Facebook e outros copiaram o ClubHouse. O importante não é ser o primeiro?
Ver tanta gente copiando um produto me fez lembrar de um antigo dilema da inovação: qual o impacto de ser pioneiro em um determinado setor?
Publicado em 23 de junho de 2021 às, 09h44.
Por Felipe Collins
Na última semana o Spotify lançou o Greenroom. O novo serviço é praticamente igual ao ClubHouse, aplicativo que fez muito sucesso no início do ano ao permitir que as pessoas montassem salas de discussão por voz ao vivo, permitindo uma experiência que muitos associaram com um “podcast ao vivo”.
E o Spotify não é o primeiro a copiar o ClubHouse. Antes dele, desde que o aplicativo entrou em rota de sucesso, o Twitter começou a testar um serviço similar com alguns usuários e, agora, levou a nova funcionalidade a toda sua base, com o nome de Spaces. O Facebook também está investindo em uma solução do tipo — mas o recurso ainda está restrito a influenciadores e outras contas verificadas.
O time de Mark Zuckerberg, inclusive, é contumaz nesta estratégia. Antes de adquirir o Instagram, a empresa tentou copiar o aplicativo. Depois, repetiu a fórmula quando se viu ameaçada por novas redes sociais, como Snapchat, o que a levou a criar os Stories, e TikTok, o que deu origem aos Reels.
Ver tanta gente copiando o produto desenvolvido pelo time do ClubHouse me fez lembrar de um antigo dilema comum a todo mundo que já tentou levar uma inovação ao mercado: qual o impacto de ser pioneiro em um determinado setor?
Vejo muitos empreendedores e intraempreendedores com medo de contar suas ideias para outras pessoas e verem a grande sacada saindo do papel antes, sob a marca de algum concorrente.
Existe até um termo para descrever o que leva essas pessoas a acreditarem que sair na frente é fundamental: first mover advantage (ou vantagem do pioneiro, em bom português). Mas, apesar de ter uma expressão que resuma o conceito, não existe unanimidade quanto a isso ser um fato.
Chegar primeiro em um determinado setor tem seus benefícios, é claro. Quem faz isso tende a conhecer melhor o público, aprender mais rápido e conseguir se tornar referência - e às vezes até sinônimo - daquele setor.
Um bom exemplo de que isso pode ser verdade é o que aconteceu com os aplicativos de mobilidade urbana globalmente. Mas se olharmos como foi o desenvolvimento deste mesmo mercado no Brasil, veremos o quanto essa tendência tem seus limites - e o pioneirismo está longe de ser o fator mais determinante.
Mercado de mobilidade: as duas face do dilema do pioneiro
O Uber é considerado o criador da categoria de aplicativos de transporte particular. Por ter sido o primeiro a se arriscar neste mercado, foi o também o primeiro a enfrentar desafios e ter a oportunidade de descobrir como solucionar as maiores dores dos seus clientes. Foi também inspiração para órgãos reguladores que pensavam em como lidar com este novo formato de negócio. Enfim: desfrutou dos ônus e dos bônus de ser o primeiro.
Poder mergulhar mais a fundo nas necessidades do usuário - além de conquistar os primeiros cheques de investidores que concordaram que o setor de mobilidade era o próximo a passar por uma disrupção - permitiu que o Uber aproveitasse sua posição inicial de liderança e seguisse ditando o ritmo do mercado em todo o mundo.
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Quando olhamos localmente, porém, a lógica que levou o Uber a se tornar líder do setor nos Estados Unidos - e em boa parte do mundo — não se repetiu por aqui. No Brasil, os aplicativos que saíram na frente na tentativa de dominar o mercado de mobilidade urbana — primeiro com táxis e depois com motoristas particulares - não foram os que venceram a disputa pela liderança.
Conforme o Uber chegou ao país com o peso de sua marca e o aprendizado acumulado em outros mercados e a 99 recebeu injeções de dinheiro da Didi (principal player do setor na Ásia), a data de fundação das empresas acabou perdendo importância.
Simbolicamente, este mês de junho marcou o encerramento definitivo das operações da Cabify no Brasil. A startup espanhola era a detentora da marca da EasyTaxi, considerada a primeira empresa do tipo no Brasil, mas há muito tempo já não tinha uma participação relevante no mercado local.
Afinal, o quanto importa ser pioneiro?
No fim das contas, aqueles que se apoiam na ideia de que ser pioneiro é garantia de algo acabam sofrendo com um efeito colateral. Em vez de olhar para o cliente e aproveitar o tempo que tem a seu favor, muitas empresas acabam se acomodando na posição de exclusividade no relacionamento com os usuários e perdem oportunidades valiosas de melhorar seus produtos.
É quase como a história da tartaruga e da lebre. Por dispor de uma vantagem inicial, muitas empresas se veem no direito de “tirar cochilos” quando o assunto é a evolução do negócio.
A tartaruga, no caso, é o empreendedor que entende que, mais do que sair na frente, o que importa é investir constantemente em dois elementos: entender a dor do cliente e qualidade da execução.
Muito mais do que uma boa ideia e o entendimento inicial da necessidade dos clientes, a forma como ela é executada e como evolui ao longo de seus primeiros dias é o que vai determinar quem, de fato, tem alguma vantagem.
É por isso que investidores de startup mais experientes gastam muito mais tempo analisando a qualidade de execução dos times envolvidos nos projetos que pretendem investir do que entendendo todos os detalhes e tecnologias envolvidas na ideia em si.
Aos olhos do consumidor, mais do que quem chegou primeiro, o que importa é quem entrega um produto ou serviço com mais qualidade. E o aumento de executivos e empreendedores atentos a isso é o que tem feito até mesmo mercados extremamente tradicionais (como o setor financeiro e o de turismo, por exemplo) serem virados de ponta cabeça por novos entrantes que desfrutam de bem menos tempo de relacionamento com os clientes.
Estar sempre atento a isso é o que vai garantir o sucesso do negócio - tenha ele nascido primeiro ou entrando em mercados já recheados de competidores.
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