Onde falta coerência, falta liderança
Em seu artigo desta semana, Fabiana Monteiro conta a trajetória de Daniela Ota, diretora-geral da Christian Dior no Brasil
Da Redação
Publicado em 18 de março de 2022 às 18h12.
Por Fabiana Monteiro
Sou mineira, nascida em Uberlândia em 5 de maio de 1979. Isso me define muito. Embora tenha saído de lá aos três anos, sou uma mineira de verdade. Meus pais – Nilson e Luzia Ota – são a primeira geração da família de japoneses nascidos no Brasil e esta raiz imigrante traz a resiliência de quem teve uma vida dura na agricultura, mas também esperança e empreendedorismo. Isso ajudou na construção de toda uma cultura que visa a sobrevivência e seguir em frente.
Desembarcamos na capital paulista em 1983 e, 9 anos depois, fomos para Araçatuba, onde fiquei até terminar o ensino médio. De volta pra São Paulo, vim cursar a graduação na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), entre 1998 e 2001. Todo mundo fala que quem não sabe que rumo tomar, faz Administração. Mas não era o meu caso. Confesso que, inicialmente, até pensei em Marketing, no entanto, tinha um tio que era executivo e a filha dele tinha entrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Então, inspirado nele, fiz a minha escolha. Lembro também que Chieko Aoki, fundadora e presidente da rede Blue Tree Hotels, foi uma das minhas primeiras influências de executiva mulher, e fiquei feliz quando, mais recentemente, pude confidenciar isso diretamente para ela. Sou muito grata por esta inspiração.
Em 2000, quando ainda estava na faculdade, tive a oportunidade de iniciar um estágio na Natura. Fiquei lá por seis meses, e foi um sonho. Lá, conheci Anna Chaia, outra fonte de inspiração para mim, que, na época, era diretora da Unidade de Negócios. Depois, fui para a Unilever, onde fui muito feliz por um ano e meio. Ali, comecei mesmo, ainda que como estagiária, a minha vida em Marketing. Essa chegada à Unilever não foi algo ocasional, mas fruto de um desejo prévio e profundo de trabalhar ali. Sabia o quanto a empresa investia nos processos de marketing e mídia, com muita ativação e inovação em produtos. Sentia-me realizada trabalhando lá. Mas minha vida profissional tinha de continuar.
Foi assim que, depois de participar de um processo de seleção para trainee, entrei na Abril. Nesta editora entendi o que é mesmo diversidade dentro de um ambiente de trabalho, em uma grande corporação. Éramos diferentes; tínhamos experiências diferentes; pensávamos diferente. Por isso que era tão divertido. Em um andar, os engravatados da revista Exame; em outro espaço, a jovialidade do pessoal da Capricho; mais além, os descolados da Info; e assim por diante. Hoje, sou resultado dessas minhas experiências, do fato de ter sempre lidado com mulheres e do meu vínculo com as áreas de Marketing e Comercial. Isso me levou à cadeira que ocupo agora, de diretora-geral da Christian Dior no Brasil.
Sou uma especialista em mulheres
Na Editora Abril, sempre ouvia que quem trabalha em empresas de comunicação, mídia e jornalismo nunca mudava de segmento. Dessa forma, acreditava que teria que seguir sempre no mundo da comunicação, mesmo que em outra Editora. Mas, procurando por novas experiências e desafios, consegui sair deste universo indo para o de consumo de luxo, quebrando este estigma.
Confesso que, até então, jamais tinha pensado no mercado de luxo, mas fui “com a cara e a coragem”. Acabou que deu tudo certo e fui contratada, em outubro de 2007, como gerente de Marketing. Já havia passado por diversos projetos de marketing, desde funil de inovação, desenvolvimento de produtos e conceitos, eventos, pesquisa de mercado, marketing direto, marketing publicitário e este foi um movimento importante, pois sentia que estava na hora de dar uma virada e vivenciar o Trade Marketing como Brand Activation de um mercado local. O mercado de perfumaria naquele tempo era algo muito familiar e pequeno. Por mais que eu estivesse em uma multinacional, foi um choque, até porque a Dior, na época, passava por um desafio grande precisando se rejuvenescer.
Hoje o setor de beleza de luxo vive um outro momento e foi muito bom crescer juntamente com esse mercado, e com a Dior, que vive hoje um dos melhores momentos da marca.
