(Chesnot / Colaborador/Getty Images)
Daniela Grelin
Publicado em 22 de maio de 2021 às 11h13.
“É no cosmos paralelo da intersubjetividade humana mediada pela linguagem que a arte do engano encontra o seu elemento e alcança a plenitude.” Essa frase, do magistral livro de Eduardo Gianetti da Fonseca, aponta para a reflexão de que a linguagem, essa faculdade indispensável que nos permite articular o conhecimento, sonhar juntos, construir consensos e trabalhar em colaboração é também, frequentemente, agente de enganos e vetor de divisão. O livro, publicado bem antes da época da infodemia - momento que vivemos, marcado pelo colapso da confiança nas instituições, na mídia e até nos fatos - faz uma análise profunda sobre esta prática que nos une: a criação de realidades paralelas permeadas por vieses de percepção, necessidade de sobrevivência, desinformação, ou distorções cognitivas.
Se a arte do engano encontra o seu elemento na linguagem, analogamente encontra no alcance ilimitado das interações digitais mediadas por algoritmos, a sua plataforma máxima de expressão. Soma-se a isto o efeito cumulativo do autoengano na habilidade de enganar. Quanto mais genuinamente equivocados, mais sinceramente ignorantes somos, mais capazes de acreditar em nossas próprias mentiras e disseminá-las com máxima convicção e eficácia. Está montado o palco da era da infodemia, em que todos nós nos reconhecemos enredados e nenhum de nós pessoalmente implicado.
Existe um caminho de volta? Se há um caminho de volta, ele perpassa a consciência de cada um de nós, assim como a experiência do autoengano em si. Se não nos damos conta disso é por que esta é, precisamente, a natureza do problema: somos incapazes de enxergar os nossos pontos cegos. Também não é o caso de nos entregarmos ao ceticismo, ou ao relativismo radical como se não houvesse a verdade dos fatos, ou como se ela não fosse inteligível. Os fatos existem e não costumam se importar com nossos sentimentos. Para nos aproximarmos de uma visão mais íntegra da verdade, é preciso tentar distinguir os fatos das interpretações. Neste sentido, vale olhar para as iniciativas inovadoras concebidas como um dos antídotos ao consumo e disseminação das fake news. No Brasil a ABERJE – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial – lançou uma iniciativa chamada ‘Aliança ABERJE de Combate às Fake News’.
Nascida entre os líderes de comunicação corporativa das empresas associadas, o movimento reconhece os prejuízos concretos das fake news e propõe a adoção de alguns princípios norteadores fundamentais para a proteção da credibilidade da informação, da integridade da linguagem e da confiança nas instituições. Eis aqui os princípios, que podem ser adotados tanto por empresas quanto por indivíduos para juntos avançarmos na prática do que chamo de comunicação emancipadora: aquela que nos permite a ampliação na percepção daquilo que nos acontece.
Calcados nos princípios da International Fact Checking Network, a ABERJE propõe os seguintes compromissos:
Embora possamos nos amparar em princípios como os acima citados, sabemos que transcender a dinâmica das fake news não é tarefa simples, nem definitiva. A prática aperfeiçoa a habilidade e, neste caso, a prática em questão é colocar em dúvida as próprias convicções, em busca da verdade. Envolve uma boa dose de humildade, esta virtude tão menosprezada e tão libertadora, pois nos convida a pensar “contra nós mesmos”, remando no sentido contrário da nossa atenção seletiva e nossos vieses de confirmação. Se a prática da comunicação limpa tem um efeito libertador para o indivíduo, tem um efeito composto emancipador para a sociedade, destravando a nossa capacidade de sonhar e construir juntos.