Dos fundamentos à prática: por que dominar o ágil e métodos de inovação requer treino?
Por mais que seja verdade que a inovação está vindo em um ritmo nunca antes visto e que é necessário agir rápido, também é verdade que, para fazer direito, é preciso ter muita familiaridade com essas metodologias
Karina Souza
Publicado em 19 de janeiro de 2021 às 15h13.
Existe um comportamento que se repete com muita frequência nas mais diversas esferas pessoais e profissionais: a vontade e ânimo de operar são tão grandes que acabam se ignorando princípios e fundamentos para ir à prática e “começar a correr”. O ímpeto de começar a executar é ótimo, não entenda errado. É assim que surgem e crescem as maiores ideias e projetos do mundo, nascendo “na raça” e contra a corrente.
A combinação entre começar com a expectativa de ter a performance ideal desde o momento zero, ignorar que há uma curva de aprendizado e tentar passar batido por fundamentos e método pode ser como colocar a carroça na frente dos bois. Claro que eventualmente o negócio anda, mas anda atropelando.
Querer se destacar na Série A do Campeonato Brasileiro sem nunca ter treinado com bola é altamente improvável. Um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, Zico sempre credita seu sucesso a Joubert, técnico das categorias de base que o obrigava a repetir centenas de vezes os fundamentos mais básicos do futebol - o passe e o controle de bola entre eles.
Querer dar um show épico no palco do Rock in Rio sem nunca ter treinado a escala pentatônica na guitarra, também. Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin e autor do solo de guitarra mais longo já gravado no mundo, aprendeu os primeiros acordes com um amigo de escola, aos 12 anos, e só depois de muita prática do “essencial” partiu para criação de um jeito próprio de tocar.
Por que, então, não olhamos para os fundamentos de inovação com a mesma importância que cobramos de atletas e músicos sobre as competências básicas dessas áreas?
A mesma lógica serve para quando começamos a buscar por métodos ágeis e formatos de inovação. Pegar o framework completo “by the book” e achar que a aplicabilidade é imediata e indolor sem treino é quase um delírio. Montar um squad sem entender o princípio de agilidade e design organizacional ou tentar implementar Scrum sem correlacionar com os objetivos de negócio e praticar os fundamentos tem o mesmo (baixo) resultado.
A “memória muscular” demora a ser construída ou reconstruída, seja para movimentos motores como andar, correr e chutar, seja para ajustar o método como as coisas eram feitas em uma organização.
A pressa de implementar vs. a importância do fundamento
A verdade é que todo o barulho criado em torno do agile e demais formatos de inovação trouxe um efeito colateral. Termos como Scrum, Kanban, Squads e Lean são tão martelados em nossas cabeças que tudo leva a crer que quem não começar a aplicar imediatamente estas metodologias, vai acabar sendo deixado para trás. Até vai, mas é preciso ter calma.
Por mais que seja verdade que a inovação está vindo em um ritmo nunca antes visto e que é necessário agir rápido, também é verdade que, para fazer direito, é preciso ter muita familiaridade com essas metodologias - domínio que depende do entendimento real de seus fundamentos.
Implementar uma gestão por squads ou mesmo gerir pequenos projetos seguindo os conceitos do Scrum ou do Kanban é impossível se você simplesmente tentar repetir fórmulas prontas, sem saber o porquê de cada uma delas. Nem todos os métodos servem para todos os momentos ou tipos de empresa e só ao ter entender as bases da filosofia ágil que alguém se torna capaz de escolher o que, como e quando fazer.
É comum, por exemplo, ver times com muita dificuldade em adaptar o conceito de Mínimo Produto Viável (uma das bases do Lean) quando a missão não é montar um produto em si. A “memória muscular” traz como padrão o jeito tradicional de desenvolvimento, e o “by the book” fala só de produto.
Com isso, há problemas dentro de uma área de marketing que não consegue adaptar a ideia de MVP para uma “mínima campanha viável” ou de um departamento de RH que sofre para criar uma versão mínima para o processo de recrutamento de pessoas.
Em geral, a causa raiz deste desafio é um entendimento pouco claro do que é o MVP (uma versão simplificada, mas que entregue o valor principal desejado pelo projeto), e sem entender o básico, fica mais complexo traçar ramificações e paralelos.
