Retrospectiva 2024 da Educação Brasileira
Nada melhor que encerrar o ano com um olhar para os principais aspectos que marcaram as discussões sobre educação, nas diferentes esferas governamentais
Publicado em 13 de dezembro de 2024 às, 13h11.
Se você termina este ano com a sensação de que pouco foi feito na Educação em nosso país, saiba que pessoas que acompanham de perto a área precisaram dividir sua atenção entre 15 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.
Alguns temas que estiveram em pauta: diretrizes para a educação em tempo integral, enfrentamento à violência no ambiente escolar, incorporação de educação e administração financeira no currículo da Educação Básica e a adoção de jogos eletrônicos educativos na prática pedagógica.
Os que acompanhei mais de perto e tive a oportunidade de opinar, por estarem mais conectados aos meus interesses pessoais e profissionais, foram: Plano Nacional de Educação (PNE); Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec); Novo Ensino Médio; Base Nacional Comum Curricular de Computação (BNCC de Computação); Regulamentação da IA para Educação; Banimento dos celulares do ambiente escolar; e Regulamentação do uso da Internet por crianças e adolescentes. E é sobre esses que discorrerei agora.
Balanço geral
O ano de 2024 representou um fechamento de ciclo com o encerramento da primeira década da lei que estabeleceu o PNE, segundo o qual o país deveria perseguir uma série de metas para todos os níveis – da educação infantil à pós-graduação – sob pena de corte de repasses de verbas para Estados e municípios, em caso de não-cumprimento.
O resultado foi frustrante, porque apenas quatro das 20 metas foram parcialmente cumpridas e houve retrocesso em três. Ainda que consideremos o "quase cumprimento” de outras cinco das 38 submetas (os chamados dispositivos), conforme imagem abaixo, ficou evidente que o esforço precisava ter sido ampliado.
E foi nesse contexto, que o Poder Executivo apresentou, em 27 de junho, o Novo PNE para o período de 2024-2034, com metas mais ambiciosas e que, até o momento, segue em tramitação.
Diferente do plano anterior, no qual tínhamos 20 metas mais abrangentes e era deixado para Estados e municípios o detalhamento de sua implementação, o novo plano traz 18 objetivos e 58 metas que estabelecem prazos menores e objetivos mais específicos. Com foco em equidade, alfabetização, formação docente e cidadania digital, o novo plano traz metas de alcance de 75% para os 5 primeiros anos e de 100% até o final do décimo ano. Vejo como um caminho interessante e um ambiente mais controlado para acompanhamento dos resultados educacionais.
Aliás, no quesito cidadania digital, temos a Enec, lançada em setembro de 2023 com objetivo de universalizar e levar internet de qualidade – banda larga e wi-fi – para uso pedagógico a todas as escolas públicas, até 2026.
Ela se baseou no dado de 2022, quando 6,8% das escolas do país (em números absolutos 9,5 mil) estavam sem acesso à internet. A estimativa inicial era de que 138,3 mil escolas aderissem ao programa, que prevê ainda apoio para aquisição de novos equipamentos e a melhoria dos dispositivos que já fazem parte do inventário das escolas.
O ponto de partida desse esforço tem como foco criar condições para que professores e professoras possam educar com tecnologias digitais. Além do acesso à Internet, a estratégia nacional envolve a oferta de cursos online, um ciclo de seminários e oficinas com o objetivo de orientar as redes de ensino para implementação da educação digital e desenvolver as competências digitais dos profissionais de ensino.
Os materiais podem ser acessados em diferentes canais disponibilizados pelo Ministério da Educação, dentre eles o AVAMEC, a Plataforma Integrada MECRED e no próprio canal do Youtube da Estratégia Nacional Escolas Conectadas
Como currículo a ser fomentado, o ponto de partida é a BNCC da Computação. O documento traz diretrizes sobre os aspectos a serem trabalhados com os estudantes em cada etapa de ensino. Descreve o currículo e uma série de competências e habilidades, organizadas em três eixos: cultura digital, mundo digital e pensamento computacional, a serem explorados de forma transversal ou disciplinar, a depender de cada Estado ou município, desde a Educação Infantil até o final do Ensino Médio. Esse complemento à BNCC tornou a inclusão das diretrizes obrigatórias, desde novembro de 2023.
Em julho deste ano, 48% das unidades de ensino ainda não tinham o monitoramento básico sobre a velocidade da conexão. Na maior parte das unidades acompanhadas a qualidade era ruim ou péssima.
Compondo o rol de estratégias para fomentar o uso de tecnologias digitais para fins pedagógicos, nas escolas públicas brasileiras, foi lançado o edital do programa BNDES FUST – Escolas Conectadas. Finalizado em agosto, o edital visa levar internet a 1.400 escolas, 76% delas localizadas no Norte e Nordeste – as regiões que apresentam os menores índices de conectividade no país. Em outubro, outro edital do Ministério das Comunicações que beneficia 16 mil escolas até 2026, antecipou a instalação de internet banda larga em 4,5 mil, ainda neste ano.
Esses dados revelam que estamos longe de alcançar os resultados desejados, mas avançando.
Destaques positivos
Na frente de trabalho relacionada à etapa final da Educação Básica, recordo as mudanças instituídas no Novo Ensino Médio ampliando as horas dedicadas às disciplinas tradicionais – para 2.400 horas (antes 1.800 horas) e diminuindo para 600 horas (antes 900 horas) a carga horária dos itinerários formativos.
