Liderança não se resume a hierarquias; liderar é inspirar e guiar, afirma Cássia Galvão
Na coluna desta semana, conheça a história de Cássia Galvão, Executive Vice President Automotive Finishes da Sherwin-Williams
Publicado em 30 de agosto de 2024 às, 13h46.
Vencer pelos próprios méritos, por meio do estudo e da dedicação. Este é um dos valores que herdei dos meus pais. Ao longo da vida, ambos sempre enfatizaram a importância do conhecimento, colocando-o como alicerce principal para qualquer sucesso duradouro. Apesar de não terem tido muitas oportunidades de estudo, eles sabiam o quanto o estudo é crucial para o êxito pessoal e profissional de qualquer pessoa. Tanto que durante a adolescência cheguei a cogitar abrir mão da graduação para seguir a carreira artística. Contudo, na ocasião, meu pai foi enfático: “Você precisa ter um diploma! Depois você escolhe o que quer fazer”.
Este impulso, tão importante para o meu desenvolvimento, trazia consigo o forte suporte emocional que recebia em casa desde a infância. E apesar da cobrança por boas notas, havia também uma grande liberdade para explorar as inclinações artísticas e culturais, estas herdadas de minha mãe. Isso enriqueceu o desenvolvimento pessoal, permitindo que eu encontrasse um equilíbrio entre o rigor acadêmico e a expressão artística, algo de grande relevância para mim.
Nasci e cresci em São Paulo, e meus pais, que se casaram jovens, por volta dos 20 anos, também começaram cedo a desbravar o universo do empreendedorismo. Enquanto ele uniu-se em sociedade e abriu uma oficina de funilaria e pintura, a ela coube a tarefa de criar uma estrutura que sustentasse o nosso lar, dando o suporte necessário à educação das filhas e também condições para que o marido pudesse se concentrar e dedicar-se ao trabalho. Assim, ele permaneceu com a parceria por alguns anos, e depois, em meados da década de 1980, mudou de nicho e investiu em prestar serviços de apoio a seguradoras, no ramo de carros. Com meu pai, aprendi que mérito e trabalho árduo são fundamentais para conquistar o que almejamos.
Não tenha receio de redefinir a rota e explorar novas possibilidades
As ideias sobre o futuro profissional sempre foram bastante variadas. Mas, como desde criança estava imersa no mundo artístico, mais especificamente na dança clássica, tinha comigo que esta seria a carreira de sucesso que seguiria. Tanto que, aos 16 anos, já havia aberto uma pequena escola que atendia à vizinhança. No entanto, com o desenrolar dos acontecimentos comecei a repensar os planos, uma vez que a dança, embora significativa, não me proporcionava satisfação completa. Ansiava ser protagonista, mas não com um negócio próprio. Consequentemente, ter uma escola não era algo que se enquadrava mais em meus desígnios.
Foi então que, ao escolher uma faculdade, decidi por algo que tivesse relação comigo, mas que não exigisse dedicação integral ou me afastasse de São Paulo, já que ainda estava envolvida parcialmente com a dança. Optei por fim pela graduação em Ciências Econômicas no Mackenzie e, com o tempo, percebi que precisaria me concentrar integralmente nos estudos.
A jornada dentro do mundo corporativo teve início com um estágio na área financeira na empresa Bozzano/L’oreal. Neste momento, fui entendendo que somente uma faculdade não seria suficiente para me destacar e busquei me especializar em outras frentes. Após concluir o curso, ingressei na Fundação Getulio Vargas (FGV), onde fiz duas especializações: Administração Financeira e Marketing.
Costumo dizer que a curiosidade sempre foi uma característica marcante em mim. Eu estava constantemente explorando novas áreas e buscando compreender como tudo funcionava. Essas atitudes me levaram a participar de atividades em outros departamentos, e, eventualmente, a me envolver com o marketing. A carreira começou a tomar forma nessa junção entre o planejamento estratégico e o marketing, em que pude aplicar uma visão de negócios mais voltada para produtos e para a estratégia de mercado. Fui consolidando essa combinação de habilidades, unindo a formação acadêmica (sempre na busca incessante por conhecimento), seguida por uma atuação diferenciada, com entregas rápidas e precisas, e um olhar atento ao futuro e ao desenvolvimento de novas oportunidades.
Foco no cliente garante resultados impactantes
Sou uma pessoa naturalmente observadora, sempre atenta aos comportamentos e decisões ao meu redor. Ao longo do tempo, deparei-me com executivos que, de maneira direta ou indireta, serviram como exemplos, moldando a minha visão de liderança. Dentro desse grupo seleto de influências, destaco especialmente o último chefe direto no Brasil, Nelson Sabatini. Ele foi uma figura de grande relevância para mim, não apenas como líder, mas também como alguém que, com sua postura e ensinamentos, me fez evoluir e alcançar novas posições dentro da organização. O que mais me marcou foi o foco inabalável que ele sempre depositou no cliente, demonstrando que o sucesso de qualquer negócio não depende apenas de metas internas ou do progresso na carreira, mas sim do valor real que entregamos a ele. Tive uma total amplitude desse conceito.
