Equilíbrio é fundamental para alto desempenho, afirma Olivier Gianina
Na coluna desta semana, conheça a história de Olivier Gianina General Manager da Adidas do Brasil
Publicado em 13 de outubro de 2023 às, 13h29.
O amor pelos esportes me acompanha desde a infância. Ao compartilharem valores em torno do amor, do respeito mútuo e da importância do trabalho, meus pais sempre ressaltaram a necessidade de aproveitar a vida, praticar esportes e divertir-se ao longo da jornada. Por isso, ainda criança compreendi a necessidade de fazer a minha parte com excelência, para poder ter liberdade de escolha quando mais velho. Afinal, as vitórias não viriam sozinhas. Fazia-se necessário conquistá-las.
E o esporte foi uma ferramenta fundamental dentro deste contexto, por trazer em sua essência valores como disciplina, resiliência e atitude. Particularmente, experimentei praticamente todas as modalidades e tinha duas entre as prediletas: futebol e tênis. Uma paixão que levaria comigo e, apesar de ainda não saber, faria diferença nas futuras escolhas que surgiriam adiante.
Nasci em Paris, na França, e tive como inspiração o exemplo de meu pai. Homem de negócios de sucesso, transmitia por meio de suas atitudes um exemplo de ética, gentileza e equilíbrio. A estreita relação com ele certamente foi o que me levou a iniciar o curso de Administração na International Business School (ESCE), em 1998. Concomitantemente, fiz vários estágios em startups, organizações privadas e públicas, e em uma famosa empresa de queijos. Dessas passagens abstrai como as pessoas trabalham, interagem e atuam em organizações de diversos portes e setores.
Também foi neste momento que comecei a observar vários estilos de Gestão e Liderança. Na verdade, desde muito cedo me fascinei sobre o tema, após ler os clássicos Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes, de Stephen R. Covey, e O Gerente Minuto, de Spencer Johnson & Kenneth Blanchard, ambos presentes do meu pai. Comecei, a partir de então, a moldar o meu estilo de liderança, definindo progressivamente o líder que queria ser.
Liderar é estar próximo de seus pares
Eu gosto muito do conceito servant leadership: ser aquele que está à disposição do seu time, dos seus parceiros internos e dos seus parceiros externos. A proximidade e a simplicidade permitem uma relação mais autêntica e auxiliam no posicionamento e na criação de valor frente aos demais. Esta postura também te torna um integrador que ajuda a romper os silos que sempre existem entre funcionários, em busca de um interesse comum. Parece um pouco conceitual, mas com estes pontos você consegue chegar onde quiser e encontrar as soluções que precisa.
Tenha uma meta e crie trajeto para atingi-la
Fiz o último ano de graduação na Universidade de Brighton, no Reino Unido, onde conheci minha esposa. Ali compreendi o poder da curiosidade, de conhecer novas culturas e expandir fronteiras para além da terra natal. A visão também se expandiu no que se referia à área que gostaria de seguir. Entendi que ingressar no mundo dos negócios do esporte me tornaria uma pessoa feliz. E que justamente por isso teria mais chances de ter um bom desempenho. Esse raciocínio foi, provavelmente, o melhor que fiz na vida.
A jornada ficou clara àquela altura: aliar o interesse pelos negócios à paixão pelo esporte! Concluí o percurso acadêmico com um mestrado em Gestão do Esporte na escola de negócios francesa Audencia, e ali tive acesso a vários especialistas em diversas áreas ligadas ao esporte. Assim comecei a construir minha rede de contatos e a me conectar com pessoas de paixão e motivação semelhantes.
Resiliência e atitude: ingredientes certos na busca do propósito
Terminado o MBA em Esporte, fui atrás do meu propósito e me inscrevi na Adidas, na Nike e na maioria de suas filiais em todo o mundo. Também me candidatei em mais de 100 clubes de futebol da primeira e da segunda divisão da Europa. Um período difícil, pois só recebi três respostas positivas entre centenas de candidaturas realizadas. Destas, uma mudaria a minha trajetória por completo: um convite para participar de uma entrevista na Adidas, na Alemanha. E lá fui eu, de terno e gravata, totalmente desconectado do código de vestimenta que girava em torno de tênis e camisetas, mas extremamente feliz com aquela oportunidade que se abria para mim. Fui aprovado e, enfim, daria seguimento ao caminho que idealizava há muito em meus pensamentos.
Sem dúvida, a resiliência foi fundamental. Foque em sua paixão e sinta prazer no caminho que está trilhando. Não é simples entrar em uma organização como a Adidas e muito menos combinar paixões e interesses pessoais com destino profissional. Mas com resiliência você pode. Atitude e personalidade são diferenciais. Acredite: a performance individual e a capacidade de se conectar e gerar impacto com o negócio fazem a diferença muito mais do que a parte acadêmica. Esta lhe dá certo nível de entendimento de conceitos, mas são muito mais os soft skills que fazem a diferença.
