O novo líder deve se adequar à pluralidade
Poder compartilhar meu modo de encarar situações diversas com as pessoas mais novas é entusiasmante
Publicado em 11 de dezembro de 2021 às, 13h26.
Última atualização em 11 de dezembro de 2021 às, 13h28.
Por: Fabiana Monteiro
Simone Gobo Barcellos Diretora de Programa – AerospaceEmbraer
A importância de optar por uma carreira dentro de um segmento majoritariamente ocupado por figuras masculinas começou a se desenhar para mim ainda dentro de casa, por conta do incentivo relevante que recebi da minha família. Nascida em Franca, no interior de São Paulo, pude contar com oapoio notável dos meus pais nos primeiros passos rumo ao que viria me tornar anos depois. Enquanto minha mãe, professora de ensino infantil, proporcionava o incentivo à educação, o meu pai, funcionário público municipal e um autêntico apaixonado por criar soluções para os mais diversos problemas, me propunha desafios intrigantes.
Desde jovem, já me destacava nas disciplinas de Exatas e, poder ser “provocada” pelo o meu pai, no desafio de solucionar problemas, equações, brincar com questões de lógica, já salientavam a minha aptidão para prosseguir por tal caminho. Além desse conforto de poder sonhar com o que quisesse, ambos adotavam a filosofia de me incitar a ser independente, estudar para alcançar a carreira almejada. Sendo assim, acreditei em meu potencial e corri atrás dos meus sonhos.
Durante a fase de escolha de uma faculdade, apesar de inicialmente pensar em outras possibilidades, não me deparei com muitas dificuldades para optar por um curso. Os cálculos e a real oportunidade de ser uma profissional da área me conduziram diretamente para a Engenharia Química. Então, ingressei na Universidade de São Paulo, em 1997, no campus de Lorena-SP(antiga FAENQUIL), e pouco mais de cinco anos depois, já estava formada. Tratou-se de um período muito importante de aprendizado, desenvolvimento, com inúmeras trocas com os colegas de formação. Com a mentalidade devidamente amadurecida fui em busca de um lugar no mercado. Foram muitas tentativas. Entrevistas, dinâmicas, testes e vários nãos até que iniciei minha carreira como estagiária de engenharia. É importante persistir e persistir muito nessa fase.
O estágio me ajudou a saber o que eu não queria.
Durante um ano e meio, trabalhando para duas grandes multinacionais, estive em contato com atividades inerentes à áreas técnicas de engenharia química e percebi que naquele campo havia necessidade de me especializar em uma área específica. Logo vi que isso não me contemplava nos aspectos profissionais e particulares.
Percebi que o teor técnico em demasia, contrastava demais com o prazer em falar com um monte de gente, estar com pessoas, buscar resultados gerenciais em projetos mais abrangentes e liderar. Inclusive de poder lidar com fatores maiores, mais amplos, do que propriamente me ater somente aos componentes de determinadas fórmulas químicas. É tudo uma questão de perfil. E uma felicidade que obtive foi a descobrir isso logo no começo e, assim, seguir por outra direção.
A importância ao se escolher uma carreira
A riqueza da engenharia não é exatamente aquele teor técnico rigoroso, com fórmulas, matérias e disciplinas. Mas creio que a engenharia ajuda a desenvolver um raciocínio bastante diferenciado. Não se trata de ser melhor em comparação a um graduado em outra área, simplesmente são formas distintas de se analisar e ponderar acerca de temas variados. Às vezes, para uma determinada função, a maneira como engenheiro estrutura um problema é melhor.
Ressalto o excelente modelo mental que a pessoa desenvolve. O engenheiro é um ótimo solucionador de problemas. Para tudo propõe uma fórmula, um esquema, em busca de otimizar as operações. Eu me considero bastante objetiva e acho que parte dessa característica veio da Engenharia.
Alguns ensinamentos que gostaria de deixar como estímulo aos jovens é que busquem autoconhecimento para preencher e melhorar pontos fracos e acentuar os seus pontos fortes. Além disso, os estudantes devem procurar se informar sobre as companhias, como as coisas funcionam e realizar o estágio para adquirir essa vivência na prática, não só no campo teórico. Isso é muito rico para moldar o perfil do executivo. Assim como a infância marca a vida de um adulto – período crucial para a sua formação no decorrer da vida, o início da carreira é um período bastante importante.
