainda galgam o patamar ideal. Em 2012, quando foi criado pelo Novo Código Florestal, um objetivo muito claro se estabelecia com a ferramenta: o de registrar as características ambientais de um imóvel, a fim de indicar sua vegetação nativa conservada e/ou aquela que precisava ser recuperada. Porém, passados dez anos, sua implementação ainda é repleta de atrasos. Um levantamento recente feito por pesquisadoras brasileiras do CPI (Climate Policy Initiative), centro de pesquisa baseado no Rio de Janeiro e associado à PUC-Rio, põe à luz avanços e atrasos no que tange à implementação do CAR e do Plano de Regularização Ambiental (PRA) pelos produtores rurais. É um retrato mais completo de como os empresários do agronegócio brasileiro estão se ajustando ao cenário de cumprimento das leis florestais. De forma pontual e resumida, uma coisa é certa: apesar de ainda não estar no patamar ideal, é fato que alguns estados avançaram nas análises do CAR feitas pelos proprietários de terra. Em contrapartida, fazendeiros ainda demoram a passar para a etapa de regularização ambiental de suas propriedades. Para ser breve: há avanços, mas eles não eliminam o longo caminho que ainda se faz necessário percorrer.
Por se tratar de um processo realizado por órgãos estaduais, a implementação do CAR varia muito em todo o país. Performances relevantes, entretanto, merecem ser destacadas, como é o caso dos estados do Acre, Pará, Mato Grosso e Rondônia, os quatro mais avançados do Brasil no que tange à implementação do CAR. Os dois primeiros (Acre e Pará), são os detentores dos melhores índices no ano de 2021. Quando o tempo de avaliação é ampliado para o período total, Mato Grosso lidera. Roraima e Piauí estão do outro lado da balança, figurando entre os estados mais atrasados - não tendo, sequer, iniciado a etapa de análise dos cadastros. Os estados em questão também não regulamentaram o PRA, nem as regras de restauração de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal.
A seguir, os principais destaques:
Acre - Teve um aumento de 48% do número de inscrições no CAR em 2021. O estado também triplicou o número de técnicos dedicados à análise dos cadastros e aumentou em 61% o número de termos de compromisso assinados, atingindo o total de 296. Com esse montante, tornou-se o segundo estado do país com mais termos de compromisso em execução.
Pará - Registrou um aumento expressivo no número de cadastros analisados, com um crescimento de 272%. Já o total de cadastros validados aumentou em 60% e o de termos de compromisso assinados em 88%. Apesar de ser o terceiro estado em número de termos de compromisso firmados (280) para recuperação dos passivos em APP e Reserva Legal, a área a ser restaurada, 22 mil hectares, é três vezes maior que a área a ser recuperada. Além disso, o Pará é o estado com mais técnicos dedicados ao CAR e PRA, contando com a colaboração de técnicos da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado (Semas) para análise de CAR e de empresas contratadas. Além disso, o estado lidera o número de cancelamento de cadastros sobrepostos à Terras Indígenas e Unidades de Conservação, tendo cancelado mais de mil cadastros irregulares.
Mato Grosso - Quando a análise é feita desde a implantação do CAR, Mato Grosso é o líder. Em termos absolutos, o estado se destaca dos demais por ter 51 mil cadastros com análise iniciada, o que representa 46% dos cadastros do estado, 6.158 cadastros validados e 454 termos de compromisso firmados para regularização ambiental dos imóveis rurais
Quais são os desafios?
De forma geral, a etapa de inscrição dos imóveis rurais no CAR já está bastante avançada em todo o país e não há indicativos de estagnação. A base cadastral aponta, inclusive, para um aumento significativo de novas inscrições em alguns estados. O processo de análise dos dados declarados também tem aumentado, mas já se reduz para um grupo mais seleto de estados, como Espírito Santo, onde aproximadamente 72% dos cadastros já passaram por essa etapa. Mato Grosso (46%), Acre (20%), Amazonas (20%), Pará (20%) e Rondônia (20%) também entram nessa lista.
Entretanto, o cenário positivo desse processo esbarra, sobretudo, na conclusão do mesmo. Isso porque a validação dos dados se constrói como um enorme desafio, já que as altas taxas de reanálise dos cadastros e dificuldades no contato com produtores impedem a finalização das análises. O Pará, por exemplo, estado que aparece positivamente em vários outros critérios, possui destaque negativo para esse: dos 47 mil cadastros que já foram objeto de análise, 45 mil estão aguardando resposta dos proprietários para retificação ou complemento de dados. Infelizmente, ele não é um caso isolado: Acre, Amazonas, Mato Grosso, Paraná e Rondônia estão em situação similar.
Fica claro, com isso, que o desafio para se chegar à etapa final de regularização ambiental dos imóveis rurais é enorme. O desinteresse de produtores na adesão ao PRA impacta diretamente nesse processo e faz com que apenas uma parte dos cadastros já validados sigam para a etapa de assinatura de Termo de Compromisso (TC) para a recuperação dos passivos em APP e Reserva Legal. Nesse ponto, o Acre é um dos únicos destaques positivos: cerca de 60% dos cadastros validados com passivos no estado já possuem TC. Esse número cai para um terço quando falamos do Mato Grosso e do Pará, que atingem apenas 20%. Em Rondônia o resultado é ainda pior, com termos firmados correspondendo a somente 5% dos cadastros validados com passivos.
Na tentativa de melhorar esse cenário, 15 estados já promoveram a regulamentação do PRA e a maioria já adotou critérios e parâmetros para a restauração dos passivos em APP e Reserva Legal. Entretanto, a construção de uma base legal para regularização dos imóveis rurais ainda segue muito atrasada em nove estados (Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima, Sergipe e Tocantins) e nos impede de inativar o alerta de preocupação.
COM TAINÁ CAVALCANTE