Pequenas iniciativas levam a grandes obras
Estamos no meio de uma transição muito grande, a partir da qual diversos segmentos encontram-se em crise
Publicado em 16 de outubro de 2021 às, 09h00.
Última atualização em 16 de outubro de 2021 às, 09h59.
Por: Fabiana Monteiro
Manuela Camargo Bernis - Sócia na EY – Ernst & Young
Iniciei minha carreira como Consultora e, 10 anos depois de formada, comecei a atuar na área de Recursos Humanos. Não imaginava que um dia trabalharia no RH, e cheguei até essa área de maneira natural. Sou formada em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo, e assim que terminei a Graduação emendei ali mesmo um Mestrado. A vocação para Administração surgiu ainda no Ensino Médio. Eu tinha um sonho, uma vontade de trabalhar no setor público brasileiro, pois almejava trazer mais profissionalização a esse segmento. Gostei demais de meu curso desde o começo e, depois, trabalhei vários anos com Gestão de Projetos em consultoria.
Em alguns momentos de minha carreira, deparei-me com a decisão de continuar no RH ou voltar para a consultoria. Algumas vezes avaliei que a área de RH ainda estava muito longe do que é essencial para levar uma empresa à realização dos seus potenciais. Uma vez, cheguei até a ter sessões de coaching para tomar uma decisão mais consciente entre permanecer na área de RH ou mudar minha carreira para a área de Gestão de Projetos. Ao final do processo, naquele momento, compreendi que poderia permanecer no RH, pois dentro dessa área teria ferramentas para realizar as transformações que eu sempre quis. E não me arrependo da minha decisão, pois toda a experiência que tive em RH permite-me hoje olhar para o fator humano nas empresas de maneira muito mais profunda.
As experiências moldam o profissional
Quando cursei a FGV, diversos professores me influenciaram, e desde o início comecei a me envolver com atividades da própria Fundação. Aliás, houve um momento em que pensei em seguir a carreira acadêmica, pois trabalhei bastante com os professores. Cheguei a ser Monitora de muitas matérias, fui congregada (que é uma representação dos alunos perante um órgão decisório da Fundação), fiz projetos de pesquisa com professores, trabalhei no Núcleo de Consultoria. Então a FGV, os professores e o ambiente influenciaram bastante a minha carreira e formação. Tanto que me formei em 1992 e fiquei trabalhando junto aos professores até 1999. O Professor Marcos Cintra, que inclusive até 2019 estava na Receita Federal, foi uma pessoa que me estimulou bastante no início da carreira. Foi com ele, por exemplo que aprendi a fazer planos de governo.
Assim que a Graduação terminou, algumas empresas me procuraram e fui convidada a participar de processos para trainees. Mas, naquele momento, tomei a decisão de permanecer como Consultora, trabalhando em projetos, o que aconteceu durante bastante tempo, através do networking que fiz na FGV. Eu fazia parte do Núcleo de Consultoria e, inclusive, uma das atividades que realizei, junto com outros colegas, foi a formação de um Centro de Estudos do Terceiro Setor, em 1994. Assim, tive a oportunidade de trabalhar para Empresas do Terceiro Setor, bem como para um projeto no Estado de Rondônia e um estágio na Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo.
Nessa época, também aprendi a escrever projetos de financiamento para organismos internacionais e atuei junto a Empresas em vias de privatização, caso da Embratel, uma parceria de cerca de um ano, na qual ajudei o RH a preparar-se para a privatização. Foram muitos projetos diferentes, feitos para Empresas, Prefeituras e Governos de Estado. Passei por várias experiências distintas e isso me deu uma boa base de conhecimento. Foi uma época de extremo aprendizado.
Mudança de planos
Em determinado momento da carreira, já com quase 30 anos, decidi partir para o mercado privado. Cheguei à conclusão de que, no Brasil, a administração pública profissional existe até certo nível e, depois, os muitos cargos de confiança não facilitam chegar aos primeiros escalões do governo. Então, desisti da Administração Pública e decidi entrar em uma empresa privada, como Consultora na área de Gestão de Mudanças.
Ao longo da minha trajetória profissional, deparei-me com vários desafios, que me ajudaram a crescer e desenvolver maturidade e resiliência. Um dos grandes desafios foi a experiência de trabalhar em uma determinada Empresa, muito boa e conceituada no mercado. Ao entrar na Empresa, notei rapidamente que eu não tinha muito a ver com a cultura daquela Companhia. Foi um momento difícil para mim, porque me senti deslocada e esgotada energeticamente. Naquele momento, acredito que as pessoas não viam o meu melhor. Com 3 meses de casa, percebi que não ia dar certo. Mas ainda permaneci lá durante 1 ano e meio, trabalhando para me aprimorar e fazer o melhor possível, mesmo com algum sofrimento.
No entanto, esse período foi essencial para a minha carreira e desenvolvimento, pois eu realmente tive que me perguntar: “O que eu posso aprender aqui? O que isso está me acrescentando?”. Todos os dias eu fazia essas perguntas e buscava me superar e tentar encontrar o porquê de estar passando por aquela experiência. Assim, obtive aprendizados importantes lá, que até hoje trago comigo. E se não fosse essa passagem da minha trajetória, eu não ia ser a profissional que sou, disso não tenho nenhuma dúvida.