Como me disse uma vez um headhunter: sou uma especialista em mulheres. O mercado da beleza é muito pró-feminino, com muitas diretoras e executivas. Em toda minha trajetória, estive sempre cercada de consumidoras, profissionais e líderes mulheres. Então, isso é uma característica bem forte em mim. Ainda temos muito que evoluir na equidade entre homens e mulheres nas posições globais no Top Management, mas aqui no Brasil tenho uma preocupação de promover a equidade de gênero (incluindo mais homens no nosso dia a dia) além da social e racial.
Depois de quatro anos em Marketing, encarei o desafio de migrar para o Comercial, em 2012. Estava no quinto mês de gravidez, e esta é uma área com um ritmo de viagem intenso. Conversei com meu marido, e ele me tranquilizou e apoiou. Assim acabaria me tornando gerente nacional de Vendas e depois diretora Comercial. Amei meu novo papel, com suas estratégias e a valorização dos processos, da negociação e do relacionamento com pessoas. Foi um momento importante para mim, que contribuiu para complementar a bagagem que trazia comigo até ali.
Aprendizado deve ser contínuo, independentemente de certificado
Depois da graduação, fiz uma especialização em Gestão de Marcas na Fundação Getúlio Vargas e uma pós em Administração no IBMEC. Mas, embora tenha feito outros cursos neste período, e mantido o estudo do francês por 14 anos, me considero uma autodidata. Identifico minha necessidade e busco aperfeiçoamento. Precisei, por exemplo, estudar como fazer uma mentoria para aplicar internamente no grupo LVMH, e como mentora no Programa para mulheres pretas e pardas, “Meu caminho até a cadeira número 1”, criado pela minha amiga e inspiração Rachel Maia. Necessitávamos também criar um Comitê de Sustentabilidade LVMH no Brasil, que era algo que até então não existia. Então foi preciso pesquisar, fazer muitas leituras, conversar com muita gente e entrevistar pessoas do ramo. Formação e atualização vão muito além daquela formal. Acredito que o aprendizado deve ser contínuo, independentemente de vir acompanhado de certificado.
Tem ainda a aprendizagem com as pessoas que nos cercam. Por isso que digo que meus primeiros mentores foram meus pais e sei o quanto me motivaram a seguir em frente. Com eles, despertou em mim o desejo de vencer e de jamais se entregar. No entanto, além deles, fui muito feliz ao longo de toda minha trajetória profissional por contar com dois coach de carreira (Philippe de Langlais e Christian Corsi), mas principalmente com líderes inspiradores, que se tornaram igualmente meus mentores. Minha construção como profissional se deve à relação que mantive com eles, especialmente Alberto Gonçalves e Delphine Di Menza, ambos na Dior.
Delphine, que é francesa, esteve conosco por 3 anos, até 2016, e é também responsável pela minha transformação como profissional. Ela tinha uma maneira diferenciada de gerenciar, com régua muita alta, extraindo o máximo que cada um pode entregar. Em um momento de dificuldade, ela manteve a confiança e fez com que cada um performasse um pouco mais. Já Alberto era o nosso vice-presidente para América Latina e hoje é diretor Global de Vendas e membro do Conselho da Bvlgari, outra empresa do grupo LVMH. Ele acreditou em mim quando migrei para o Comercial, guiando e me orientando. Por isso, são figuras importantes nesta história.
Com eles, me desenvolvi e pude colaborar para transformar uma subsidiária que tinha resultados negativos em uma operação lucrativa. Isso passa pela transformação digital que experimentamos nos últimos cinco anos. Hoje me sinto muito feliz por ter a equipe que tenho, com profissionais que entregam, performam e são líderes inspiradores para mim e suas equipes. De novo, puxamos para cima a régua e atingimos um alto grau de confiança e trabalho colaborativo. Elevamos também a nossa autoestima, como subsidiária brasileira, pela nossa força digital e resultados alcançados. E a pandemia, inclusive, nos forçou a isso. Já tinha feito mais de dez business plan anteriormente alertando para a importância da criação do nosso e-commerce, sem que isso fosse adiante. Com a Covid-19, em cinco meses já o tínhamos aprovado e implantado, gerando excelentes resultados.
