Política tira o foco da luta contra a pandemia, e moeda enfraquece
Se um país emergente está em situação econômica preocupante, a maior parte dos investidores deve escolher um que julgar seguro para colocar seu dinheiro
felipegiacomelli
Publicado em 11 de maio de 2020 às 13h40.
Última atualização em 11 de maio de 2020 às 13h41.
Uma máxima: o preço dos ativos age negativamente frente a incertezas. Quanto maior a incerteza do período, pior o reflexo em preços. Na taxa de câmbio essa regra é intensificada por sua característica de variável de risco. Pensa comigo, se um país emergente está em situação econômica preocupante, possivelmente, a maior parte dos investidores vai escolher um país que julgar seguro para colocar seu dinheiro, então a taxa de câmbio daquele país emergente sobe. Em outras palavras, quanto maior o risco do país mais desvalorizada estará sua taxa de câmbio.
O coronavírus apareceu e a pandemia se instalou, mostrando que nenhum país do mundo está imune. Contudo, dada a condição acima, os dados do IIF (Institute of International Finance) já mostram que a saída de recursos de países emergentes bate recorde. Na crise financeira de 2008/2009 a saída de recursos foi da ordem de US$ 20 bilhões, nos primeiros 75 dias de crise. Desta vez, esse número já alcançou os US$ 100 bilhões, no mesmo período. A consequência, claro, foi uma desvalorização das taxas de câmbio dos emergentes (em média, 10% neste ano).
E faz sentido, não acham? Ora, nos países mais pobres, a condição sanitária tende a ser pior do que nos desenvolvidos e a desigualdade social também grita; deixando os países emergentes numa condição mais desfavorável para lidar com o vírus. Vejam, segundo o Banco Mundial, no Brasil 88,3% das pessoas têm acesso ao serviço sanitário básico. Valor bem abaixo de países que estiveram recentemente no epicentro da doença (EUA é de 99,9%, Itália 98,8%, por exemplo). Esse indicador pode servir como exemplo de que a luta contra a covid-19 pode ser mais dura para emergentes, dado que a principal arma hoje é água e sabão, e isolamento social; e esse segundo, embora amplamente aplicado, sabemos que a depender das condições de moradia, fica quase inviável.
Nosso Brasil brasileiro tem sido o patinho feio entre seus amigos emergentes. Bom, a taxa de câmbio brasileira subiu humilhantes 45% neste ano, chegando à marca histórica de R$ 5,80. Isso é pandemia? Sim, boa parte disso é explicado pela pandemia, mas, ainda assim, é muita diferença de nossos pares. Qual a razão disso?
Como emergente, o Brasil tem uma condição social bastante complexa. A desigualdade social no país é gigante; alinhada ao tamanho territorial do país. Contudo, olhando o mesmo indicador citado acima, o Brasil tem mais acesso a serviços sanitários que alguns pares emergentes (na América Latina 86% tem acesso, e na África do Sul, meros 75%). Assim, há peculiaridades adicionais na conjuntura brasileira, que não a Covid, que explicam esse desempenho fraco do real.
Aqui, pessoal, reinam as confusões no ambiente político. Vejam: enquanto o mundo luta de forma coordenada contra a pandemia, o Brasil vai na contramão. Desde 2019, vimos o novo governo patinando em relações institucionais. Vimos brigas com o Congresso, agressões verbais a governos estrangeiros... e, nesse episódio pandêmico, temos observado uma clara queda de braço entre os poderes; entre esfera federal e estadual. Isso sem contar os processos infindáveis para os recursos públicos, já anunciados, chegarem à população e desentendimentos dentro do próprio governo (demissões de ministros-chaves). E, ainda, a cereja do bolo – os comentários jocosos em relação à doença proferidos pelo próprio presidente da República do Brasil.