O mesmo acontece quando o desafio é montar um quadro de Kanban. Ao não entender que um dos princípios do Kanban é criar visualização clara sobre os processos, permitindo encontrar gargalos e pontos de melhoria mais rapidamente, caímos no risco de usar sempre o modelo padrão deste sistema (o tradicional A Fazer - Fazendo - Feito), mesmo quando ele não é a sequência que vai trazer mais impacto para o time.
Etapa por etapa
No fundo, começar a implementar as metodologias ágeis é muito similar com qualquer processo de aprendizado que temos ao longo da vida. Os mestres das artes marciais têm até um nome especial para esse processo, oriundo do Aikidô: Shu Ha Ri.
Em uma tradução livre, Shu significa obedecer, Ha, modificar, e Ri, superar. O termo é aplicado originalmente ao kata, sequência de repetição de golpes de cada arte marcial. Na prática essa sequência pode ser incorporada em todo conhecimento que adquirimos ao longo da vida.
Lembre-se de quando você começou a dirigir: nas primeiras aulas da auto-escola, tinha que fazer um esforço consciente para se lembrar onde colocar o pé ou em que ritmo devia soltar a embreagem. Este é o Shu, a obediência e repetição do método.
Passado algum tempo, você começou a entender o que te gerava mais conforto na direção. Assim, adaptou ações e passou a escolher entre o freio de mão ou o pedal para controlar o carro ao arrancar em uma subida. É quando chegamos ao Ha, modificando e adaptando o método de acordo com nossas necessidades e capacidades.
Por fim, você começa a dirigir sem pensar no momento certo de trocar a marcha ou quando deve dar seta. Como dizem os bons motoristas, “o carro e seu corpo passam a ser uma coisa só”. Quando isso acontece, atingimos o Ri, superando o método da forma como nos foi ensinada e podendo aplicá-lo com tal naturalidade que sequer sabemos explicar com clareza porque optamos por um ou outro caminho em determinado momento.
Essa mesma sequência acontece quando começamos a navegar pelas metodologias ágeis. No início nos apegamos aos métodos conforme descrito nos livros e frameworks. Mas com o tempo vamos descobrindo o que funciona melhor em cada caso e passamos a criar nossas adaptações - o que só vai acontecer com sucesso se tivermos feito a primeira etapa direito e dominado os fundamentos por trás das metodologias.
Existe um comportamento que se repete com muita frequência nas mais diversas esferas pessoais e profissionais: a vontade e ânimo de operar são tão grandes que acabam se ignorando princípios e fundamentos para ir à prática e “começar a correr”. O ímpeto de começar a executar é ótimo, não entenda errado. É assim que surgem e crescem as maiores ideias e projetos do mundo, nascendo “na raça” e contra a corrente.
A combinação entre começar com a expectativa de ter a performance ideal desde o momento zero, ignorar que há uma curva de aprendizado e tentar passar batido por fundamentos e método pode ser como colocar a carroça na frente dos bois. Claro que eventualmente o negócio anda, mas anda atropelando.
Querer se destacar na Série A do Campeonato Brasileiro sem nunca ter treinado com bola é altamente improvável. Um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, Zico sempre credita seu sucesso a Joubert, técnico das categorias de base que o obrigava a repetir centenas de vezes os fundamentos mais básicos do futebol - o passe e o controle de bola entre eles.
Querer dar um show épico no palco do Rock in Rio sem nunca ter treinado a escala pentatônica na guitarra, também. Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin e autor do solo de guitarra mais longo já gravado no mundo, aprendeu os primeiros acordes com um amigo de escola, aos 12 anos, e só depois de muita prática do “essencial” partiu para criação de um jeito próprio de tocar.
Por que, então, não olhamos para os fundamentos de inovação com a mesma importância que cobramos de atletas e músicos sobre as competências básicas dessas áreas?
A mesma lógica serve para quando começamos a buscar por métodos ágeis e formatos de inovação. Pegar o framework completo “by the book” e achar que a aplicabilidade é imediata e indolor sem treino é quase um delírio. Montar um squad sem entender o princípio de agilidade e design organizacional ou tentar implementar Scrum sem correlacionar com os objetivos de negócio e praticar os fundamentos tem o mesmo (baixo) resultado.