Democratização da educação
Ter uma base sólida foi fundamental, pessoal e profissionalmente. Infelizmente, nem todos têm a oportunidade de estar em escolas que tenham um bom padrão de ensino. Mas aqueles que não tiveram essa chance podem buscá-la complementando seus estudos. A Faculdade, na verdade, traz pouco conteúdo profissional, mas muitas diretrizes de como estudar e o que buscar. Quem passa por uma Faculdade tem de se aplicar, se esforçar para conhecer mais e ir em busca dos seus objetivos, ser protagonista. Ficar parado esperando as coisas acontecerem não é uma boa opção.
A Graduação é uma base, e depois vem as Pós-Graduações, as Especializações, conteúdos que entram mais no campo que o profissional quer atuar. Atualmente, o cenário está mudando rapidamente, pelo avanço da tecnologia, surgimento de novas profissões e áreas completamente novas. Por isso, é importante ampliar a visão e o conhecimento de áreas contemporâneas e trazer para perto de si mais ferramentas profissionais que a Faculdade não traz. Tanto que está em voga no momento o conceito Lifelong Learning, em que o indivíduo busca conhecimentos de maneira contínua. Afinal, diariamente nos deparamos com uma carga considerável de informações novas, que precisam ser digeridas.
Outra característica desse momento que estamos vivendo é o self-direction, em que cada um de nós precisa buscar o que quer. Dessa maneira, não se pode mais ficar esperando o conhecimento chegar, reclamar que a Empresa não dá isso ou aquilo. O profissional precisa participar de congressos, seminários, cursos on-line e presenciais, que sejam capazes de trazer mais ferramentas e amplitude. E se por um lado o aprendizado constante parece cruel, por outro é algo bem mais livre do que antigamente e mais acessível a todos. Afinal, mesmo aquela pessoa que recebeu uma educação deficitária pode conseguir se qualificar rapidamente por conta dessas ferramentas, como os cursos em ambiente digital, algo que antigamente era muito mais difícil acontecer. É o que chamo de democratização da educação.
A pandemia aprofundou e consolidou ainda mais essa tendência, tornando mais acessíveis cursos que antes eram caros e somente oferecidos presencialmente. É o momento de todos aproveitarem para encontrar informações relevantes para seu crescimento e desempenho profissional e pessoal.
Olhar para dentro de si para conhecer as próprias habilidades
Seja em casa ou no ambiente profissional, eu me vejo como uma única pessoa. Busco ser eu mesma em qualquer ambiente. Busco um centramento em tudo o que faço e quero estar sempre disposta a ajudar. Isso implica auxiliar as pessoas a encontrarem seu potencial, ser quem elas são, ter mais consciência sobre seus talentos e habilidades, o que as deixa felizes, como podem viver melhor e o que podem fazer para usufruir do melhor da vida, em todos os sentidos, direcionando-as também para que possam ter um olhar para a Organização.
Eu, então, tenho um olhar para a pessoa e um olhar para a Organização. Por exemplo, na Thermo Fisher fui durante 2 anos sponsor da prática de melhoria de processos na Empresa. Essas ferramentas ajudam as pessoas a se engajarem mais com o trabalho delas e, consequentemente, ficarem mais satisfeitas com o que podem obter e agregar de valor. Atualmente existe uma crise latente no âmbito profissional. Muita gente não sabe mais o que quer, e isto está acontecendo em todos os lugares. Agora, a pergunta é: por que isso está acontecendo?
Vejo que é um chamado para as pessoas entrarem mais dentro de si mesmas e se questionarem: “O que eu posso trazer para este mundo?”, “O que me traz real satisfação?” ou “O que preciso buscar para me desenvolver?”. Essas são algumas das muitas oportunidades que os novos modelos trazem, como várias Startups, serviços novos que podem ser criados, habilidades únicas ou algo que se possa fazer com criatividade. Trata-se de um panorama contemporâneo que representa possibilidades muito mais amplas. Como profissional, quero ajudar as pessoas a visualizarem o que pode torná-las mais felizes e a destravarem situações que as impedem de atingir seus objetivos. É isso que procuro dentro da Empresa, nas minhas relações e e em todos os níveis da minha vida.
A missão da área de RH
Como o RH pode agregar valor para o negócio? Esse sempre foi meu olhar, e sempre procurei formar os times nesse sentido. Além disso, em âmbito mais amplo, trabalho para termos um mundo no qual as pessoas tenham mais consciência, mais entendimento de sua própria missão ou propósito.
