(Xavier Lorenzo/Getty Images)
Colunista
Publicado em 17 de fevereiro de 2025 às 20h14.
A forte reação negativa dos estudantes à determinação legal que os impede de usar o celular durante o período escolar, salvo quando solicitado pelo professor para alguma atividade específica, faz pensar se a frase “O brincar é a profissão da infância”, do autor e contador de histórias Ilan Brenman, caiu em desuso. Pessoalmente, acredito que ela continua precisa, tanto que tenho um artigo aqui nesta coluna que trata sobre a importância das crianças terem oportunidades de estar mais com a família em atividades de lazer e esportes, porque isso fortalece seu emocional. Neste período de volta às aulas, enxergo a necessidade de alguns cuidados em vista da Lei nº 15.100/2025, sancionada pelo presidente da República, regulamentando o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante aulas, recreios e intervalos em todas as etapas da educação básica.
O nível de descontentamento (e até revolta) entre crianças e adolescentes tem variado bastante, mas foi suficiente para agitar grupos de WhatsApp de educadores, pais e, inclusive, alunos.
Buscando colaborar com esse desafio, o Ministério da Educação (MEC) publicou, no dia 31 de janeiro, dois guias práticos para orientar o uso equilibrado e consciente de celulares na escola.
O material retoma os objetivos da lei: direcionar o uso intencional e com propósito pedagógico da tecnologia; e proteger o direito à promoção da saúde mental de crianças e adolescentes. Então, se o professor precisar e quiser desenvolver uma atividade contando com os recursos tecnológicos pessoais, pode solicitar aos alunos que peguem seus dispositivos e os orientar sobre o uso.
Antes de analisar o presente, resgatarei o passado. Em 2017, escrevi um artigo no qual debati a necessidade de, à época, irmos além da discussão sobre adotar ou não novas tecnologias como ferramentas pedagógicas, mas como poderíamos oferecer o acesso a esses recursos.
Lá atrás, fazia todo o sentido conversar sobre o conceito Bring Your Own Device (traga seu próprio aparelho eletrônico) e quantas oportunidades pedagógicas eram viabilizadas ao aproveitar os recursos que estavam nas mãos dos alunos.
Houve um forte estímulo para uso dos smartphones, muito em função da escassez e disponibilidade díspar de equipamentos nas escolas. No Brasil, foi uma maneira de promover o acesso à tecnologia com um investimento relativamente baixo, estimulando as escolas a prover somente acesso à Internet.
Esse movimento foi importante, pois, quando falamos de tecnologias digitais na escola, estamos falando de oportunizar o acesso a três funcionalidades principais. A primeira é que ela pode ser um apoio para o professor promover estratégias inovadoras de ensino-aprendizagem mais conectadas ao interesse dos estudantes.
A segunda é que ela pode colaborar na gestão da sala de aula, gerando informações relevantes para acompanhar o desenvolvimento dos estudantes. A terceira é que os alunos precisam ter contato com os recursos tecnológicos para aprender a utilizá-los, sendo capazes de tirar o melhor proveito desses equipamentos de forma responsável, segura e ética. Navegar na internet, identificar fake news, trabalhar de forma colaborativa online e criar recursos multimídia para divulgar suas descobertas são alguns bons exemplos que levam ao desenvolvimento não só das competências digitais, mas também das competências cognitivas básicas e socioemocionais. A BNCC de Computação, aprovada em 2022 e que aborda os conceitos de educação digital e midiática, confirma esse entendimento ao apresentar quais competências e habilidades devem ser desenvolvidas nos estudantes ao longo da Educação Básica.
Mas esse movimento não foi o único responsável pela entrada dos smartphones nas escolas. O próprio acesso que os alunos têm atualmente a esses recursos, cada vez mais acessíveis à população brasileira, e o estímulo dos pais e familiares para que estejam sempre conectados, também contribuíram para disseminação da cultura de uso no ambiente escolar.
Estar conectado o tempo todo, estimulando a troca de mensagens, muitas vezes é algo que vem de famílias com necessidade de controle sobre os filhos e acreditam que, dessa forma, estão mais seguros. Alunas e alunos ficaram muito mais dependentes dos pais para resolver pequenos conflitos, imprevistos e esquecimento de materiais como o estojo, livros e apostilas.