Criei casca e fui promovida
Até minha transição, eu enxergava o Comercial com um mindset antigo, como aqueles que “empurravam” a venda pensando simplesmente na meta a ser alcançada, sem levar em conta a necessidade do cliente. A gestão era muito mais pessoal do que baseada em negociação e estratégia. Acredito que é muito importante ter no Comercial alguém que venha de Marketing, especialmente no segmento de luxo. Este tipo de profissional é, geralmente, alguém que tem a visão de preservar e perenizar a marca. Por isso que digo para minha equipe: “Quem planta tâmaras não colhe tâmaras”. É um ditado antigo, pois antigamente demorava 100 anos do plantio à colheita da fruta. Evidentemente, temos obsessão por vender mais, mas o Comercial trabalha visando ao longo prazo.
E o curioso é que o convite para que eu fosse para o Comercial não partiu de ninguém, pois todos sabiam minha posição sobre este tema. Portanto, fui eu mesma que procurei nosso VP e perguntei o que ele achava da área em termos de carreira. Alberto me disse que, no caso da Dior, o Comercial era o core business da companhia e que precisava de alguém que tivesse branding. Disse ainda que, se eu quisesse, poderia trilhar naquela direção. E eu quis. Tinha inclusive uma pessoa já preparada para assumir o meu lugar em Marketing. Assim, mudei em um momento em que a empresa precisava de alguém com o meu perfil naquele lugar. Apresentei então minhas condições – reestruturação em clusters e redes, mudança de mindset de sell-in para sell-out e um ano para reorganizar tudo. Enfim, recomeçamos do zero, alinhamos prazos com o global, definimos os próximos passos e fomos bem-sucedidos.
Estou há bastante tempo na Dior e com isso veio a maturidade. Alberto sempre falou para mim: “Daniela, falta casca”. Na linguagem dele, “casca” é quilometragem, experiência, independente se você entrega os resultados e se tem competência. Hoje repito a mesma expressão para os meus diretos. Entendo que este período de maturação representa meu turning point de carreira. Quando criei casca, eu fui promovida a diretora-geral.
Ao líder cabe aprender e ensinar
Uma das armadilhas profissionais é trabalhar em silos, porque, deste modo, falta colaboração, comunicação, integração, aprendizado mútuo. É cada um caminhando para um lado. Portanto, nada de trabalhar pensando apenas no próprio departamento ou só no resultado individual. Seja também coerente, ou como se diz: Walk the talk (Ande de acordo com suas palavras!). Onde falta coerência, falta confiança. E uma equipe onde falta confiança não produz o quanto pode produzir.
E, ainda que tenha se tornado um senso comum, nunca é demais destacar: ao líder cabe tanto aprender quanto ensinar, portanto, jamais poderá renunciar a empatia e humildade. Todos temos nossos medos e angústias, então, é preciso estar disposto a ouvir, apoiar e ajudar o outro. E não só isso. Também é fundamental ter a capacidade de identificar o que cada liderado tem de melhor e desenvolvê-los para que sejam ainda melhores do que quem o ensina. Então, dê a eles autonomia, pois assim cada um descobrirá seu próprio tamanho.
Por outro lado, daqueles que lidero, espero sede de aprender e disponibilidade para novos desafios. Gosto de trabalhar com pessoas apaixonadas pelos que fazem e adaptadas à cultura organizacional da empresa. Quando todos estão alinhados aos princípios que a organização defende, caminham juntos em uma mesma direção. Isso que é fundamental.
Foi isso que fizemos logo no começo da pandemia. Tivemos de usar nossa criatividade e dedicação e cada um conseguiu fazer atividades que iam além dos seus departamentos. Quem fazia vitrine nos pontos de venda começou a desenhar websites ou fazer todo o desenho digital, porque todas as lojas estavam fechadas. Quem oferecia treinamento apenas nos lugares físicos, passou a fazer o mesmo no formato on-line. Todos se mostraram versáteis e, assim, conseguimos abrir novos caminhos. Cada um revelou múltiplos talentos e foi lindo ver do que são capazes. Por isso que cada um faz a sua cadeira do tamanho que desejam. Quem quiser se manter no cargo, tudo bem. Quem quiser abraçar o mundo, tudo certo também, desde que ninguém invada o espaço do outro. É preciso respeitar isso.