Nesse processo, é importante levar profissionais até as escolas para falarem de suas carreiras. E isso ajuda na hora das escolhas profissionais. Claro que há fatos na vida em que temos que passar pela experiência para aprender, mas existem muitas outras situações em que podemos aprender com a vivência de outros. Creio que deveria haver mais oportunidades para essa troca, pois a experiência de alguém pode contribuir bastante. Isso se encaixa com a praticidade do cenário atual, em que temos cada vez mais ofícios, algo que, acredito, vai ampliar ainda mais. É preciso criar oportunidades de mais compartilhamento, porque muitos podem olhar e concluir: “Nossa! Que legal essa trajetória e a decisões que foram tomadas!”. E isso pode ajudar muito para que outros deem um direcionamento na sua carreira.
Um dos trabalhos que eu particularmente tenho é para uma Organização que se chama Menttium. Lá sou Mentora há alguns anos e assessoro uma pessoa a cada ano. O que procuro fazer nesse sentido é ajudar o Mentorado a olhar para si mesmo e enxergar aonde quer chegar com aquilo que tem em mãos. Também posso falar de mim, sobre como fiz para definir meus objetivos, para me desenvolver e ultrapassar as dificuldades que tive no meio do caminho. Por isso, creio que o Mentor tem de ser alguém que tenha estado em alguns lugares antes de assumir uma mentoria. Isso ajuda bastante. Pode ter pessoas que fazem mentoring sem ter tanta experiência? Pode! Mas eu acho que que essa relação de desenvolvimento funciona melhor quando o condutor passou por determinadas experiências que o qualificam a poder guiar alguém.
Hoje, cheguei a um momento de minha carreira no qual estou retornando como Sócia de uma grande Consultoria Empresarial, com um propósito muito claro: ajudar as organizações a encontrarem o seu propósito e a ele se direcionarem, através de ações planejadas para transformar suas estruturas e processos, fundamentados na experiência das pessoas. Trata-se da disciplina de Gestão de Mudanças, através da qual o fator humano nas transformações é evidenciado e deliberadamente tratado, para que os objetivos estratégicos sejam plenamente realizados, proporcionando resultados extraordinários tanto para as Empresas como para seus colaboradores.
O momento é de uma mudança de era
Estamos no meio de uma transição muito grande, a partir da qual diversos segmentos encontram-se em crise. Não estamos em crise só em termos políticos ou econômicos. A digitalização, as novas habilidades, a tecnologia, todas essas questões estão trazendo a crise, deixando as pessoas em pânico, doentes, muito ansiosas. Por isso, creio que se trata de uma mudança de eras. E o que precisamos fazer é nos centrarmos, buscarmos um silêncio em todas as situações para vivermos o agora. É preciso ver o que está dentro de nós que nos faz melhor, e não se deixar levar pela crise. Ao contrário, nesses dias conta muito ser determinado e ter propósitos.
E vale sempre se questionar: “Como posso ajudar?” ou “Qual a minha parte?”. A minha parte pode ser desde questões relacionadas à minha casa e à minha família a fatores vinculados à Empresa em que trabalho. Enfim, em que posso contribuir para que a Empresa chegue aos seus objetivos e continue a sustentar tantas famílias que estão vinculadas a ela? O que eu posso fazer para trazer um pouco mais de ética para o Brasil e o mundo? Todos esses pontos só poderão ser acessados se estiver mais centrado. Esse é o caminho.
O papel das Empresas e do Estado
As Empresas têm um papel muito importante na área social e há muitos teóricos que dizem isso. Richard Barrett é um deles. Uma das suas afirmações diz que a mudança social virá pelas Empresas, já que o sistema governamental está deveras complicado, devagar, inchado e engessado. Em contrapartida, as Empresas têm muito mais flexibilidade e possibilidade de atuar na área social. E nós, como Executivos de Empresas, procuramos fazer isso. Vejo muitas corporações com grandes projetos sociais, não pensando em propaganda (apesar de algumas terem isso apenas como fachada), mas sim como realmente uma consciência de que as Empresas têm um papel importante nesse processo.
É preciso investir, fazer ações de voluntariado, ter um olhar social, porque os Governos não vão dar conta da demanda crescente. Durante a minha trajetória profissional eu fui do board da Enactus, uma organização sem fins lucrativos e que tem como objetivo projetos sociais sustentáveis. Então, as Empresas investem na Enactus, que direciona recursos para projetos em comunidades carentes, para que possam trazer alternativas sustentáveis de desenvolvimento econômico. Esses modelos têm se provado um sucesso para trazer mudanças sociais, porque os órgãos estatais estão com outro tipo de preocupação, que inclui políticas externas, economia, incentivos e desenvolvimentos. Afinal, existem iniciativas que só o Estado pode promover. Mas creio que as Empresas é que vão realmente ter a força, a organização e o olhar para cuidar da questão social.
Juntos somos mais fortes
Minha visão é que as próximas gerações tenham um olhar sistêmico sobre todas as coisas e percebam que somos parte de um todo, e cada um de nós pode fazer a diferença. É preciso entender que a contribuição individual não é pequena, se unirmos todas elas. Às vezes, buscamos fazer obras muito grandiosas e nos esquecemos que temos que começar nas pequenas iniciativas, ajudando uma pessoa, depois outra. E assim é possível contribuir dentro da Empresa e socialmente. Estamos no meio de uma transição e o momento pode ser brilhante, só depende de cada um de nós.