Outubro Rosa: Conscientização sobre o câncer de mama deve ir além do calendário corporativo (Reprodução/Thinkstock)
Daniela Grelin
Publicado em 18 de setembro de 2021 às 08h00.
Se ao menos pudéssemos deixar em compasso de espera as questões sociais realmente urgentes enquanto embarcamos (ou não) nas manobras de poder que acrescentam a camada da crise institucional ao grave e multiforme colapso de políticas públicas, talvez tivéssemos o luxo do recuo e do tempo para avaliar nossas melhores opções. Mas à medida em que a maré alta da Covid-19 vai gradualmente dando sinais de recuo, não podemos deixar de retomar velhos problemas com uma renovada urgência.
O Outubro Rosa marca o mês de conscientização global sobre esta doença, com o efeito benéfico de deflagrar um aumento das consultas aos mastologistas e ginecologistas no período. Ou pelo menos, era o que costumava acontecer no mundo pré-pandêmico.
No entanto, neste ano em que a Organização Mundial de Saúde declarou o Câncer de Mama como a forma mais comum dos tumores malignos, observa-se também um aumento estimado de até 30% nas estatísticas de mortalidade pela doença.
Não precisaria ser assim. O aumento da incidência do câncer de mama em todo o mundo não precisa necessariamente se traduzir em aumento da mortalidade. Diagnosticado precocemente, em estágios iniciais, este tipo de câncer tem uma perspectiva de cura de mais de 90%.
É exatamente pela criticidade da agilidade no diagnóstico e no tratamento que no Brasil existem leis que protegem o acesso da mulher ao diagnóstico em no máximo 30 dias e ao início do tratamento, uma vez confirmado o diagnóstico, em 60 dias.
No entanto, lamentavelmente, mesmo antes da pandemia, ambas eram amplamente descumpridas, como revela a pesquisa Panorama da Atenção ao Câncer de Mama no SUS, do Instituto Avon. No caso específico do acesso ao tratamento, os dados revelam que 50% das mulheres esperam mais de sessenta dias para a sua primeira consulta de tratamento.
Estes índices tendem a piorar, tendo em vista os sinais de alerta divulgados pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), que indicam que 49% das mulheres não realizaram seus exames em 2020, período em que observou-se também uma redução de 39,11% das biópsias realizadas. A conta dramática desta tendência se apresentará nos próximos anos, na forma de diagnósticos tardios e um aumento pronunciado da letalidade.
Neste caso também, nada é predeterminado, pois há medidas que as empresas podem tomar para reverter esta lamentável tendência. Começando pela conscientização. Se o Outubro Rosa firmou-se com um marco do cuidado com as pessoas no calendário corporativo, agora ele é necessário.
As campanhas de conscientização devem alertar mulheres e homens sobre os fatores de risco, os sinais e o que fazer diante do câncer. Nenhuma mulher deve ficar no escuro com relação a estas informações que salvam vidas. De forma análoga, divulgar a Lei dos 30 dias e a Lei dos 60 dias amplia o seu efeito benfazejo, visto que uma das formas mais comuns de abdicação de direitos é o desconhecimento sobre sua existência. Por que as empresas deveriam se engajar neste movimento de conscientização?
Em primeiro lugar, o básico: porque as vidas das mulheres importam e porque elas estão no mercado de trabalho. O câncer de mama afeta muitas mulheres em idade economicamente ativa e, portanto, os custos indiretos com absenteísmo também são grandes, perpassando tanto o setor privado quanto o público, embora exista pouca consciência sobre isto.
Além disso, a figura do ‘meu empregador’ destaca-se como uma fonte confiável de informação e orientação em um contexto social que vem sendo descrito como uma infodemia, ou seja, uma crise de confiança nas fontes tradicionais de informação.
Esta credibilidade aumenta tanto a oportunidade de impacto quanto a responsabilidade das empresas em oferecem informação, canais de apoio e campanhas que colocam as pessoas no centro e assim, cuidam dos negócios ao mesmo tempo em que contribuem para a solução de demandas sociais legítimas.
O câncer não espera. Não tardemos, portanto, em explorar com renovado senso de urgência as oportunidades de evitar que vidas sejam transformadas e perdidas por falta de informação. Informar e conscientizar sobre o diagnóstico precoce é um dever de todos nós, o ano todo.
*Daniela Grelin é diretora executiva do Instituto Avon.