O IVAR cairá no gosto do mercado de locação?
O novo índice do aluguel da FGV nunca deverá ser limitador da liberdade das partes em contratar o que entendam ser o melhor para aquele caso concreto
Da Redação
Publicado em 9 de fevereiro de 2022 às 11h46.
A Lei de Locações (8.245/91) foi um divisor de águas no mercado de locações, já que na década de 80, além das condições econômicas desfavoráveis impulsionadas pela inflação galopante, as leis anteriores (em especial a 6.649/79) tinham exacerbado o dirigismo contratual -- protegendo demasiadamente o locatário, o que acabou por induzir um comportamento bélico entre as partes e, sobretudo, retrair a oferta de imóveis.
No intuito de estimular as relações locatícias e, assim, reduzir o déficit habitacional, especialmente o residencial, foi promulgada a Lei de Locações (8.245/91), que, como colocado pelo saudoso Silvio Capanema [1] já na introdução aos seus comentários, tinha como principais objetivos: a gradual liberação do mercado; incentivar a construção de novas unidades para locação; a aceleração da prestação jurisdicional; e a unificação do regime legal aplicável em busca de fortalecer a almejada segurança jurídica.
A então Lei de Locações, “ com as suas diversas inovações legislativas e maior clareza textual, eliminou os entraves à correção monetária do aluguel e à sua revisão e passou a regulamentar, de modo mais abrangente, completo e sistemático, todas as modalidades de locação e os institutos a ela inerentes ” [2].
Essas alterações trouxeram equilíbrio à relação contratual, reduziram a insegurança jurídica, prestigiaram a autonomia da vontade e a liberdade contratual, incentivando a retomada da oferta de imóveis em um segmento tão importante para a coletividade e, consequentemente, a diminuição do volume de ações judiciais [3].
30 anos depois, é inegável o seu sucesso! É inegável sua maturidade!
Desde sua promulgação, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), foi o mais escolhido pelas partes, na medida em que é calculado por sólida instituição e divulgado ao início de cada mês.
Em suma, a adoção massiva do IGP-M, frise-se, por mera liberalidade das partes contratantes, funcionou muito bem até 2020, ficando conhecido como “o índice que mede a inflação dos aluguéis” [4]. Entretanto, a partir do início da pandemia, o IGP-M, influenciado pelo aumento de matérias-primas, do dólar e do preço das commodities, sofreu um expressivo aumento, já que é composto por esses três indicativos, fazendo com que se descolasse dos demais índices e, em algumas circunstâncias, também dos valores praticados, pelo mercado, para as novas locações.
Felizmente, no auge da pandemia, ainda que com o movimento de abertura e fechamento do comércio, com o IGP-M nas alturas, muitos negócios colapsando, a palavra de ordem entre locatários e locadores foi “negociar”.
E assim, ao contrário do esperado, o número de demandas judiciais, tendo por objeto a revisão do aluguel, não foi expressiva, lembrando que no mercado residencial foi praticamente inexistente, o que indica, além da maturidade do mercado, que a vontade e a atuação das partes pautada na boa-fé objetiva e no equilíbrio econômico do contrato foram preponderantes e eficazes.
Com a mesma competência de sempre, em 11 de janeiro de 2022, a respeitadíssima FGV, ao que tudo indica, no intuito de produzir um índice destinado ao mercado de locações, criou o IVAR – Índice de Variação de Aluguéis Residenciais, obtido pela média ponderada da variação dos aluguéis residenciais a partir de uma amostra de 10.000 contratos celebrados nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, extraída de negócios efetivamente realizados.
O IVAR é bem-vindo, por ser mais uma opção de índice que possa ser eleito pelas partes contratantes. No entanto não nos parece que deva ser escolhido desde já. Isso porque existem desafios importantes a serem vencidos até o seu amadurecimento, ou seja, até que seja apto a demonstrar a necessária aderência ao que se pretende medir.
