O futuro está à porta de quem vivencia as melhores experiências ao longo da educação básica
O último artigo da série sobre o Ensino Médio discute como ofertas educacionais de qualidade contribuem para que jovens possam perseguir seus sonhos
Colunista
Publicado em 12 de novembro de 2024 às 10h25.
A educação é essencial para desenvolver o capital humano que, por sua vez, é crítico para a competitividade de uma nação, em um mercado global cada vez mais conectado e com práticas laborais exigentes.
Após discutir aspectos práticos sobre o Ensino Médio em nosso país nos últimos textos ( aqui e no desdobramento ), cabe agora falar a respeito de como a qualidade da oferta educacional impacta nos caminhos a serem trilhados pelos profissionais brasileiros.
Uma força de trabalho bem formada é mais produtiva, inovadora e contribui para a resiliência econômica e, como consequência, crescimento de um país.
Infelizmente, nossos dados não são animadores. No 11º Ranking Global de Talentos, estudo do Centro de Competitividade Mundial da escola de negócios IMD, o Brasil caiu em todos os quesitos. Em 2024, ocupamos a penúltima posição entre 67 países.
Este ano, o relatório destacou o impacto socioeconômico da Inteligência Artificial (IA) no trabalho e trouxe como nossos principais pontos fracos: a dificuldade de encontrar trabalhadores qualificados; a falta de habilidade financeira dos brasileiros; a desconexão entre a educação básica e universitária em relação a uma economia competitiva; e a não-fluência em idiomas estrangeiros.
Esta visão não é eurocêntrica ou enviesada. É sentida e relatada internamente também.
Procura-se profissionais qualificados
Outros relatórios também apontam nossas mazelas. A falta de profissionais com formação técnica é um desafio para a indústria nacional, por exemplo. Segundo o Mapa do Trabalho Industrial 2022-2025, do Observatório Nacional da Indústria, seria preciso qualificar 9,6 milhões de trabalhadores para atender às demandas do próximo ano.
Faço remissão aqui ao número de estudantes matriculados nos três anos do Ensino Médio, em 2023 – 7,7 milhões de pessoas. Na hipótese de que, ao final de 2025, não houvesse a evasão habitual de 40% (segundo estudo sobre evasão escolar da FIRJAN-SESI), todos os estudantes quisessem trabalhar no setor técnico-fabril e tivessem disposição para integrar programas de treinamento oferecidos por empresas, como M. Dias Branco, Saint Gobain e Hyundai, sairiam da escola empregados. E ainda faltaria gente para ocupar as vagas disponíveis!
Na falta de brasileiros para ocupar esses cargos, a indústria tem contratado mão de obra estrangeira disponível. Entre janeiro e agosto deste ano foram empregados 53% a mais de estrangeiros para trabalhar na indústria, em comparação com o ano passado. São 321 mil estrangeiros com carteira assinada, o que equivale a 0,6% do total de empregados.
A escassez de mão de obra também está relacionada à baixa qualificação de nossos jovens, fruto da ineficiência do nosso sistema educacional, traduzido nos resultados apresentados pelas avaliações PISA e ENEM. Em todo o mundo, buscam-se candidatos com características, como rápida adaptação às mudanças tecnológicas, pensamento crítico e criatividade. No Brasil inclusive.
Portanto, se houvesse maior ênfase no Ensino Médio para desenvolvimento de competências socioemocionais e digitais, para além das competências cognitivas básicas, e também se incluísse habilidades técnicas específicas, teríamos mais chances de envolver estudantes em processos de aprendizagem que fizessem sentido para eles. E ainda os incluiríamos no mercado de trabalho, o que desencadearia sentimentos de satisfação e um impacto positivo na economia.
A presença de um mix mais equilibrado de conteúdo acadêmico-teórico e prático, conectado às oportunidades de empregabilidade do mercado local, reduziria o déficit de profissionais em setores tais como construção civil, indústria, siderurgia, tecnologia da informação, saúde etc.
Uma experiência inicial em cargo técnico já cria oportunidade de geração de renda e colabora para que o jovem defina melhor suas perspectivas de futuro. A partir daí, a pessoa é capaz de avaliar o real interesse em uma carreira de nível superior ou jornada formativa personalizada, que poderá ocorrer de forma mais sustentável com os recursos financeiros advindos da experiência profissional em curso.
