A corrupção e o “efeito teflon”
Um dos conceitos mais importantes — e poderosos — da psicologia social é o da dissonância cognitiva. Frequentemente em nossa vida somos levados a agir de uma forma distinta da que pensamos. O que, necessariamente, gera um conflito interno, batizado de dissonância cognitiva. De forma consciente ou inconsciente, precisamos resolvê-lo. E a solução passa por […]
Da Redação
Publicado em 14 de abril de 2016 às 12h31.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.
Um dos conceitos mais importantes — e poderosos — da psicologia social é o da dissonância cognitiva. Frequentemente em nossa vida somos levados a agir de uma forma distinta da que pensamos. O que, necessariamente, gera um conflito interno, batizado de dissonância cognitiva. De forma consciente ou inconsciente, precisamos resolvê-lo. E a solução passa por encontrar fatores externos ou internos que justifiquem sua existência.
Examinemos um exemplo prático e não muito distante. Na época do mensalão, era curioso notar como tantas notícias rondando o então presidente da República eram incapazes de alterar relevantemente seus níveis de popularidade. O fato é que vivíamos o auge dos programas de transferência de renda, que de forma direta ou indireta impactavam boa parte da população brasileira.
O cidadão comum vivia então o seguinte conflito: considerava-se uma pessoa de bem e contra atos ilícitos, mas, ao mesmo tempo, aceitava (e precisava) as benesses que eram oferecidas por um governo envolvido em práticas criminosas. A maneira de resolver esse conflito era mudar (de modo inconsciente) a visão em relação à gravidade do que vinha acontecendo e minimizar, ou mesmo negar, a ilicitude dos fatos — efeito batizado de “teflon” pelos analistas políticos.
Perceba que o efeito não é exclusivo das fatias menos instruídas e pobres da população. Na verdade, o efeito é intensificado nas camadas mais instruídas. Veja o caso de cantores e intelectuais famosos, como Chico Buarque, recorrentemente na mídia e nas redes sociais. A mesma dissonância acontece com ele de forma muito mais intensa. Em sua cabeça sabe que é uma pessoa inteligente, de bem e instruída. Mas contribuiu diretamente para com o governo, além de ter sido beneficiado por suas leis de incentivo.
A solução é negar a corrupção. Sua posição é ainda mais intransigente porque no seu caso existe um fator a mais, o da necessidade adaptativa que todos temos de proteger nossa autoestima. Quanto mais admiração temos pela pessoa que somos, maior é nossa dificuldade de mudar nosso posicionamento. Chico deve ter, justificadamente, uma grande admiração pela pessoa que é. E, se não podemos mudar quem somos, mudamos os fatos! E assim resolvemos a dissonância.
Eis que o cenário econômico deteriorou a tal ponto que centenas de milhares de empregos foram perdidos. Benefícios sociais foram cortados. O poder de compra da base da população diminuiu. E os escândalos de corrupção relacionados ao governo aumentaram muito. Tudo fez com que os efeitos externos que resolviam a dissonância cognitiva de boa parte da população diminuíssem.
Não podendo resolvê-los com as benesses recebidas nem com um cenário de ilicitudes “minimizável”, restou resolver mudando a percepção sobre o governo. A popularidade do governo ruiu, a aura blindada do ex-presidente esfacelou-se e, finalmente, foi-se o tal “efeito teflon”. De certa forma, bom para o país, que passa a ver a realidade de forma menos distorcida, apesar de, para isso, ter de pagar o preço de uma vida, provisoriamente, mais dura.
Um dos conceitos mais importantes — e poderosos — da psicologia social é o da dissonância cognitiva. Frequentemente em nossa vida somos levados a agir de uma forma distinta da que pensamos. O que, necessariamente, gera um conflito interno, batizado de dissonância cognitiva. De forma consciente ou inconsciente, precisamos resolvê-lo. E a solução passa por encontrar fatores externos ou internos que justifiquem sua existência.
Examinemos um exemplo prático e não muito distante. Na época do mensalão, era curioso notar como tantas notícias rondando o então presidente da República eram incapazes de alterar relevantemente seus níveis de popularidade. O fato é que vivíamos o auge dos programas de transferência de renda, que de forma direta ou indireta impactavam boa parte da população brasileira.
O cidadão comum vivia então o seguinte conflito: considerava-se uma pessoa de bem e contra atos ilícitos, mas, ao mesmo tempo, aceitava (e precisava) as benesses que eram oferecidas por um governo envolvido em práticas criminosas. A maneira de resolver esse conflito era mudar (de modo inconsciente) a visão em relação à gravidade do que vinha acontecendo e minimizar, ou mesmo negar, a ilicitude dos fatos — efeito batizado de “teflon” pelos analistas políticos.
Perceba que o efeito não é exclusivo das fatias menos instruídas e pobres da população. Na verdade, o efeito é intensificado nas camadas mais instruídas. Veja o caso de cantores e intelectuais famosos, como Chico Buarque, recorrentemente na mídia e nas redes sociais. A mesma dissonância acontece com ele de forma muito mais intensa. Em sua cabeça sabe que é uma pessoa inteligente, de bem e instruída. Mas contribuiu diretamente para com o governo, além de ter sido beneficiado por suas leis de incentivo.
A solução é negar a corrupção. Sua posição é ainda mais intransigente porque no seu caso existe um fator a mais, o da necessidade adaptativa que todos temos de proteger nossa autoestima. Quanto mais admiração temos pela pessoa que somos, maior é nossa dificuldade de mudar nosso posicionamento. Chico deve ter, justificadamente, uma grande admiração pela pessoa que é. E, se não podemos mudar quem somos, mudamos os fatos! E assim resolvemos a dissonância.
Eis que o cenário econômico deteriorou a tal ponto que centenas de milhares de empregos foram perdidos. Benefícios sociais foram cortados. O poder de compra da base da população diminuiu. E os escândalos de corrupção relacionados ao governo aumentaram muito. Tudo fez com que os efeitos externos que resolviam a dissonância cognitiva de boa parte da população diminuíssem.
Não podendo resolvê-los com as benesses recebidas nem com um cenário de ilicitudes “minimizável”, restou resolver mudando a percepção sobre o governo. A popularidade do governo ruiu, a aura blindada do ex-presidente esfacelou-se e, finalmente, foi-se o tal “efeito teflon”. De certa forma, bom para o país, que passa a ver a realidade de forma menos distorcida, apesar de, para isso, ter de pagar o preço de uma vida, provisoriamente, mais dura.