A responsabilidade de ser feliz é intransferível a terceiros
Aprendi com a pandemia a relevância da humildade e que o líder também pode mostrar suas vulnerabilidades. Ser líder não implica ter todas as respostas, mas empregar toda sua energia para buscá-las, pois é o que vai diferenciar uma boa de uma má decisão. É para isso, principalmente, que lá estamos, para tomar decisões. Muitas delas são difíceis e duras, daí ser imprescindível se munir de informação e bom senso.
Também durante a pandemia redescobri o tênis, esporte que hoje pratico três vezes por semana. É uma atividade muito mental e, conforme alguém me disse, exige autoperdão e humildade ao mesmo tempo. Se você não vai bem em um lance, perdoe-se. E, se consegue uma jogada muito boa, “calma, vamos para o próximo”. Outro dia da semana é reservado para o beach tennis. Aí é pura diversão com as amigas. Tenho feito isso há mais de um ano, mas lembro que conheci o meu marido, André Ito, nas quadras de tênis do Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp), onde começamos a jogar, ainda na época da faculdade. Hoje temos duas filhas: Beatriz, de 12 anos, e Letícia, de nove.
Ainda tenho aproveitado meu tempo para colocar em dia minha leitura. Gosto muito de biografias. Neste momento em que escrevo, estou lendo a biografia da imperatriz Leopoldina ( A biografia íntima de Leopoldina, de Marcílio Cassotti). Mas li outras mais recentemente, como a da viúva Clicquot e a do Assis Chateaubriand. Não leio tanto ficção e romance, mas, ainda em 2021, diverti-me com Travessuras da menina má, de Mario Vargas Llosa, indicado pela Paula Paschoal, que é minha referência em literatura.
Contudo, minha grande paixão mesmo sempre foi trabalhar com pessoas, diversas, cada uma com seu talento, com sua trajetória. Todas me inspiraram e sou muito grata pela generosidade daquelas com quem aprendi, troquei conhecimentos, choros e muitas risadas. Se posso deixar uma última mensagem, ressalto: sempre busque para trabalhar em um lugar que tem os mesmos propósitos que o seu e que você admire os produtos, a empresa e sua cultura organizacional. A responsabilidade de ser feliz como profissional e como seres humanos é somente nossa. Portanto, essa importante missão nunca poderá ser terceirizada para nenhuma pessoa ou nenhuma empresa. A todos, desejo garra, força e fé!
Dica de leitura de Daniela Ota: A biografia íntima de Leopoldina, de Marcílio Cassotti
Por Fabiana Monteiro
Sou mineira, nascida em Uberlândia em 5 de maio de 1979. Isso me define muito. Embora tenha saído de lá aos três anos, sou uma mineira de verdade. Meus pais – Nilson e Luzia Ota – são a primeira geração da família de japoneses nascidos no Brasil e esta raiz imigrante traz a resiliência de quem teve uma vida dura na agricultura, mas também esperança e empreendedorismo. Isso ajudou na construção de toda uma cultura que visa a sobrevivência e seguir em frente.
Desembarcamos na capital paulista em 1983 e, 9 anos depois, fomos para Araçatuba, onde fiquei até terminar o ensino médio. De volta pra São Paulo, vim cursar a graduação na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), entre 1998 e 2001. Todo mundo fala que quem não sabe que rumo tomar, faz Administração. Mas não era o meu caso. Confesso que, inicialmente, até pensei em Marketing, no entanto, tinha um tio que era executivo e a filha dele tinha entrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Então, inspirado nele, fiz a minha escolha. Lembro também que Chieko Aoki, fundadora e presidente da rede Blue Tree Hotels, foi uma das minhas primeiras influências de executiva mulher, e fiquei feliz quando, mais recentemente, pude confidenciar isso diretamente para ela. Sou muito grata por esta inspiração.
Em 2000, quando ainda estava na faculdade, tive a oportunidade de iniciar um estágio na Natura. Fiquei lá por seis meses, e foi um sonho. Lá, conheci Anna Chaia, outra fonte de inspiração para mim, que, na época, era diretora da Unidade de Negócios. Depois, fui para a Unilever, onde fui muito feliz por um ano e meio. Ali, comecei mesmo, ainda que como estagiária, a minha vida em Marketing. Essa chegada à Unilever não foi algo ocasional, mas fruto de um desejo prévio e profundo de trabalhar ali. Sabia o quanto a empresa investia nos processos de marketing e mídia, com muita ativação e inovação em produtos. Sentia-me realizada trabalhando lá. Mas minha vida profissional tinha de continuar.