Jornada formativa personalizada
Muitos jovens se interessam na personalização de sua vivência acadêmica. Querem construir jornadas formativas moldadas para atender a determinadas oportunidades profissionais com necessidades de conhecimento bem específicos, em vez de ficarem atrelados a uma grade curricular fechada em espaços educacionais formais.
Uma das saídas encontradas no setor de tecnologia, por exemplo, são as micro certificações. A procura aumenta, pois elas permitem o acesso a conhecimentos específicos, sem a pessoa ter de completar um longo curso superior.
Identificar as competências necessárias para trilhar a carreira e poder escolher entre um curso técnico, um superior ou personalizar uma trilha de aprendizagem é reconfortante. Construir a própria jornada formativa gera interesse e compromisso.
Independente do caminho, tudo começa com a conclusão da educação básica que deve ter uma oferta nacional de qualidade com equidade. O ser humano deve estar capacitado a fazer escolhas, definir seu projeto de vida e ascender ao mercado de trabalho – o maior patrimônio de um país.
É de extrema relevância que sejam desenvolvidas as competências cognitivas básicas, socioemocionais e digitais. Comunicação e expressão, leitura crítica de mundo, raciocínio lógico, iniciativa, criatividade e uso de tecnologias digitais são somente alguns exemplos de formação integral de sujeitos críticos e participativos na sociedade contemporânea.
O levantamento da FIRJAN, citado anteriormente, demonstra que quem não conclui a educação básica tem salário mais baixo, consegue menos emprego formal e até vive menos. A expectativa de vida é três anos menor, segundo mostra a pesquisa.
Por tudo isso é que pessoas ligadas à Educação, assim como eu, são tão apaixonadas em defender a qualidade e melhoria constante do sistema.
Pais e mães, empregadores e governantes deveriam formar um pacto em torno deste assunto para que avanços sejam acelerados.
Este foi o propósito que me levou a expor aqui, desde setembro, as várias facetas do tema. Existem muitas oportunidades para os estudantes, além de entrar num curso universitário ruim só para ter um diploma que não garante prosperidade a ninguém.
O futuro está à porta para quem se aventurar em conhecê-lo e se adaptar a ele. O que precisamos é dar estrutura ao nosso Ensino Médio para que as possibilidades de qualificação técnica e acadêmica tenham igual atenção e valor na nossa sociedade.
* Luciana Allan é Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do Instituto Crescer, onde há mais de 20 anos lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação.
A educação é essencial para desenvolver o capital humano que, por sua vez, é crítico para a competitividade de uma nação, em um mercado global cada vez mais conectado e com práticas laborais exigentes.
Após discutir aspectos práticos sobre o Ensino Médio em nosso país nos últimos textos ( aqui e no desdobramento ), cabe agora falar a respeito de como a qualidade da oferta educacional impacta nos caminhos a serem trilhados pelos profissionais brasileiros.
Uma força de trabalho bem formada é mais produtiva, inovadora e contribui para a resiliência econômica e, como consequência, crescimento de um país.
Infelizmente, nossos dados não são animadores. No 11º Ranking Global de Talentos, estudo do Centro de Competitividade Mundial da escola de negócios IMD, o Brasil caiu em todos os quesitos. Em 2024, ocupamos a penúltima posição entre 67 países.
Este ano, o relatório destacou o impacto socioeconômico da Inteligência Artificial (IA) no trabalho e trouxe como nossos principais pontos fracos: a dificuldade de encontrar trabalhadores qualificados; a falta de habilidade financeira dos brasileiros; a desconexão entre a educação básica e universitária em relação a uma economia competitiva; e a não-fluência em idiomas estrangeiros.
Esta visão não é eurocêntrica ou enviesada. É sentida e relatada internamente também.
Procura-se profissionais qualificados
Outros relatórios também apontam nossas mazelas. A falta de profissionais com formação técnica é um desafio para a indústria nacional, por exemplo. Segundo o Mapa do Trabalho Industrial 2022-2025, do Observatório Nacional da Indústria, seria preciso qualificar 9,6 milhões de trabalhadores para atender às demandas do próximo ano.
Faço remissão aqui ao número de estudantes matriculados nos três anos do Ensino Médio, em 2023 – 7,7 milhões de pessoas. Na hipótese de que, ao final de 2025, não houvesse a evasão habitual de 40% (segundo estudo sobre evasão escolar da FIRJAN-SESI), todos os estudantes quisessem trabalhar no setor técnico-fabril e tivessem disposição para integrar programas de treinamento oferecidos por empresas, como M. Dias Branco, Saint Gobain e Hyundai, sairiam da escola empregados. E ainda faltaria gente para ocupar as vagas disponíveis!