Como sabemos, o nosso Brasil é um país continental, o que traz especial complexidade em relação a se obter uma única média ponderada que possa servir de parâmetro para todas as regiões. Neste primeiro ano em que o IVAR apresentou o resultado negativo de 0,61%, muitas cidades apresentaram variações muito positivas, como é o caso de Florianópolis, com alta de 11,59%, Curitiba, com 7,5%, Goiânia, com 14, 69%, e Fortaleza, com 17%, como apontam dados da Rede Avançada de Locação (entidade que congrega administradoras de imóveis no Brasil).
O próprio Fipe-ZAP+, que mede a variação dos valores ofertados para locação, teve uma alta de 3,87% em 2021.
Talvez, além do tratamento e da ampliação da amostra utilizada, a regionalização do índice possa funcionar. Mas ainda haverá mais um desafio a ser vencido: a questão de mercado, ofertas e demandas em microrregiões. Como superar essa realidade? Fica a provocação aos especialistas.
Há notícias de que até nas cidades medidas existem médias ponderadas positivas, motivo pelo qual parece ser uma utopia um índice que possa ser pensado como solução absoluta para evitar revisões de aluguéis ou necessidade de negociação entre as partes na busca do equilíbrio econômico do contrato.
E, justamente por isso, que entendemos que o IVAR ainda precisa amadurecer antes de ser mais uma opção na cesta de índices a serem eleitos pelas partes. E, quando maduro, nunca deverá ser obrigatório ou limitador da liberdade das partes em contratar o que entendam ser o melhor para aquele caso concreto.
Lembramos que o mercado de locação deve ser atraente ao investimento e que a Lei de Locações nos ensinou e provou que é a ampliação de ofertas que protege os locatários e os locadores, tornando o setor atrativo, e não uma legislação protecionista e mandatória.
Perpetuidade à liberdade contratual!
*Moira Regina de Toledo Bossolani é diretora de Risco e Governança na Lello Imóveis; Luciana Henriques Ismael é vice-presidente do Ibradim. Ambas são membros do Amazonita Clube - Think Tank do Mulheres do Imobiliário.
**As opiniões contidas neste artigo são de exclusiva responsabilidade das autoras.
[1] Souza, Sylvio Capanema de. “A Lei do Inquilinato Comentada – artigo por artigo”. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2017. P. 02.
[2] Abelha André. “Direito Imobiliário – Reflexões atuais”. Porto Alegre: Paixão Editores. P. 90.
[3] Em especial em relação à fixação de aluguel e reajustes, a Lei 8245/91 se preocupou em expressar: “Art 17. É livre a convenção do aluguel, vedada a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo.Parágrafo único. Nas locações residenciais serão observados os critérios de reajustes previstos na legislação específica. Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.”
[4] Embora não tenha tecnicamente sido criado para essa finalidade de sorte que não representa essa variação específica.
Amazonita Clube
O Amazonita Clube é um centro de reflexão e proposição de soluções para os temas mais importantes do setor imobiliário. Sua atuação está pautada em dois pilares centrais: expertise e diversidade.
A missão do clube é estimular a evolução do mercado imobiliário e, simultaneamente, crescentes presença e visibilidade femininas na sua liderança, a partir de uma agenda de trabalho consistente, de médio e longo prazos.
O Amazonita é um núcleo estratégico do grupo Mulheres do Imobiliário, que agrega cerca de 700 profissionais ativas no mercado, de todas as partes do país. O clube foi criado por Elisa Tawil, idealizadora do Mulheres do Imobiliário, empreendedora e mentora, e por Giovanna Carnio, jornalista, economista e especialista em conteúdo imobiliário.
Entre as integrantes do Amazonita Clube estão: Rafaella Carvalho (Cyrela), Fernanda Rosalem (Patria Investimentos), Bianca Setin (Setin), Haaillih Bittar (Tishman Speyer), Tania Costa (Regus), Roberta Bigucci (MBigucci Construtora), Mariliza Pereira (RioOito Incorporações e Empreendimentos) e Cecilia Maia Noal (Gamaro).