Escute seu mentor e mostre atitude e energia frente às ações
Ao iniciar na Adidas, como estagiário, no pequeno vilarejo de Herzogenaurach, na Alemanha, os primeiros passos ocorreram em uma função comercial no mercado europeu. Meu mentor e chefe foi Alain Brouhard, na época vice-presidente de Operações Comerciais, um executivo muito experiente, estratégico e duro em alguns aspectos. Dele veio um conselho que nunca esqueci: “Fazer vendas é uma escola incrível. Você aumentará sua confiança e capacidade de construir relacionamentos e definir estratégias. Não é fácil, mas é um ótimo lugar para começar uma carreira”.
Foi Alain quem claramente me pressionou a voltar para a França e construir a experiência no campo de batalha. Não foi uma decisão fácil, pois significava deixar a minha futura esposa – que se juntou a mim na Alemanha e também trabalhava lá na época – e regressar à terra natal. Contudo, apesar das incertezas, segui o conselho que me foi dado e tomei a melhor decisão de todas.
Ofereceram-me a oportunidade de atuar como Key Account Manager para um dos maiores varejistas de artigos esportivos do mundo: a Decathlon. Sempre me lembrarei daqueles primeiros dias em Lille (norte de França, perto da sede da Decathlon), sem dormir à noite, sobrecarregado pela responsabilidade de gerir uma carteira de encomendas de 35 milhões de euros… Sem nunca ter vendido um único calçado na vida! Grande responsabilidade para o jovem de 25 anos que eu era na época!
Rapidamente percebi o quanto adorava vendas, planejamento estratégico, planos de crescimento e geração de relacionamentos de confiança. As relações comerciais necessitam de um forte componente de alegria e vínculo social. Ficou claro para mim que precisava me afastar de qualquer tipo de relacionamento transacional e elevar as parcerias definindo um propósito conjunto maior e mais ousado.
Serei sempre grato ao Jerome Leveque, diretor de Key Accounts na época, por me dar a oportunidade. Creio que ele viu potencial em mim. Embora não tivesse as competências técnicas, tinha atitude, energia positiva e o impulso para atingir os objetivos. Esta experiência ainda hoje influencia a forma como faço recrutamento. Valores e atitudes pessoais são rei e rainha. O resto você pode aprender.
Equilíbrio é fundamental para alto desempenho
Após alguns anos, percebi que o aprendizado e o reconhecimento eram impulsionadores importantes. E senti que não estava me desenvolvendo no ritmo que queria. Pedi demissão. Contudo, a Adidas me fez uma oferta forte, para assumir a liderança da região sudeste, com sede em Lyon. Foi um momento incrível, liderando pela primeira vez uma equipe de vendas composta por perfis muito diversos e enfrentando relacionamentos comerciais mais desafiadores. Pela primeira vez na carreira fui o profissional mais bem classificado na região. E isso me deu maiores responsabilidades em todas as dimensões do negócio.
Mais uma vez, aprendi muito neste processo. E foi quando também percebi a importância de equilibrar a vida profissional e pessoal. Além do trabalho, tinha que cuidar de duas princesinhas, Anaïs (então com 2 anos) e Eloise (recém-nascida).
Não vou dizer que foi ou é fácil. Mas se você decide se posicionar com prioridade e define que isso faz parte da rotina, você consegue. Para mim, ter um tempo de qualidade com a família e fazer esportes de 3 a 4 vezes por semana é importantíssimo; ir dormir entre 22 e 23 horas e alimentar-se de forma saudável é vital para me balancear. Tudo começa com o autoconhecimento.
Fuja do óbvio e busque explorar segmentos novos
Após a passagem por Lyon, Christophe Gante, um ex-chefe de Vendas que depois passou para Supply Chain, me desafiou a sair da zona de conforto em vendas e considerar uma oportunidade para assumir a função de diretor na área de SCM. Me mudei novamente com a família, desta vez para a sede francesa em Estrasburgo, perto da fronteira alemã. Mudar para o cargo de diretor de Supply Chain foi uma escolha que poucos compreenderam na Adidas. Mas tive que ouvir a voz dentro de mim que me impulsionou a explorar e descobrir coisas novas. Foi uma ótima decisão, mas a transição não foi fácil.
Fazer essas mudanças do front para o back office também desenvolveu minha singularidade, tornando-me um dos poucos talentos da organização local que tinha perfil diversificado, sendo capaz de navegar na matriz. Isso despertou o interesse do gerente geral da época, Alain Pourcelot, em me convidar para integrar o Conselho, liderando a equipe de Tecnologia. O objetivo era claro: reposicionar a função para uma “Tech for Business”, criando mais valor empresarial. Neste cargo, além da experiência em Tech, aprendi muito de Gestão, Sistemas & Apps, e pude acessar em primeira mão todos os temas estratégicos que impactam a equipe de Gestão. Foi também extremamente enriquecedor aprender com os líderes mais experientes, ajudando-me também a definir o líder que queria ser.