A nova distribuição é: 70% do tempo focado na Formação Geral Básica (FGB) e 30% dedicado a itinerários formativos. Já defendi aqui como considero a nova proposta mais adequada e concreta, inclusive por prever diretrizes para os itinerários formativos, a serem elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e a oferta de, pelo menos, 2 itinerários por escola.
Em agosto, o projeto foi para sanção do Presidente Lula que o aprovou retirando do texto o item que obrigava incluir os conteúdos do itinerário formativo no ENEM e fazer mudanças no processo seletivo. Se os itinerários formativos passam a ser complementares ao currículo explorado na FGB, então realmente não há a necessidade de sua inclusão, seria redundante.
Bastante pertinentes foram também os avanços em aspectos da educação digital. Mais especificamente em relação à Inteligência Artificial (IA), cujo projeto de Lei 2338/2023, o Marco da IA, foi aprovado no Plenário do Senado Federal dia 10 de dezembro.
Temos, agora, uma espécie de protocolo oficial a ser seguido sobre o uso de IA, o que é ótimo. Assim, evita-se que cada instituição de ensino tenha uma conduta própria sobre aceitar ou não trabalhos produzidos a partir da IA; permitir a professores gerarem conteúdo com a tecnologia; como lidar com direito autoral, ética; e vários outros aspectos de desenvolvimento e programação.
Até mesmo a Cúpula do G20 do Rio de Janeiro entrou em consenso sobre o tema e os líderes propuseram a criação de uma força-tarefa internacional para estabelecer parâmetros para a governança em IA.
Tivemos ainda o banimento dos dispositivos eletrônicos com acesso à internet em todas as escolas (públicas e privadas) do estado de São Paulo durante o período de aulas, incluindo intervalos, salvo se para uso pedagógico. A Lei estadual 293/2024 foi aprovada por unanimidade em novembro e projeto semelhante segue na comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para abrangência em nível nacional.
Sou a favor do uso de celular com fins didáticos justificados para todas as faixas etárias, bem como por razão de acessibilidade e condições médicas, sempre com acompanhamento do professor. O celular é uma ferramenta com centenas de funcionalidades e recursos, mas também gera distrações e atrapalha a socialização, quando utilizado de forma desregulada.
Por fim, foi aprovado na Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD) o Projeto de Lei 2.628/22, que visa garantir a proteção integral de crianças e adolescentes na Internet contra conteúdos inapropriados e riscos digitais. Ele foi inspirado em modelos internacionais, como a Lei de Segurança Online no Reino Unido e o Digital Services Act (DSA) na Europa e busca trazer para o Brasil uma regulamentação robusta.
Para promover a segurança digital, o PL avança na definição de contornos para o dever de cuidado devido pelas empresas fornecedoras de produtos e serviços digitais utilizados por crianças e adolescentes. Por exemplo, entre outros temas, discute-se a necessidade de sistemas de verificação de idade eficazes nas plataformas digitais, sem comprometer a privacidade dos usuários.
Em resumo...
Muitas discussões ocorreram esse ano e decisões importantes foram concretizadas, sobretudo no que se refere à inclusão, formação e regulamentação do acesso e uso de tecnologias digitais, além do Plano Nacional de Educação e do Novo Ensino Médio.
Como recurso cada vez mais presente no nosso cotidiano e influenciando as dinâmicas instituídas na sociedade, inclusive a escolar, não poderia ser diferente: ela domina muitas das pautas em discussão.
Resta saber se todos esses pontos são suficientes para fomentar uma Nova Educação, mais conectada aos interesses dos estudantes e que os prepare para os desafios da contemporaneidade de forma ética e sustentável.
Na minha visão, são fatores importantes, mas insuficientes. Uma Nova Educação, que colabore com o desenvolvimento de competências e habilidades cognitivas básicas, socioemocionais e digitais, baseada em princípios da sustentabilidade ambiental, social e econômica para que pessoas sejam capazes de enfrentar os desafios contemporâneos tem de envolver todo um ecossistema trabalhando integrado em prol de um objetivo comum.
Além de regulamentação e diretrizes, precisamos de:
- Políticas públicas implementadas a partir de um planejamento estratégico, com metas bem definidas e avaliação periódica de resultados;
- Lideranças políticas capazes de analisar resultados das avaliações, promover o diálogo para tomada de decisões e articular com diferentes atores em busca de melhores resultados;
- Gestores escolares com um olhar atento para todas as dimensões que fazem parte da comunidade escolar e tomar as melhores decisões;
- Educadores bem remunerados, formados e motivados capazes de envolver os alunos em processos de aprendizagem significativa;
- Pais e familiares envolvidos, que prezam por um ambiente familiar sadio, demonstram interesse e acompanham a vida das crianças e adolescentes sob sua responsabilidade;
- Comunidade de entorno que reconhece a política educacional do município como sendo de qualidade, participa e apoia as ações estratégicas;
- Empresariado local articulado, que investe na educação e abre suas portas para que jovens possam desenvolver competências relacionais e laborais;
- O aluno que vê sentido no seu processo formativo, se sente seguro, motivado e desenvolve todo seu potencial.
Como não atingimos as metas estruturantes do último PNE, para que avanços mais significativos ocorram, não basta buscarmos um investimento de 10% do PIB, mas investir e fortalecer a gestão das redes e das escolas, em busca de excelência.
O ano de 2024 foi o da regulamentação. Que 2025 seja o das realizações em prol de uma Educação de qualidade com equidade. Precisamos acreditar!
* Luciana Allan é Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do Instituto Crescer, onde há mais de 20 anos lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação.
Expertises: Educação, Tecnologia
Redes Sociais: https://www.linkedin.com/in/luciana-allan/