Descrita como busca incessante pela utilização da internet, a dependência digital ocorre como consequência do uso prolongado dessa tecnologia e tem semelhanças com a dependência química.
Há pesquisas médicas que correlacionam ambos os vícios com: a ativação de circuitos de recompensa no cérebro e liberação de dopamina; sintomas de abstinência; perda do autocontrole; insônia; ansiedade e até diminuição de massa cinzenta no cérebro.
No contexto de exposição precoce às telas e o uso não supervisionado de dispositivos digitais, a lei é muito benéfica. Faz sentido prover outras atividades para estudantes interagirem mais entre si, olharem à sua volta, exercitarem-se, impulsionarem a criatividade etc.
Entretanto, há um complicador importante nessa equação: as escolas, especialmente as públicas, não possuem infraestrutura nem recursos humanos suficientes para criar atividades alternativas que permitam aos estudantes aproveitar o intervalo e os horários de entrada e saída da escola de maneira diferente. A especialista na relação família-escola Roberta Bento da SOS Educação produziu dois vídeos que ajudam a confirmar esse entendimento. Reconhecendo o desafio na transição, nos vídeos Roberta diz aos pais que os estudantes aprenderão com o tempo a estar na escola sem o celular, terão a oportunidade de se conectar mais uns com os outros e focar nos estudos.
O post viralizou e estimulou que os alunos compartilhassem seu ponto de vista. Muitos relataram, inclusive no tom agressivo comum das redes sociais, estar furiosos, porque em suas escolas não há quadras, a bola de futebol está furada, a biblioteca fechada. E devolvem a pergunta: “Se a gente não tem celular, vamos fazer o quê?”.
Outros rebatem dizendo que não gostam de interagir com desconhecidos. Ameaçam fazer bullying. Por mais sério que possa parecer, para mim, o mais contundente foi o argumento: “Vocês tiram o celular da nossa mão, mas vocês mesmos não o soltam!”
Eu concordo com essa colocação! Ou seja, será que esse é um problema que só atinge os alunos? Como ficam pais, familiares e educadores?
Um efeito colateral positivo da lei pode ser a transformação dos jovens em pessoas mais autônomas, responsáveis e solidárias, e a diminuição do ciberbullying.
Na minha visão, a princípio, a ansiedade será generalizada, exigindo dos pais e das mães firmeza e coragem para enfatizarem a importância de reservar alguns momentos ao longo do dia para ficarem desconectados.
A família deve ser parceira tanto da escola, apoiando as decisões da instituição, quanto dos filhos, no sentido de que precisam mostrar que eles próprios (pais e familiares) são capazes de renunciar ao uso do celular em certas ocasiões!
Reconheçamos que o começo será muito difícil para TODOS!
Os educadores terão de tomar a rédea do jogo e repensar o trabalho hoje feito pela escola, a fim de promover um modelo pedagógico mais dinâmico, interessante, participativo, com outras estratégias didáticas mais envolventes.
Ao fazer esta reflexão, fica evidente que este é um momento de transformação que vai muito além das simples diretrizes legais e envolve a convivência com nossas crianças! A volta às aulas sem celulares nos oferece uma oportunidade única de reenergizar os laços entre pais, familiares e educadores, e incentiva uma aproximação mais humana e significativa.
Portanto, convido todos a se juntarem a esta causa! Vamos aproveitar a ocasião para nos engajarmos com nossos jovens, mostrando que existem inúmeras formas de nos conectarmos sem o uso de dispositivos eletrônicos. Formemos um verdadeiro time, no qual cada membro – pais, professores e alunos – desempenha um papel fundamental na criação de um ambiente escolar mais saudável e acolhedor.
Que tal dedicar tempo para atividades que promovam a interação, como passeios, jogos ou até mesmo momentos de leitura em família? Essas experiências conjuntas não apenas contribuem para o desenvolvimento emocional de nossos jovens, mas também podem ajudá-los a se adaptar a essa nova realidade, enchendo o cotidiano escolar de significado e diversão.
A chance de transformar a educação e promover um espaço de aprendizado escolar e familiar rico, dinâmico e, principalmente, humano bate à porta. A hora de agir é agora!