O elo entre decisões irracionais, tragédias e futuro incerto
Tragédia de Petrópolis mostra o quanto ignorar alertas e a ciência é prejudicial ao país, escreve Marta Porto
Publicado em 21 de fevereiro de 2022 às, 11h48.
Última atualização em 21 de fevereiro de 2022 às, 11h51.
Marta Porto
Onze anos após o maior desastre natural do país que fez mais de 900 pessoas desaparecerem de um dia para outro, ocorrida na mesma Região Serrana do Rio de Janeiro, Petrópolis é palco de uma nova tragédia que já vitimou mais de 171 crianças, pais e mães, familiares, amigos e vizinhos, além de desaparecidos.
As águas que saíram arrastando tudo que encontravam pela frente, casas, comércios, carros e gente de carne e osso, eram previsíveis. Nas últimas semanas, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Maranhão viveram as mesmas cenas de terror, com pessoas pedindo socorro com a fúria das chuvas. E por conta própria ajudando a desenterrar corpos de amigos e vizinhos e organizando mutirões de ajuda. Há muito os brasileiros e brasileiras, especialmente os mais humildes, já entenderam que contam somente consigo mesmos para se salvar da incúria, incompetência e indiferença de seus representantes.
Com todas as suas tragédias somadas, as naturais e as provocadas por nós mesmos, o Brasil assiste sua população padecer de todos os males que a civilização moderna agiu para erradicar ou minorar. Um identificador age como marca dessa soma sombria: nossa incapacidade absoluta de tomar providências lógicas que evitem cenas como a que estamos de novo vivendo. Alertas são ignorados, documentos de especialistas guardados em gavetas, pesquisas e diagnósticos tratados com indiferença.
Os exemplos abundam. Em 2011, após a tragédia na Serra, a Alerj fez 42 propostas para evitar que as cenas chocantes que estamos vivendo dez anos depois se repetissem. Oito anos depois, em 2019, a CPI das Enchentes listou 105 medidas para orientar os agentes públicos. O que foi feito com estas informações? Quais providências concretas que as autoridades municipal e estadual tomaram após o alerta dado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que tem taxa de 90% de acerto, sobre a probabilidade de chuvas fortes em Petrópolis? Alegar, como o Governador Claudio Castro que “não se resolvem 40 anos em um”, beira o cinismo. Cabe a ele explicar para as famílias de mortos e desaparecidos, porque um terço da verba destinada à moradia, contenção de encostas e limpeza dos leitos de rios não foram executadas.
Não é diferente com a atitude, ou ausência dela, em relação as 31 barragens em situação de emergência instaladas ao redor de cidades mineiras. Isso após a maior tragédia ambiental com o rompimento da barragem de fundão em Mariana, em 2015. E há três anos, o rompimento da Barragem do córrego do Feijão em Brumadinho, com terrível impacto socioambiental e a morte de 272 pessoas. As evidências, fatos e a lógica, mostram que daqui a pouco vamos estar diante de novas cenas trágicas onde se revezam mortes, desaparecidos, crimes ambientais e especialistas falando de como tudo era previsível.
Podemos fazer uma lista imensa de situações como essas, onde tragédias evitáveis se replicam infinitamente. Quando decisões corretas são todos os dias desprezadas, ignorando sinais, estudos, previsões, alertas, especialistas, planos e denúncias.
Alguns exemplos recentes. Governos, organizações e fundos globais de investimentos exigem ações que combatam o aquecimento global e as mudanças climáticas. Os governos, federal e de alguns Estados brasileiros, tocam fogo nas florestas, jogam no lixo a riqueza da nossa biodiversidade, poluem rios e fragilizam os órgãos de proteção ambiental. Com isso a cada dia aumentam os ruídos sobre restrições ao país e alertas de investimentos e negociações interrompidos.
A UE restringe a compra de produtos agrícolas que fazem uso de pesticidas desaprovados por seus órgãos de vigilância sanitária. Indo na contramão do bom senso, em um país cujo PIB depende em boa parte da exportação agropecuária, a Câmara dos Deputados aprova um projeto de lei (PL 6299/02) que flexibiliza ainda mais o uso de agrotóxicos no país, se somando ao cenário em que mais de 2.000 produtos dessa natureza, já foram liberados nos últimos quatro anos.
Qual a consequência socioeconômica para o país de decisões como esta?
É triste constatar que nossos recursos naturais e humanos, a sofisticação cultural, científica e tecnológica do país, é ignorada no seu dia a dia. Onde decisões importantes, que impactam a vida da maioria da população e o nosso futuro econômico, são tocadas de forma débil, irracional, ignorando especialistas e tendências globais, mas também o bom senso e o respeito pelas pessoas.