No meu caso, estagiei em uma área de pesquisa e desenvolvimento na IFF e ao término do período de estágio, passei a realizar processos seletivos para trainee, buscando vagas como engenheira. À época, minha decisão estava tomada: o setor técnico, daria lugar às incumbências ligadas aos setores de liderança e gestão. Foi a decisão mais acertada e, posteriormente, passei a colher os frutos decorrentes dessa decisão.
O desafio profissional e a importância da mentoria
Com duas propostas em mãos – uma similar ao que praticava no estágio – e outra da Gerdau, acabei optando pela segunda. Portanto, iniciei a minha jornada, efetivamente, em uma das maiores metalúrgicas do mundo, como trainee, no início de 2003. Depois de dois anos, recebi a minha primeira promoção, ao assumir a chefia de uma fábrica de arames para soldas.
De imediato, esse movimento representou o meu primeiro salto, mas também gerou o principal grande desafio. Ao assumir essa área na Gerdau, em São José dos Campos-SP, estava com 27 anos. O setor que comandava contava com aproximadamente 150 pessoas e lembro-me de que na época a minha chefe era uma mulher. E ela apostou muito em mim, acreditando no meu potencial. Sequer detinha tanta experiência e conhecimento se comparada aos meus pares. Além de mais jovem, eu era uma mulher, em uma fábrica metalúrgica, atuando em um cargo de chefia. Um papel bastante importante, que me deixava feliz, mas com sentimentos conflitantes, pois refletia um cenário atípico. Todavia, a persistência e a criação de um time altamente coeso e colaborativo fez com alcançássemos os resultados esperados rapidamente.
Posteriormente, em abril de 2007, com essa boa experiência em gestão de produção, migrei para a Embraer, onde estou há quase quinze anos. Mais recentemente, há cerca de três anos, fui para os Estados Unidos e estou morando na Flórida, na cidade de Melbourne. Essa experiência internacional é rica em vários aspectos. O principal deles é a adaptação a uma cultura diferente. A língua, o comportamento, o mindset são diferentes.
Evidentemente, desafios existem e surgem a todo instante, algo normal na vida de uma executiva. Mas posso destacar a distância da família e dos amigos próximos como um exemplo de como a resiliência deve prevalecer. Há momentos muito difíceis pelos quais passamos e a necessidade de se habituar ao local e aos novos amigos locais é fundamental para não desistir. No início, me sentia diferente dos outros, como se não pertencesse ao grupo. Sou mulher e brasileira. Mas a interação com os americanos e o acolhimento que recebo meajudaram muito. Tenho bastante prazer em interagir com pessoas de culturas diferentes, isso me ajuda a entender pontos de vistas distintos.
Em situações como essas, é fundamental realçar a mentoria. Tive a sorte de encontrar com muitas pessoas boas no meu caminho, que acreditaram em mim e que abriram as portas para dividir comigo parte das suas experiências. Costumo observar as pessoas e me espelhar naquilo que admiro.Especialmente com líderes, profissionais que acesso para poder construir o meu plano de carreira, expandir a minha visão, pegar feedbacks. Tenho muito a agradecer a vários líderes inspiradores que tive ao longo do caminho.
Eu também faço a mentoria, com duas jovens profissionais, uma de dentro do programa da Embraer, e outra de fora. Uma delas é uma colega que trabalhou comigo no passado, mudou de companhia e me procurou. Faltam mulheres nesse papel, então me sinto motivada de poder compartilhar essas experiências de mulher para mulher. E não é só a mentorada que aprende; é uma via de mão dupla. São pontos de vista e visões de mundo diferentes – elas são mais jovens, estão em outra fase da vida e acho fantastico poder dividir um pouco do que aprendi ao longo do tempo.
Firmeza de propósito perante as adversidades
Os obstáculos são constantes na carreira de qualquer profissional. No meu caso, houve um momento marcante, no qual contei com a minha força de vontade e apoio incondicional da equipe e do meu chefe. À época, durante um processo de reestruturação, a área em que eu trabalhava foi questionada, a respeito da sua importância e do seu papel dentro da organização.
Tinha convicção a respeito do meu papel, valor e também dos limites que estava disposta a aceitar e me posicionei. Após análises por parte da empresa, a proposta foi alterada. Vale frisar o comprometimento com a firmeza de propósito. Acho importante você conhecer os seus limites e valores e agir alinhado com eles. E se os fatores externos estiverem em desacordo com isso é preciso ser firme e arcar com as consequências.