Foi assim que, depois de participar de um processo de seleção para trainee, entrei na Abril. Nesta editora entendi o que é mesmo diversidade dentro de um ambiente de trabalho, em uma grande corporação. Éramos diferentes; tínhamos experiências diferentes; pensávamos diferente. Por isso que era tão divertido. Em um andar, os engravatados da revista Exame; em outro espaço, a jovialidade do pessoal da Capricho; mais além, os descolados da Info; e assim por diante. Hoje, sou resultado dessas minhas experiências, do fato de ter sempre lidado com mulheres e do meu vínculo com as áreas de Marketing e Comercial. Isso me levou à cadeira que ocupo agora, de diretora-geral da Christian Dior no Brasil.
Sou uma especialista em mulheres
Na Editora Abril, sempre ouvia que quem trabalha em empresas de comunicação, mídia e jornalismo nunca mudava de segmento. Dessa forma, acreditava que teria que seguir sempre no mundo da comunicação, mesmo que em outra Editora. Mas, procurando por novas experiências e desafios, consegui sair deste universo indo para o de consumo de luxo, quebrando este estigma.
Confesso que, até então, jamais tinha pensado no mercado de luxo, mas fui “com a cara e a coragem”. Acabou que deu tudo certo e fui contratada, em outubro de 2007, como gerente de Marketing. Já havia passado por diversos projetos de marketing, desde funil de inovação, desenvolvimento de produtos e conceitos, eventos, pesquisa de mercado, marketing direto, marketing publicitário e este foi um movimento importante, pois sentia que estava na hora de dar uma virada e vivenciar o Trade Marketing como Brand Activation de um mercado local. O mercado de perfumaria naquele tempo era algo muito familiar e pequeno. Por mais que eu estivesse em uma multinacional, foi um choque, até porque a Dior, na época, passava por um desafio grande precisando se rejuvenescer.
Hoje o setor de beleza de luxo vive um outro momento e foi muito bom crescer juntamente com esse mercado, e com a Dior, que vive hoje um dos melhores momentos da marca.
Como me disse uma vez um headhunter: sou uma especialista em mulheres. O mercado da beleza é muito pró-feminino, com muitas diretoras e executivas. Em toda minha trajetória, estive sempre cercada de consumidoras, profissionais e líderes mulheres. Então, isso é uma característica bem forte em mim. Ainda temos muito que evoluir na equidade entre homens e mulheres nas posições globais no Top Management, mas aqui no Brasil tenho uma preocupação de promover a equidade de gênero (incluindo mais homens no nosso dia a dia) além da social e racial.
Depois de quatro anos em Marketing, encarei o desafio de migrar para o Comercial, em 2012. Estava no quinto mês de gravidez, e esta é uma área com um ritmo de viagem intenso. Conversei com meu marido, e ele me tranquilizou e apoiou. Assim acabaria me tornando gerente nacional de Vendas e depois diretora Comercial. Amei meu novo papel, com suas estratégias e a valorização dos processos, da negociação e do relacionamento com pessoas. Foi um momento importante para mim, que contribuiu para complementar a bagagem que trazia comigo até ali.
Aprendizado deve ser contínuo, independentemente de certificado
Depois da graduação, fiz uma especialização em Gestão de Marcas na Fundação Getúlio Vargas e uma pós em Administração no IBMEC. Mas, embora tenha feito outros cursos neste período, e mantido o estudo do francês por 14 anos, me considero uma autodidata. Identifico minha necessidade e busco aperfeiçoamento. Precisei, por exemplo, estudar como fazer uma mentoria para aplicar internamente no grupo LVMH, e como mentora no Programa para mulheres pretas e pardas, “Meu caminho até a cadeira número 1”, criado pela minha amiga e inspiração Rachel Maia. Necessitávamos também criar um Comitê de Sustentabilidade LVMH no Brasil, que era algo que até então não existia. Então foi preciso pesquisar, fazer muitas leituras, conversar com muita gente e entrevistar pessoas do ramo. Formação e atualização vão muito além daquela formal. Acredito que o aprendizado deve ser contínuo, independentemente de vir acompanhado de certificado.