Até que, em abril de 2015, surgiu o convite para ocupar uma posição no Panamá, na América Latina, onde fica a sede regional da Adidas. Vivendo como uma família internacional (minha esposa vem de Dubai, com pai egípcio e mãe holandesa), sempre tivemos interesse em dar uma vida internacional às nossas filhas. E esta foi a oportunidade perfeita. Em novembro de 2021, um novo convite para atuar como general manager no Brasil! E, mais uma vez, o desafio foi aceito.
Esteja atento aos movimentos do mercado para agir na hora certa
Antes de embarcar para o Brasil, tive de encarar uma grande tarefa. Como vice-presidente de Vendas da América Latina, enfrentei o impacto da Pandemia de Covid-19. Além de todos os protocolos para proteger os colaboradores, havia a missão de manter o nível do negócio para proteger a sobrevivência da empresa e criar uma parceria junto aos clientes, focando em ações que fossem além de 2020.
E este movimento passava pela transformação digital. Tínhamos a nossa própria plataforma, mas isso não era suficiente. Fazia-se necessário elevar a presença da marca junto aos marketplaces como Centauro, Netshoes e Mercado Livre. E para isso era preciso mudar a cultura, ajudar nossos times a entender o mundo digital e também a criar ações para reforçar e dar mais visibilidade à marca, bem como investir em uma logística adequada para satisfazer os consumidores.
E já que não havia showroom aberto para visitação, também precisávamos de uma plataforma eficiente para apresentar o catálogo e ajudar os clientes a fazerem as escolhas dos produtos somente com o olhar, sem poder experimentar ou tocar. Desenvolvemos um grande trabalho em toda a América Latina, conversei com pessoas de vários pontos do mundo, agreguei especialistas deste nicho ao nosso time e hoje, após a crise sanitária, as vendas digitais representam um percentual importante do todo.
Vivência internacional expande capacidade de driblar obstáculos
As experiências que tive junto a diferentes culturas dos países em que estive me trouxeram grandes aprendizados. Na Alemanha, por exemplo, aprendi o rigor, a disciplina, os sistemas e os processos; na América Latina, o poder da energia positiva, da resiliência e da capacidade de se adaptar a mudanças.
Ao analisar o contexto e a cultura de cada país progressivamente, pude adaptá-los a minha forma de trabalhar e, dessa forma, comecei a pensar de maneira mais ágil em soluções. Quando existe esta diversidade, você consegue um mix de soluções enriquecedoras, como pessoa e como líder.
Mas claro que existem as dificuldades. Quando se chega a um país novo, os primeiros meses são sempre desafiadores. Afinal, você não tem sua base social nem a rotina de situações que te ajudarão a dirigir o caminho. O negócio é intenso, a exigência é forte, a pressão de performance é alta e existe um pouco de insegurança.
Dessa forma, é importante criar relações de confiança com algumas pessoas da equipe que possam lhe dar um feedback. Esta perspectiva sincera sinaliza você a entender se o que está colocando em prática está dando certo ou não. Mas esta relação não acontece de um dia para o outro. E dominar o idioma faz parte deste processo.
ESG, a contribuição corporativa que vai além dos protocolos
Como CEO e como pessoa, acredito que temos um papel a desempenhar e contribuir para a sociedade. Nossa parceria com a CUFA (Central Única das Favelas) e com a comunidade de Heliópolis, em São Paulo, é muito importante para mim e para todos os funcionários da Adidas no Brasil.
Eu cresci com educação cristã e valores de respeito e humanidade latentes. Chegar ao Brasil e ver a pobreza nas ruas nos faz questionar qual a melhor forma de fazer a diferença. Na Adidas Brasil o foco é atuar em questões mais profundas de forma consistente, conectando o esporte às comunidades e gerando ações constantes nestes locais, pois a ideia é mandar uma mensagem ao mundo corporativo de inclusão e rompimento de barreiras.
Também estamos comprometidos com a diversidade, a igualdade e a inclusão, tendo agora 50% de mulheres na liderança e tentando acelerar outras dimensões importantes, como a diversidade racial, implementando o “Programa de Contratação Afirmativa” para ajudar pessoas de diversas origens a terem a oportunidade de acessar o mundo corporativo. Cada passo é importante!
Trabalhe o networking e amplie a escuta ativa
Construa relacionamentos genuínos, celebre a gentileza e procure maneiras de ter prazer na trajetória, combinando sua paixão, o que você faz bem, com a carreira profissional. A maior parte das pessoas tem boas intenções e quer ajudar! Multiplique as conversas com pessoas múltiplas e diversas, tenha uma escuta ativa e abra a mente para ter um entendimento mais completo das possibilidades e fazer as escolhas que fazem mais sentido para você. A gente tem muito mais possibilidades do que imagina, uma rede de contatos muito mais ampliada do que conhece e esse processo vai ampliar as chances de se conectar com pessoas que colaborarão com o desbravamento da jornada. Tenha confiança em si mesmo, foque e prossiga, pois todos temos talento!
Sugestão de leitura:
Legado: 15 lições de liderança que podemos aprender com o time de rugby All Blacks, de James W. Kerr. Editora Benvirá, 2016.