Acho importante se manter um conjunto de valores. O propósito que acredito é o de fazer a diferença na vida das pessoas envolvidas no negócio em que atuo, entregando os resultados para a empresa e para a comunidade. Se a empresa cresce respeitando valores éticos, a vida das pessoas envolvidas melhora. Entendo que formar sucessores e dar o exemplo sãooutras grandes contribuições que podemos deixar como legado. Isso é o que me motiva.
Ressalto o valor de ser transparente, saber falar sobre problemas e ter conflitos construtivos, tudo com respeito ao próximo e visando um objetivo comum que é o sucesso da empresa, o bem coletivo. Esse ambiente deve existir, e se não existir, precisamos ajudar a criá-lo.
É essencial que você acredite no seu potencial e persista no sentido de concretizar os seus objetivos. Sair do âmbito do desejo, mas criar um plano concreto e executá-lo. A persistência e a repetição são extremamente importantes. Contar com o apoio de outras pessoas e compartilhar, ter outras pessoas como referência. Saber quem você admira e quais os pensamentos e práticas dessas pessoas. Não precisa ser um ícone, pode ser alguém próximo ou algumas pessoas distintas com características que você pode aprender.
São conselhos para compor uma carreira de sucesso. Sempre repito: insistência é crucial, não desista, não é fácil mesmo. São muitas decepções para alcançar a linha de chegada. Continue. Se você acredita, continue naquilo. Soa meio piegas, mas é de fato no que acredito.
O papel da educação continuada
Sempre procurei me manter atualizada em termos de metodologias de gestão e conteúdo. Para minha formação, o curso de MBA da Fundação Getúlio Vargas (CEAG - EAESP/SP) iniciado 5 anos após a minha graduação foi de extrema importância para que eu pudesse avançar na carreira de gestão de negócios. O curso de Engenharia não supre toda a demanda de conhecimento requerida para essa carreira. É preciso continuar estudando.
Outro curso, dentre vários que fiz após minha graduação, que vale a pena ser mencionado foi o Women’s Global Leaders da Fundação Dom Cabral com a Smith College. Um curso para líderes globais femininas bastante rico e completo, em termos de conteúdo e também de público. Recomendo.
Visão de mundo amplificada
Embasada em princípios sólidos, sinto-me confortável em passar adiante os meus aprendizados. Aos jovens, destaco que algumas características são primordiais no momento de ser lembrado para uma vaga. Pessoas que buscam aprender e que sejam curiosas saem na frente nessa disputa. Inteligência é sinônimo de curiosidade. A ambição de aprender, saber coisas novas, estudar – não apenas de dentro da sua área de conhecimento, mas sim uma visão de mundo ampliada e abrangente. É imprescindível saber se posicionar, se comunicar com assertividade, questionar, pontuar suas próprias opiniões a respeito dos conteúdos propostos. Observo tais fatores quando vou contratar alguém.
Outro ponto importante é saber trabalhar bem em equipe; a competição tem de ser construtiva, saudável. Pessoas extremamente competitivas, que não conseguem cooperar em grupo, tornam-se difíceis de se lidar e dificultam a extração do potencial do time.
Ao adentrar em um processo, o indivíduo necessita adotar uma postura de humildade, com o intuito de aprender, escutar mais e, assim, compreender a possibilidade de existir alguém com mais conteúdo. Não há problema em saber menos naquele momento. Às vezes, me deparo com jovens excepcionalmente bem preparados, formados em faculdades de primeira linha, mas extremamente arrogantes. Ninguém nunca vai saber tudo, é uma busca constante. São armadilhas que os jovens devem evitar.
O líder preparado se adequa à pluralidade
O novo líder, integrado aos movimentos da sociedade, tem de estar atento ao tema da diversidade. Em todos os aspectos. Em relação às gerações, raças, opção sexual, gênero, deficiências físicas, enfim, qualquer espécie de diversidade. É importante para o líder, pois estamos vivendo em um momento significativo nesse sentido, e noto uma evolução gigantesca nos últimos anos. Opapel das empresas e sua contribuição para a sociedade tem sido cada vez mais valorizado e requerido pela população. Que bom que o mundo está evoluindo nessa direção.
Trata-se de uma forma mais humana de liderar. O líder deve se posicionar para aceitar o próximo como um ser humano passível de ter as suas fraquezas, forças e vulnerabilidades. Esse preparo, essa busca do líder, é bastante importante atualmente. E vai perdurar, não creio que será uma manifestação momentânea. Daqui em diante e para sempre, a diversidade será debatida com a devida relevância.