Percebi por meio dele que todas as áreas da empresa, sem exceção, precisam estar alinhadas com a satisfação do cliente, mesmo aquelas que aparentemente estão distantes do contato direto com o consumidor. Esse aprendizado se converteu num dos principais pilares do meu trabalho, sendo o que hoje define a minha atuação profissional. Preservar esse vínculo, garantindo que o foco no cliente esteja sempre presente, é minha missão. E para entender verdadeiramente os anseios e as dores de cada um, especialmente em tempos de rápidas mudanças, é essencial estar próximo a eles. Afinal, é em campo que o jogo acontece, e é lá que podemos fazer a diferença.
Ser líder não requer ter pessoas abaixo de você
Enfrentei inúmeros desafios até me tornar líder. E hoje posso dizer que a junção de todos eles foi moldando a visão e a abordagem do que é liderança, sempre com um foco muito forte em resultados. À medida que fui avançando, desenvolvendo a expertise em marketing, percebi que, para crescer de fato, precisaria abraçar algo muito mais complexo: a gestão de pessoas. Inicialmente, acreditava que ser líder significava ter pessoas sob minha responsabilidade direta, uma equipe que se reportasse a mim. No entanto, descobri que a liderança não se resume a hierarquias formais. Ser líder é muito mais sobre influenciar, inspirar e guiar, mesmo que não haja uma estrutura tradicional de comando e controle.
Essa revelação foi um divisor de águas na minha carreira. Compreendi que as competências de liderança podem e devem ser aplicadas em qualquer contexto, independentemente de se ter ou não uma equipe direta. Hoje, muitas empresas adotam estruturas matriciais, em que as linhas de reporte são menos claras e a influência horizontal é tão importante quanto a vertical. Nesse cenário, liderar significa muitas vezes impactar pessoas e processos de forma indireta, mas ainda assim poderosa. Atualmente coordeno uma equipe de mais de 400 pessoas na América Latina. Mesmo que não tenha contato direto com todos, sinto a responsabilidade de impactá-los positivamente por meio dos meus reportes diretos. Para mim, a liderança é sobre reconhecer cada pessoa como um indivíduo único, independentemente da distância geográfica. É uma demanda contínua em encontrar formas de motivar, inspirar e oferecer apoio, ajudando-as a desenvolver seu potencial e a se manterem engajadas e comprometidas com a organização. Lidar com tudo isso com dedicação e paixão sempre te manterá muitos passos à frente.
A minha maior fonte de inspiração vem das pessoas, com suas ideias, criatividade e energia. Gestos diários que passam às vezes despercebidos são o que realmente me impulsionam a ser uma profissional melhor. Mas uma figura que tem sido particularmente inspiradora é Heidi Petz, primeira mulher a ocupar a posição de CEO na Sherwin-Williams, onde estou atualmente. Ela assumiu o cargo recentemente, mas já demonstra uma liderança forte e visionária. Tive a oportunidade de conhecê-la, e sua determinação e capacidade de inovação são contagiantes. Ela representa um exemplo claro de como a diversidade pode trazer novas perspectivas e energias para a organização – tudo isso, é claro, sem perder de vista o foco no cliente. Um trabalho bem executado precisa estar alinhado com as necessidades e as expectativas dos nossos clientes e, em última análise, com os resultados que desejamos alcançar.
Fortaleça a organização por meio do pertencimento
Um time motivado e engajado é pilar para o sucesso de qualquer organização. Entendo que uma das formas mais eficazes de alcançar esse engajamento é por meio da inclusão das pessoas na tomada de decisões, respeitando os níveis de responsabilidade e autonomia de cada um. Esse comportamento não somente fortalece o compromisso delas com os objetivos da empresa, mas também instiga a diversidade de ideias, essencial para a inovação.
Lidar com diferenças culturais e linguísticas requer uma abordagem cuidadosa. No meu caso, como lidero equipes que falam português e espanhol, tenho me empenhado em criar momentos regulares de troca de informações e sinergia, em que nossos objetivos e as ferramentas que adotamos são discutidos com absoluta clareza.
Manter um ambiente de trabalho positivo é importante para que tudo aconteça. Propor desafios mediante projetos multidisciplinares é uma estratégia poderosa, pois permite que as opiniões sejam expressas, e isso sempre causará entusiasmo. Ademais, essa postura revela futuros líderes que emergem muitas vezes de forma espontânea ao assumir um grupo, mesmo que de maneira informal, contribuindo para um benefício coletivo. Esse método é especialmente relevante no contexto atual e no futuro das empresas, em que diferentes gerações convivem e colaboram. Abrir espaço para que todas as gerações possam trabalhar juntas, aprendendo e crescendo mutuamente, é determinante para alcançar os resultados desejados.