A meu ver, o grande problema é que no Brasil a trágica pandemia virou uma briga política, ressaltando ainda mais uma polaridade (“Sou de esquerda, fico em casa e não posso ouvir sobre efeitos na economia, isso não existe!”; ou, “Sou de direita, a Covid é uma gripezinha e empregos em primeiro lugar!”). Em ambos os argumentos, o bom senso se perdeu completamente. As oportunidades de cooperação e de organização requeridas para lidar com essa crise, que é sanitária, mas é econômica também, ficam em segundo plano, dando espaço apenas a uma crise política. Lamentável!
O fato é que esse cenário, aumentou severamente a aversão ao risco do Brasil, fazendo com que a taxa de câmbio alcançasse impensáveis US$/R$ 5,80 e se destoasse do resto dos pares emergentes. Parabéns a todos envolvidos.
Olhando à frente, dentro da possibilidade do cenário mais nebuloso já enfrentado pela sociedade moderna, a volatidade da taxa de câmbio brasileira deve seguir alta. Em primeiro lugar, porque as condições sociais do Brasil aumentam a dificuldade do enfrentamento do vírus. Isso talvez faça com que tenhamos um ciclo mais longo de isolamento social do que outros países, ocasionando, sim, uma recessão econômica abissal – o que por si só afasta investidores, aumenta incerteza e mantém pressão na taxa de câmbio.
Em segundo lugar, a crise política não tem sinais de arrefecimento. Nossos políticos não parecem empenhados em se unirem para a causa, e uma vez finda a luta contra a Covid, podem voltar aos seus passos partidaristas. E, finalmente, a necessidade de levar a taxa de juros ao menor patamar histórico também não ajuda o câmbio, afinal a atratividade do país fica ainda menor.
Dito isso, com a possível necessidade de isolamento social acima da média mundial, ocasionando estancamento da economia com solavancos políticos, não me assustaria ver a taxa de câmbio seguir alcançando recordes históricos (US$/R$ 6,5/ US$/R$ 7,0???).
Por outro lado, se um remédio for descoberto e vermos uma calmaria mundial, nossa moeda se beneficiando de sua característica mais líquida, poderia voltar rapidamente abaixo de US$/R$ 5,00... mas, aqui, dependeríamos mais da ciência do que da política e da economia... Realmente, Tom Jobim estava certo, o Brasil não é para principiantes.
Fernanda Consorte
Economista-Chefe Banco Ourinvest
Uma máxima: o preço dos ativos age negativamente frente a incertezas. Quanto maior a incerteza do período, pior o reflexo em preços. Na taxa de câmbio essa regra é intensificada por sua característica de variável de risco. Pensa comigo, se um país emergente está em situação econômica preocupante, possivelmente, a maior parte dos investidores vai escolher um país que julgar seguro para colocar seu dinheiro, então a taxa de câmbio daquele país emergente sobe. Em outras palavras, quanto maior o risco do país mais desvalorizada estará sua taxa de câmbio.
O coronavírus apareceu e a pandemia se instalou, mostrando que nenhum país do mundo está imune. Contudo, dada a condição acima, os dados do IIF (Institute of International Finance) já mostram que a saída de recursos de países emergentes bate recorde. Na crise financeira de 2008/2009 a saída de recursos foi da ordem de US$ 20 bilhões, nos primeiros 75 dias de crise. Desta vez, esse número já alcançou os US$ 100 bilhões, no mesmo período. A consequência, claro, foi uma desvalorização das taxas de câmbio dos emergentes (em média, 10% neste ano).
E faz sentido, não acham? Ora, nos países mais pobres, a condição sanitária tende a ser pior do que nos desenvolvidos e a desigualdade social também grita; deixando os países emergentes numa condição mais desfavorável para lidar com o vírus. Vejam, segundo o Banco Mundial, no Brasil 88,3% das pessoas têm acesso ao serviço sanitário básico. Valor bem abaixo de países que estiveram recentemente no epicentro da doença (EUA é de 99,9%, Itália 98,8%, por exemplo). Esse indicador pode servir como exemplo de que a luta contra a covid-19 pode ser mais dura para emergentes, dado que a principal arma hoje é água e sabão, e isolamento social; e esse segundo, embora amplamente aplicado, sabemos que a depender das condições de moradia, fica quase inviável.