Como destaque ao debate sobre a pluralidade, deixo o registro de como balancear a vida profissional com a pessoal, especialmente por ser mulher. Sempre acreditei que o meu filho de 21 anos seria mais feliz se eu fosse plena e feliz com a minha carreira. Se eu fosse frustrada, não conseguisse me desenvolver da forma como eu acreditava que eu poderia, acho que isso iria se refletir nele.
Jamais houve uma hipótese de não seguir adiante. Precisava continuar e encontrar caminhos de gerenciar esses dois papéis; é uma questão de demanda de tempo; é preciso se organizar, contar com pessoas que lhe ajudam, suportes, uma rede – não necessariamente só a família e a escola. E ajuda nunca me faltou.
Sempre acreditei que o tempo é muito mais uma questão de qualidade com o seu filho do que de quantidade. Às vezes, a pessoa passa o dia inteiro com o filho, mas sem atenção plena, distraída e sem paciência. Sempre foquei: no período em que estou com ele, estou somente com ele. Esqueço todo o resto.
Princípios e valores compartilhados
Procuro, incessantemente, fazer diferença na vida das pessoas. Seja em coisas menores, do cotidiano, nas interações, ou mesmo proporcionando exemplos maiores, de conduta, postura, de ajuda mútua, de estar disponível. No âmbito corporativo, entregar o resultado para a empresa, exatamente o que esperam de mim ou além, em harmonia com as demandas da humanidade.
Atualmente, convivemos com um transtorno que requer ampla reflexão, com a pandemia assolando o mundo inteiro. A principal lição quanto ao episódio, é a de que as coisas podem mudar drasticamente e repentinamente. A humanidade vai precisar de adaptações. Quanto melhor a adequação, mais o indivíduo e o coletivo poderão prosperar.
Poder compartilhar meu modo de encarar situações diversas com as pessoas mais novas é entusiasmante. Algumas mulheres ainda me interpelam sobre a minha profissão, meu cargo, como se fosse alguma coisa estranha. Na verdade, tento transmitir inspiração para que essa força feminina cresça. Certamente não é fácil chegar lá; ainda são poucas as que conseguem, infelizmente.
Conhecimento e lazer integrados
No meu estilo de vida, sempre há a possibilidade de unificar prazer com conhecimento. Portanto, a literatura é uma ferramenta forte nessa jornada. Gostaria de indicar dois livros impactantes para reflexões pontuais. Um deles é o “Becoming – Minha História”, da Michelle Obama. Além de gostar de biografias nesse caso, evidencio o fato de ela ser mulher, negra e de ter exercido um papel tão importante nos EUA como primeira-dama. Ela tem deixado um legado importante para nós mulheres e para a sociedade como um todo.
Já “Numbers Don’t Lie: 71 Things You Need to Know About the World”, do professor Vaclav Smil, pertence a um gênero que gosto muito. São 71 casos em que os números comprovam os fatos. Traz casos interessantes e embasados. É na linha do “Factulness – Hans Rosling” outro livro que recomendo muito. Dados e fatos para sustentar conclusões.
Outra forma de me distrair e, ao mesmo tempo, equilibrar corpo e mente, é praticando esportes e meditação. Amo correr. Treino corrida e musculação e tenho uma meta de disputar uma meia-maratona, o desafio dos 21 quilômetros muito em breve. O esporte é algo vital para mim, além de reforçar a disciplina e melhorar o corpo, as substâncias químicas liberadas ajudam a reduzir a ansiedade e dar mais disposição para as outras atividades cotidianas. Existem questões psicológicas importantes a se considerar, associadas às atividades físicas.
O meu gatilho para isso é a prática, eu desenvolvi isso – hoje não consigo deixar de fazer. É igual a um compromisso profissional. Você não acorda e pensa: vou ou não trabalhar hoje? Você levanta e vai. No começo, há a necessidade de se esforçar para virar um hábito e repetir até virar uma rotina, mas depois, faz parte do seu dia. Já a meditação é algo fantástico. Ajuda muito controlar a ansiedade, se centrar diante de situações difíceis. É preciso, assim como exercício físico, desenvolver o hábito. Mas uma vez aprendido você se sente presente e capaz de encarar as demandas da vida assim como elas são, nem maiores nem mais assustadoras do que de fato elas são.