Na falta de brasileiros para ocupar esses cargos, a indústria tem contratado mão de obra estrangeira disponível. Entre janeiro e agosto deste ano foram empregados 53% a mais de estrangeiros para trabalhar na indústria, em comparação com o ano passado. São 321 mil estrangeiros com carteira assinada, o que equivale a 0,6% do total de empregados.
A escassez de mão de obra também está relacionada à baixa qualificação de nossos jovens, fruto da ineficiência do nosso sistema educacional, traduzido nos resultados apresentados pelas avaliações PISA e ENEM. Em todo o mundo, buscam-se candidatos com características, como rápida adaptação às mudanças tecnológicas, pensamento crítico e criatividade. No Brasil inclusive.
Portanto, se houvesse maior ênfase no Ensino Médio para desenvolvimento de competências socioemocionais e digitais, para além das competências cognitivas básicas, e também se incluísse habilidades técnicas específicas, teríamos mais chances de envolver estudantes em processos de aprendizagem que fizessem sentido para eles. E ainda os incluiríamos no mercado de trabalho, o que desencadearia sentimentos de satisfação e um impacto positivo na economia.
A presença de um mix mais equilibrado de conteúdo acadêmico-teórico e prático, conectado às oportunidades de empregabilidade do mercado local, reduziria o déficit de profissionais em setores tais como construção civil, indústria, siderurgia, tecnologia da informação, saúde etc.
Uma experiência inicial em cargo técnico já cria oportunidade de geração de renda e colabora para que o jovem defina melhor suas perspectivas de futuro. A partir daí, a pessoa é capaz de avaliar o real interesse em uma carreira de nível superior ou jornada formativa personalizada, que poderá ocorrer de forma mais sustentável com os recursos financeiros advindos da experiência profissional em curso.
Jornada formativa personalizada
Muitos jovens se interessam na personalização de sua vivência acadêmica. Querem construir jornadas formativas moldadas para atender a determinadas oportunidades profissionais com necessidades de conhecimento bem específicos, em vez de ficarem atrelados a uma grade curricular fechada em espaços educacionais formais.
Uma das saídas encontradas no setor de tecnologia, por exemplo, são as micro certificações. A procura aumenta, pois elas permitem o acesso a conhecimentos específicos, sem a pessoa ter de completar um longo curso superior.
Identificar as competências necessárias para trilhar a carreira e poder escolher entre um curso técnico, um superior ou personalizar uma trilha de aprendizagem é reconfortante. Construir a própria jornada formativa gera interesse e compromisso.
Independente do caminho, tudo começa com a conclusão da educação básica que deve ter uma oferta nacional de qualidade com equidade. O ser humano deve estar capacitado a fazer escolhas, definir seu projeto de vida e ascender ao mercado de trabalho – o maior patrimônio de um país.
É de extrema relevância que sejam desenvolvidas as competências cognitivas básicas, socioemocionais e digitais. Comunicação e expressão, leitura crítica de mundo, raciocínio lógico, iniciativa, criatividade e uso de tecnologias digitais são somente alguns exemplos de formação integral de sujeitos críticos e participativos na sociedade contemporânea.
O levantamento da FIRJAN, citado anteriormente, demonstra que quem não conclui a educação básica tem salário mais baixo, consegue menos emprego formal e até vive menos. A expectativa de vida é três anos menor, segundo mostra a pesquisa.
Por tudo isso é que pessoas ligadas à Educação, assim como eu, são tão apaixonadas em defender a qualidade e melhoria constante do sistema.
Pais e mães, empregadores e governantes deveriam formar um pacto em torno deste assunto para que avanços sejam acelerados.
Este foi o propósito que me levou a expor aqui, desde setembro, as várias facetas do tema. Existem muitas oportunidades para os estudantes, além de entrar num curso universitário ruim só para ter um diploma que não garante prosperidade a ninguém.
O futuro está à porta para quem se aventurar em conhecê-lo e se adaptar a ele. O que precisamos é dar estrutura ao nosso Ensino Médio para que as possibilidades de qualificação técnica e acadêmica tenham igual atenção e valor na nossa sociedade.
* Luciana Allan é Doutora em Educação pela USP e diretora técnica do Instituto Crescer, onde há mais de 20 anos lidera projetos nacionais e internacionais na área de educação.