A “memória muscular” demora a ser construída ou reconstruída, seja para movimentos motores como andar, correr e chutar, seja para ajustar o método como as coisas eram feitas em uma organização.
A pressa de implementar vs. a importância do fundamento
A verdade é que todo o barulho criado em torno do agile e demais formatos de inovação trouxe um efeito colateral. Termos como Scrum, Kanban, Squads e Lean são tão martelados em nossas cabeças que tudo leva a crer que quem não começar a aplicar imediatamente estas metodologias, vai acabar sendo deixado para trás. Até vai, mas é preciso ter calma.
Por mais que seja verdade que a inovação está vindo em um ritmo nunca antes visto e que é necessário agir rápido, também é verdade que, para fazer direito, é preciso ter muita familiaridade com essas metodologias - domínio que depende do entendimento real de seus fundamentos.
Implementar uma gestão por squads ou mesmo gerir pequenos projetos seguindo os conceitos do Scrum ou do Kanban é impossível se você simplesmente tentar repetir fórmulas prontas, sem saber o porquê de cada uma delas. Nem todos os métodos servem para todos os momentos ou tipos de empresa e só ao ter entender as bases da filosofia ágil que alguém se torna capaz de escolher o que, como e quando fazer.
É comum, por exemplo, ver times com muita dificuldade em adaptar o conceito de Mínimo Produto Viável (uma das bases do Lean) quando a missão não é montar um produto em si. A “memória muscular” traz como padrão o jeito tradicional de desenvolvimento, e o “by the book” fala só de produto.
Com isso, há problemas dentro de uma área de marketing que não consegue adaptar a ideia de MVP para uma “mínima campanha viável” ou de um departamento de RH que sofre para criar uma versão mínima para o processo de recrutamento de pessoas.
Em geral, a causa raiz deste desafio é um entendimento pouco claro do que é o MVP (uma versão simplificada, mas que entregue o valor principal desejado pelo projeto), e sem entender o básico, fica mais complexo traçar ramificações e paralelos.
O mesmo acontece quando o desafio é montar um quadro de Kanban. Ao não entender que um dos princípios do Kanban é criar visualização clara sobre os processos, permitindo encontrar gargalos e pontos de melhoria mais rapidamente, caímos no risco de usar sempre o modelo padrão deste sistema (o tradicional A Fazer - Fazendo - Feito), mesmo quando ele não é a sequência que vai trazer mais impacto para o time.
Etapa por etapa
No fundo, começar a implementar as metodologias ágeis é muito similar com qualquer processo de aprendizado que temos ao longo da vida. Os mestres das artes marciais têm até um nome especial para esse processo, oriundo do Aikidô: Shu Ha Ri.
Em uma tradução livre, Shu significa obedecer, Ha, modificar, e Ri, superar. O termo é aplicado originalmente ao kata, sequência de repetição de golpes de cada arte marcial. Na prática essa sequência pode ser incorporada em todo conhecimento que adquirimos ao longo da vida.
Lembre-se de quando você começou a dirigir: nas primeiras aulas da auto-escola, tinha que fazer um esforço consciente para se lembrar onde colocar o pé ou em que ritmo devia soltar a embreagem. Este é o Shu, a obediência e repetição do método.
Passado algum tempo, você começou a entender o que te gerava mais conforto na direção. Assim, adaptou ações e passou a escolher entre o freio de mão ou o pedal para controlar o carro ao arrancar em uma subida. É quando chegamos ao Ha, modificando e adaptando o método de acordo com nossas necessidades e capacidades.
Por fim, você começa a dirigir sem pensar no momento certo de trocar a marcha ou quando deve dar seta. Como dizem os bons motoristas, “o carro e seu corpo passam a ser uma coisa só”. Quando isso acontece, atingimos o Ri, superando o método da forma como nos foi ensinada e podendo aplicá-lo com tal naturalidade que sequer sabemos explicar com clareza porque optamos por um ou outro caminho em determinado momento.
Essa mesma sequência acontece quando começamos a navegar pelas metodologias ágeis. No início nos apegamos aos métodos conforme descrito nos livros e frameworks. Mas com o tempo vamos descobrindo o que funciona melhor em cada caso e passamos a criar nossas adaptações - o que só vai acontecer com sucesso se tivermos feito a primeira etapa direito e dominado os fundamentos por trás das metodologias.