A Lei de Locações (8.245/91) foi um divisor de águas no mercado de locações, já que na década de 80, além das condições econômicas desfavoráveis impulsionadas pela inflação galopante, as leis anteriores (em especial a 6.649/79) tinham exacerbado o dirigismo contratual -- protegendo demasiadamente o locatário, o que acabou por induzir um comportamento bélico entre as partes e, sobretudo, retrair a oferta de imóveis.
No intuito de estimular as relações locatícias e, assim, reduzir o déficit habitacional, especialmente o residencial, foi promulgada a Lei de Locações (8.245/91), que, como colocado pelo saudoso Silvio Capanema [1] já na introdução aos seus comentários, tinha como principais objetivos: a gradual liberação do mercado; incentivar a construção de novas unidades para locação; a aceleração da prestação jurisdicional; e a unificação do regime legal aplicável em busca de fortalecer a almejada segurança jurídica.
A então Lei de Locações, “ com as suas diversas inovações legislativas e maior clareza textual, eliminou os entraves à correção monetária do aluguel e à sua revisão e passou a regulamentar, de modo mais abrangente, completo e sistemático, todas as modalidades de locação e os institutos a ela inerentes ” [2].
Essas alterações trouxeram equilíbrio à relação contratual, reduziram a insegurança jurídica, prestigiaram a autonomia da vontade e a liberdade contratual, incentivando a retomada da oferta de imóveis em um segmento tão importante para a coletividade e, consequentemente, a diminuição do volume de ações judiciais [3].
30 anos depois, é inegável o seu sucesso! É inegável sua maturidade!
Desde sua promulgação, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), foi o mais escolhido pelas partes, na medida em que é calculado por sólida instituição e divulgado ao início de cada mês.
Em suma, a adoção massiva do IGP-M, frise-se, por mera liberalidade das partes contratantes, funcionou muito bem até 2020, ficando conhecido como “o índice que mede a inflação dos aluguéis” [4]. Entretanto, a partir do início da pandemia, o IGP-M, influenciado pelo aumento de matérias-primas, do dólar e do preço das commodities, sofreu um expressivo aumento, já que é composto por esses três indicativos, fazendo com que se descolasse dos demais índices e, em algumas circunstâncias, também dos valores praticados, pelo mercado, para as novas locações.
Felizmente, no auge da pandemia, ainda que com o movimento de abertura e fechamento do comércio, com o IGP-M nas alturas, muitos negócios colapsando, a palavra de ordem entre locatários e locadores foi “negociar”.
E assim, ao contrário do esperado, o número de demandas judiciais, tendo por objeto a revisão do aluguel, não foi expressiva, lembrando que no mercado residencial foi praticamente inexistente, o que indica, além da maturidade do mercado, que a vontade e a atuação das partes pautada na boa-fé objetiva e no equilíbrio econômico do contrato foram preponderantes e eficazes.
Com a mesma competência de sempre, em 11 de janeiro de 2022, a respeitadíssima FGV, ao que tudo indica, no intuito de produzir um índice destinado ao mercado de locações, criou o IVAR – Índice de Variação de Aluguéis Residenciais, obtido pela média ponderada da variação dos aluguéis residenciais a partir de uma amostra de 10.000 contratos celebrados nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, extraída de negócios efetivamente realizados.
O IVAR é bem-vindo, por ser mais uma opção de índice que possa ser eleito pelas partes contratantes. No entanto não nos parece que deva ser escolhido desde já. Isso porque existem desafios importantes a serem vencidos até o seu amadurecimento, ou seja, até que seja apto a demonstrar a necessária aderência ao que se pretende medir.