Tem ainda a aprendizagem com as pessoas que nos cercam. Por isso que digo que meus primeiros mentores foram meus pais e sei o quanto me motivaram a seguir em frente. Com eles, despertou em mim o desejo de vencer e de jamais se entregar. No entanto, além deles, fui muito feliz ao longo de toda minha trajetória profissional por contar com dois coach de carreira (Philippe de Langlais e Christian Corsi), mas principalmente com líderes inspiradores, que se tornaram igualmente meus mentores. Minha construção como profissional se deve à relação que mantive com eles, especialmente Alberto Gonçalves e Delphine Di Menza, ambos na Dior.
Delphine, que é francesa, esteve conosco por 3 anos, até 2016, e é também responsável pela minha transformação como profissional. Ela tinha uma maneira diferenciada de gerenciar, com régua muita alta, extraindo o máximo que cada um pode entregar. Em um momento de dificuldade, ela manteve a confiança e fez com que cada um performasse um pouco mais. Já Alberto era o nosso vice-presidente para América Latina e hoje é diretor Global de Vendas e membro do Conselho da Bvlgari, outra empresa do grupo LVMH. Ele acreditou em mim quando migrei para o Comercial, guiando e me orientando. Por isso, são figuras importantes nesta história.
Com eles, me desenvolvi e pude colaborar para transformar uma subsidiária que tinha resultados negativos em uma operação lucrativa. Isso passa pela transformação digital que experimentamos nos últimos cinco anos. Hoje me sinto muito feliz por ter a equipe que tenho, com profissionais que entregam, performam e são líderes inspiradores para mim e suas equipes. De novo, puxamos para cima a régua e atingimos um alto grau de confiança e trabalho colaborativo. Elevamos também a nossa autoestima, como subsidiária brasileira, pela nossa força digital e resultados alcançados. E a pandemia, inclusive, nos forçou a isso. Já tinha feito mais de dez business plan anteriormente alertando para a importância da criação do nosso e-commerce, sem que isso fosse adiante. Com a Covid-19, em cinco meses já o tínhamos aprovado e implantado, gerando excelentes resultados.
Criei casca e fui promovida
Até minha transição, eu enxergava o Comercial com um mindset antigo, como aqueles que “empurravam” a venda pensando simplesmente na meta a ser alcançada, sem levar em conta a necessidade do cliente. A gestão era muito mais pessoal do que baseada em negociação e estratégia. Acredito que é muito importante ter no Comercial alguém que venha de Marketing, especialmente no segmento de luxo. Este tipo de profissional é, geralmente, alguém que tem a visão de preservar e perenizar a marca. Por isso que digo para minha equipe: “Quem planta tâmaras não colhe tâmaras”. É um ditado antigo, pois antigamente demorava 100 anos do plantio à colheita da fruta. Evidentemente, temos obsessão por vender mais, mas o Comercial trabalha visando ao longo prazo.
E o curioso é que o convite para que eu fosse para o Comercial não partiu de ninguém, pois todos sabiam minha posição sobre este tema. Portanto, fui eu mesma que procurei nosso VP e perguntei o que ele achava da área em termos de carreira. Alberto me disse que, no caso da Dior, o Comercial era o core business da companhia e que precisava de alguém que tivesse branding. Disse ainda que, se eu quisesse, poderia trilhar naquela direção. E eu quis. Tinha inclusive uma pessoa já preparada para assumir o meu lugar em Marketing. Assim, mudei em um momento em que a empresa precisava de alguém com o meu perfil naquele lugar. Apresentei então minhas condições – reestruturação em clusters e redes, mudança de mindset de sell-in para sell-out e um ano para reorganizar tudo. Enfim, recomeçamos do zero, alinhamos prazos com o global, definimos os próximos passos e fomos bem-sucedidos.
Estou há bastante tempo na Dior e com isso veio a maturidade. Alberto sempre falou para mim: “Daniela, falta casca”. Na linguagem dele, “casca” é quilometragem, experiência, independente se você entrega os resultados e se tem competência. Hoje repito a mesma expressão para os meus diretos. Entendo que este período de maturação representa meu turning point de carreira. Quando criei casca, eu fui promovida a diretora-geral.
Ao líder cabe aprender e ensinar
Uma das armadilhas profissionais é trabalhar em silos, porque, deste modo, falta colaboração, comunicação, integração, aprendizado mútuo. É cada um caminhando para um lado. Portanto, nada de trabalhar pensando apenas no próprio departamento ou só no resultado individual. Seja também coerente, ou como se diz: Walk the talk (Ande de acordo com suas palavras!). Onde falta coerência, falta confiança. E uma equipe onde falta confiança não produz o quanto pode produzir.