O ser humano é, por natureza, impulsionado por desafios. E essa característica se manifesta com diferentes intensidades para cada pessoa. Fora isso, somos seres sociais, que buscamos a interação e a colaboração em grupo. Isso desenvolve não somente competências técnicas, mas também conforto emocional ao pertencer a uma comunidade. Esse sentimento é tão importante quanto o desenvolvimento das habilidades profissionais, pois fortalece a coesão e a motivação dentro da empresa.
Pequenas ações diárias garantem grandes resultados
Existem conselhos que gostaria de ter recebido no início da carreira, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento da inteligência emocional. Cresci em um ambiente no qual o sucesso estava diretamente ligado à entrega de resultados e acreditei, por muito tempo, que o sucesso profissional seria alcançado apenas por meio de conquistas concretas e mensuráveis. No entanto, existe uma gama de habilidades comportamentais vinculadas à inteligência emocional que são tão cruciais quanto o domínio técnico, especialmente à medida que se avança em posições de liderança.
E a realidade me provou que, para alcançar posições mais elevadas, é necessário ir além. Embora não possa afirmar com certeza qual teria sido o impacto exato, estou convencida de que o percurso profissional teria sido mais fácil em muitos aspectos, com algumas dificuldades mais atenuadas. E para me manter firme e resiliente, especialmente em momentos de tensão, conto com pessoas que me auxiliam e oferecem suporte em diversas áreas da vida. A pressão, especialmente em cargos de liderança, é constante, podendo variar, mas nunca desaparece. Quando ocupamos cargos mais altos, a natureza dessa pressão muda. Não se trata mais apenas de cumprir prazos ou entregar tarefas específicas, e sim sobre garantir que toda uma região ou equipe atinja os resultados esperados.
Uma das lições mais valiosas que aprendi veio de um ex-CEO da empresa. Ele me disse que haveria meses bons e meses ruins, e que a chave era não deixar que os ruins me afetassem, de modo que a equipe notasse. Essas palavras ficaram gravadas na minha mente. É importante que, independentemente das dificuldades, eu transmita uma postura de confiança e ânimo para todos. Mesmo quando sinto que a energia está diminuindo, é imprescindível manter a calma e a determinação. Encontro inspiração também em pequenos momentos do cotidiano, como quando um colega compartilha uma conquista ou um trabalho bem-feito. Esses momentos me reenergizam e me mantém disposta a continuar. A soma de pequenas ações diárias é o que, no fim das contas, define o sucesso de uma organização.
Oportunidades surgem para quem está preparado
O planejamento é a âncora para alcançar qualquer objetivo que estabelecemos em nossas vidas. E, nesse processo, a educação financeira desempenha um papel indispensável. Tudo começa com a clareza sobre o que desejamos e onde queremos chegar. Quando sabemos quem somos, reconhecemos nossas habilidades e determinamos nossos propósitos, começando assim a traçar o caminho que nos levará até eles. Os sonhos variam de pessoa para pessoa, e quanto mais cedo começarmos a nos educar financeiramente, mais suave se tornará o percurso. Esse conhecimento nos permite usar nossos recursos de maneira assertiva, nos guiando com segurança em direção ao futuro que desejamos construir.
Outra dica valiosa é a importância da leitura e o quão essencial ela é para qualquer pessoa que deseja aprender e evoluir. Ler não só enriquece o conhecimento, mas também aprimora a escrita, a capacidade de comunicação e amplia o repertório de assuntos para conversas em qualquer ambiente. Tornar-se uma pessoa bem-informada e interessante é uma consequência natural de quem se dedica à leitura, pois os livros nos oferecem uma vasta sucessão de temas e prismas que podemos explorar e discutir.
Para aqueles que estão iniciando as carreiras, especialmente os novos líderes, minha mensagem é contundente: estudem muito. A educação te levará ao êxito do crescimento, e deve ser buscada de maneira constante. As conquistas não acontecem por acaso, elas são o resultado de preparação, competência e estar no lugar e na hora certa. As promoções e o desenvolvimento profissional vêm como reconhecimento de quem já demonstra a capacidade e as competências necessárias para avançar ao próximo nível. Foi essa a mensagem que me guiou até onde estou hoje, e acredito que seja universal. Em um mundo cada vez mais complexo, em que diversas gerações compartilham o mesmo espaço de trabalho, cada uma com suas demandas, histórias e objetivos únicos, a habilidade de navegar entre todas essas nuances com empatia, entendimento e sabedoria se torna cada vez mais importante, e é sinônimo de um futuro promissor.
Leitura recomendada por Cássia Galvão
Livro: 1421: o ano em que a China descobriu o mundo, de Gavin Menzies. Editora Bertrand Brasil, 2006.