Como sabemos, o nosso Brasil é um país continental, o que traz especial complexidade em relação a se obter uma única média ponderada que possa servir de parâmetro para todas as regiões. Neste primeiro ano em que o IVAR apresentou o resultado negativo de 0,61%, muitas cidades apresentaram variações muito positivas, como é o caso de Florianópolis, com alta de 11,59%, Curitiba, com 7,5%, Goiânia, com 14, 69%, e Fortaleza, com 17%, como apontam dados da Rede Avançada de Locação (entidade que congrega administradoras de imóveis no Brasil).
O próprio Fipe-ZAP+, que mede a variação dos valores ofertados para locação, teve uma alta de 3,87% em 2021.
Talvez, além do tratamento e da ampliação da amostra utilizada, a regionalização do índice possa funcionar. Mas ainda haverá mais um desafio a ser vencido: a questão de mercado, ofertas e demandas em microrregiões. Como superar essa realidade? Fica a provocação aos especialistas.
Há notícias de que até nas cidades medidas existem médias ponderadas positivas, motivo pelo qual parece ser uma utopia um índice que possa ser pensado como solução absoluta para evitar revisões de aluguéis ou necessidade de negociação entre as partes na busca do equilíbrio econômico do contrato.
E, justamente por isso, que entendemos que o IVAR ainda precisa amadurecer antes de ser mais uma opção na cesta de índices a serem eleitos pelas partes. E, quando maduro, nunca deverá ser obrigatório ou limitador da liberdade das partes em contratar o que entendam ser o melhor para aquele caso concreto.
Lembramos que o mercado de locação deve ser atraente ao investimento e que a Lei de Locações nos ensinou e provou que é a ampliação de ofertas que protege os locatários e os locadores, tornando o setor atrativo, e não uma legislação protecionista e mandatória.
Perpetuidade à liberdade contratual!
*Moira Regina de Toledo Bossolani é diretora de Risco e Governança na Lello Imóveis; Luciana Henriques Ismael é vice-presidente do Ibradim. Ambas são membros do Amazonita Clube - Think Tank do Mulheres do Imobiliário.
**As opiniões contidas neste artigo são de exclusiva responsabilidade das autoras.
[1] Souza, Sylvio Capanema de. “A Lei do Inquilinato Comentada – artigo por artigo”. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2017. P. 02.
[2] Abelha André. “Direito Imobiliário – Reflexões atuais”. Porto Alegre: Paixão Editores. P. 90.
[3] Em especial em relação à fixação de aluguel e reajustes, a Lei 8245/91 se preocupou em expressar: “Art 17. É livre a convenção do aluguel, vedada a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo.Parágrafo único. Nas locações residenciais serão observados os critérios de reajustes previstos na legislação específica. Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste.”
[4] Embora não tenha tecnicamente sido criado para essa finalidade de sorte que não representa essa variação específica.
Amazonita Clube
O Amazonita Clube é um centro de reflexão e proposição de soluções para os temas mais importantes do setor imobiliário. Sua atuação está pautada em dois pilares centrais: expertise e diversidade.
A missão do clube é estimular a evolução do mercado imobiliário e, simultaneamente, crescentes presença e visibilidade femininas na sua liderança, a partir de uma agenda de trabalho consistente, de médio e longo prazos.
O Amazonita é um núcleo estratégico do grupo Mulheres do Imobiliário, que agrega cerca de 700 profissionais ativas no mercado, de todas as partes do país. O clube foi criado por Elisa Tawil, idealizadora do Mulheres do Imobiliário, empreendedora e mentora, e por Giovanna Carnio, jornalista, economista e especialista em conteúdo imobiliário.
Entre as integrantes do Amazonita Clube estão: Rafaella Carvalho (Cyrela), Fernanda Rosalem (Patria Investimentos), Bianca Setin (Setin), Haaillih Bittar (Tishman Speyer), Tania Costa (Regus), Roberta Bigucci (MBigucci Construtora), Mariliza Pereira (RioOito Incorporações e Empreendimentos) e Cecilia Maia Noal (Gamaro).