E, ainda que tenha se tornado um senso comum, nunca é demais destacar: ao líder cabe tanto aprender quanto ensinar, portanto, jamais poderá renunciar a empatia e humildade. Todos temos nossos medos e angústias, então, é preciso estar disposto a ouvir, apoiar e ajudar o outro. E não só isso. Também é fundamental ter a capacidade de identificar o que cada liderado tem de melhor e desenvolvê-los para que sejam ainda melhores do que quem o ensina. Então, dê a eles autonomia, pois assim cada um descobrirá seu próprio tamanho.
Por outro lado, daqueles que lidero, espero sede de aprender e disponibilidade para novos desafios. Gosto de trabalhar com pessoas apaixonadas pelos que fazem e adaptadas à cultura organizacional da empresa. Quando todos estão alinhados aos princípios que a organização defende, caminham juntos em uma mesma direção. Isso que é fundamental.
Foi isso que fizemos logo no começo da pandemia. Tivemos de usar nossa criatividade e dedicação e cada um conseguiu fazer atividades que iam além dos seus departamentos. Quem fazia vitrine nos pontos de venda começou a desenhar websites ou fazer todo o desenho digital, porque todas as lojas estavam fechadas. Quem oferecia treinamento apenas nos lugares físicos, passou a fazer o mesmo no formato on-line. Todos se mostraram versáteis e, assim, conseguimos abrir novos caminhos. Cada um revelou múltiplos talentos e foi lindo ver do que são capazes. Por isso que cada um faz a sua cadeira do tamanho que desejam. Quem quiser se manter no cargo, tudo bem. Quem quiser abraçar o mundo, tudo certo também, desde que ninguém invada o espaço do outro. É preciso respeitar isso.
A responsabilidade de ser feliz é intransferível a terceiros
Aprendi com a pandemia a relevância da humildade e que o líder também pode mostrar suas vulnerabilidades. Ser líder não implica ter todas as respostas, mas empregar toda sua energia para buscá-las, pois é o que vai diferenciar uma boa de uma má decisão. É para isso, principalmente, que lá estamos, para tomar decisões. Muitas delas são difíceis e duras, daí ser imprescindível se munir de informação e bom senso.
Também durante a pandemia redescobri o tênis, esporte que hoje pratico três vezes por semana. É uma atividade muito mental e, conforme alguém me disse, exige autoperdão e humildade ao mesmo tempo. Se você não vai bem em um lance, perdoe-se. E, se consegue uma jogada muito boa, “calma, vamos para o próximo”. Outro dia da semana é reservado para o beach tennis. Aí é pura diversão com as amigas. Tenho feito isso há mais de um ano, mas lembro que conheci o meu marido, André Ito, nas quadras de tênis do Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp), onde começamos a jogar, ainda na época da faculdade. Hoje temos duas filhas: Beatriz, de 12 anos, e Letícia, de nove.
Ainda tenho aproveitado meu tempo para colocar em dia minha leitura. Gosto muito de biografias. Neste momento em que escrevo, estou lendo a biografia da imperatriz Leopoldina ( A biografia íntima de Leopoldina, de Marcílio Cassotti). Mas li outras mais recentemente, como a da viúva Clicquot e a do Assis Chateaubriand. Não leio tanto ficção e romance, mas, ainda em 2021, diverti-me com Travessuras da menina má, de Mario Vargas Llosa, indicado pela Paula Paschoal, que é minha referência em literatura.
Contudo, minha grande paixão mesmo sempre foi trabalhar com pessoas, diversas, cada uma com seu talento, com sua trajetória. Todas me inspiraram e sou muito grata pela generosidade daquelas com quem aprendi, troquei conhecimentos, choros e muitas risadas. Se posso deixar uma última mensagem, ressalto: sempre busque para trabalhar em um lugar que tem os mesmos propósitos que o seu e que você admire os produtos, a empresa e sua cultura organizacional. A responsabilidade de ser feliz como profissional e como seres humanos é somente nossa. Portanto, essa importante missão nunca poderá ser terceirizada para nenhuma pessoa ou nenhuma empresa. A todos, desejo garra, força e fé!
Dica de leitura de Daniela Ota: A biografia íntima de Leopoldina, de Marcílio Cassotti