Nosso Brasil brasileiro tem sido o patinho feio entre seus amigos emergentes. Bom, a taxa de câmbio brasileira subiu humilhantes 45% neste ano, chegando à marca histórica de R$ 5,80. Isso é pandemia? Sim, boa parte disso é explicado pela pandemia, mas, ainda assim, é muita diferença de nossos pares. Qual a razão disso?
Como emergente, o Brasil tem uma condição social bastante complexa. A desigualdade social no país é gigante; alinhada ao tamanho territorial do país. Contudo, olhando o mesmo indicador citado acima, o Brasil tem mais acesso a serviços sanitários que alguns pares emergentes (na América Latina 86% tem acesso, e na África do Sul, meros 75%). Assim, há peculiaridades adicionais na conjuntura brasileira, que não a Covid, que explicam esse desempenho fraco do real.
Aqui, pessoal, reinam as confusões no ambiente político. Vejam: enquanto o mundo luta de forma coordenada contra a pandemia, o Brasil vai na contramão. Desde 2019, vimos o novo governo patinando em relações institucionais. Vimos brigas com o Congresso, agressões verbais a governos estrangeiros... e, nesse episódio pandêmico, temos observado uma clara queda de braço entre os poderes; entre esfera federal e estadual. Isso sem contar os processos infindáveis para os recursos públicos, já anunciados, chegarem à população e desentendimentos dentro do próprio governo (demissões de ministros-chaves). E, ainda, a cereja do bolo – os comentários jocosos em relação à doença proferidos pelo próprio presidente da República do Brasil.
A meu ver, o grande problema é que no Brasil a trágica pandemia virou uma briga política, ressaltando ainda mais uma polaridade (“Sou de esquerda, fico em casa e não posso ouvir sobre efeitos na economia, isso não existe!”; ou, “Sou de direita, a Covid é uma gripezinha e empregos em primeiro lugar!”). Em ambos os argumentos, o bom senso se perdeu completamente. As oportunidades de cooperação e de organização requeridas para lidar com essa crise, que é sanitária, mas é econômica também, ficam em segundo plano, dando espaço apenas a uma crise política. Lamentável!
O fato é que esse cenário, aumentou severamente a aversão ao risco do Brasil, fazendo com que a taxa de câmbio alcançasse impensáveis US$/R$ 5,80 e se destoasse do resto dos pares emergentes. Parabéns a todos envolvidos.
Olhando à frente, dentro da possibilidade do cenário mais nebuloso já enfrentado pela sociedade moderna, a volatidade da taxa de câmbio brasileira deve seguir alta. Em primeiro lugar, porque as condições sociais do Brasil aumentam a dificuldade do enfrentamento do vírus. Isso talvez faça com que tenhamos um ciclo mais longo de isolamento social do que outros países, ocasionando, sim, uma recessão econômica abissal – o que por si só afasta investidores, aumenta incerteza e mantém pressão na taxa de câmbio.
Em segundo lugar, a crise política não tem sinais de arrefecimento. Nossos políticos não parecem empenhados em se unirem para a causa, e uma vez finda a luta contra a Covid, podem voltar aos seus passos partidaristas. E, finalmente, a necessidade de levar a taxa de juros ao menor patamar histórico também não ajuda o câmbio, afinal a atratividade do país fica ainda menor.
Dito isso, com a possível necessidade de isolamento social acima da média mundial, ocasionando estancamento da economia com solavancos políticos, não me assustaria ver a taxa de câmbio seguir alcançando recordes históricos (US$/R$ 6,5/ US$/R$ 7,0???).
Por outro lado, se um remédio for descoberto e vermos uma calmaria mundial, nossa moeda se beneficiando de sua característica mais líquida, poderia voltar rapidamente abaixo de US$/R$ 5,00... mas, aqui, dependeríamos mais da ciência do que da política e da economia... Realmente, Tom Jobim estava certo, o Brasil não é para principiantes.
Fernanda Consorte
Economista-Chefe Banco Ourinvest