Formação (Getty Images)
Colunista
Publicado em 25 de março de 2025 às 15h48.
É contraditório que, atualmente, haja no mercado de trabalho duas tendências opostas: a primeira é a falta de profissionais qualificados; e a segunda é o desinteresse demonstrado por empresas na contratação de jovens mais familiarizados com as novas tecnologias.
Uma pesquisa online feita pela Intelligent.com, em agosto do ano passado, com 966 diretores de empresas americanas, revelou que 75% dessas organizações dizem que as admissões de recém-formados não atenderam às expectativas. Com isso, 1 em cada 6 gerentes de recursos humanos hesita em contratá-los.
Os motivos elencados foram: falta de motivação e iniciativa (50%) e habilidades de comunicação insuficientes (39%).
Quer dizer, a dificuldade da Geração Z inserir-se no mercado de trabalho tem muito a ver com sua dificuldade de expressar ideias, pensamentos e sentimentos de maneira objetiva e eficaz, tanto de forma verbal quanto não verbal, e também de entender e interpretar as mensagens de outras pessoas.
A habilidade de comunicação (capacidade de leitura, escrita e interpretação de textos, gráficos e vídeos em diferentes meios – físico, digital e impresso) sempre foi foco prioritário da Educação Básica, mas um eterno desafio como confirmado por essa pesquisa. E se já era difícil em um mundo analógico, agora ainda mais, tendo em vista que a inteligência artificial generativa (IA Gen) potencializa esse desafio espalhando imagens e áudios criados a partir de prompts (instrução ou pergunta fornecida a um modelo de IA).
Vale destacar que, este ano, o Fórum Econômico Mundial identificou risco exacerbado de desinformação pela capacidade da IA Gen de automatizar campanhas enganosas e criar deepfakes convincentes.
No Brasil não é diferente. Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que investigou a precisão das pessoas na identificação de notícias falsas em 21 países mostrou que nós tivemos o pior desempenho; a Austrália teve o melhor.
O estudo apontou ainda que as redes sociais são o ambiente onde é maior a dificuldade em identificar o que é falso ou verdadeiro. Na América Latina temos um agravante – mais de 85% dos entrevistados relataram buscar informações pelas redes sociais com frequência.
Como se pode ver, a disparidade entre a oferta de profissionais qualificados e a aversão das empresas em contratar jovens aptos à era digital revela um desafio multidimensional que demanda atenção coletiva. A pesquisa evidenciou não apenas a insatisfação das empresas com as habilidades de comunicação dos recém-formados, mas também destaca a urgência de uma reavaliação nas abordagens educacionais e é sobre esse ponto que discorrerei agora.
Educação midiática para quê?
A pesquisa encomendada pela Anatel, em 2024, mostra que apenas 31% das pessoas no Ensino Médio têm habilidades digitais básicas – como copiar ou mover um arquivo ou pasta, enviar e-mails com arquivos anexados, transferir arquivos entre um computador e outros dispositivos, ou usar ferramenta de copiar e colar para duplicar ou mover conteúdo, por exemplo, em um documento ou uma mensagem; 17,4% têm habilidades intermediárias; e somente 4% têm habilidades avançadas. Entre 10 países na América Latina com dados equivalentes, o Brasil fica em 5º lugar.
Para efeito de comparação, 40% dos jovens dos países do Sudeste Asiático (ASEAN) de 10 a 14 anos avaliaram suas habilidades digitais como boas ou excelentes (fonte: Statista). Já em 22 países da União Europeia, na mesma faixa etária de 14 anos, 43% dos estudantes não atingem o nível básico de habilidades digitais, segundo o Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Tecnologia da Informação 2023 (ICILS), índice de alfabetização digital considerado deficiente.
A realidade, de uma forma geral, é preocupante quando se pensa que o futuro do trabalho exigirá conhecimentos ainda mais avançados em tecnologia, o que inclui o desenvolvimento de habilidades que permitem aos indivíduos analisar, avaliar e criar produtos de comunicação em diferentes formatos, tendo um olhar crítico para o contexto em que ele foi produzido e será consumido, bem como uma reflexão sobre questões éticas, desinformação, o papel da comunicação na sociedade entre outros. Ou seja, as pessoas têm de ser, cada vez mais, consumidores críticos de informação e produtores conscientes de conteúdo.
No Brasil, há tempos temos buscado superar esse desafio por meio do desenho e divulgação de diretrizes para se trabalhar o letramento digital e a educação midiática. Documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a Base Nacional Comum Curricular e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular de Computação são as principais referências.
Como síntese dos principais aspectos que têm sido explorados, com foco no desenvolvimento de competências para comunicação e expressão em meios digitais, posso mencionar:
No meio digital, existem outras formas de linguagem – iconografia; símbolos; formas de escrita mais condensadas, com um número de caracteres limitados; vídeos com durações e estilo diferentes. Então, tem-se uma forma de produção, escrita, leitura e interpretação específicas. Convenhamos que sem dominar a identificação e a busca de informações fidedignas no digital, é impossível aproveitar oportunidades no mercado de trabalho, porque a compreensão das mensagens influencia as percepções, comportamentos e opiniões.
Não está proibido
A BNCC já reconhecia a importância do letramento digital e educação midiática como parte integral da formação dos estudantes e destacava a necessidade de um pensamento crítico em relação ao uso das tecnologias e dos meios de comunicação.
Este ano um ajuste foi feito – a proibição do uso de aparelhos eletrônicos na escola a não ser em caso de uso pedagógico ou por emergência médica. A nova lei diz que é possível usar os equipamentos dos alunos desde que seja com finalidade educacional e com supervisão do professor. (Se tem dúvidas sobre este assunto, leia meu artigo anterior aqui.)
Ou seja, smartphones continuam a ser um recurso válido para promover a inclusão digital. Fato é que, recentemente, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou seis diretrizes curriculares para a educação midiática e digital, que já incluem regras para o uso de celulares nas escolas e que estão conectadas à BNCC de Computação. Eu destaco duas: as escolas têm de pensar em integrar as tecnologias ao currículo e estabelecer critérios para orientar o uso pedagógico dos dispositivos ao longo de toda a educação básica.
Defendo que: utilize-se as diretrizes já desenhadas; implemente-se o que está na BNCC de Computação, siga-se as normas lá expressas; e faça-se um bom trabalho. Não há necessidade de reinventar a roda e nem criar um currículo novo!
Se as escolas conseguirem realmente incluir no currículo atual essas diretrizes, avançaremos no desenvolvimento da competência de comunicação em meios digitais. Automaticamente, melhoraremos as oportunidades de empregabilidade de nossos jovens que ingressarão no mercado de trabalho em um futuro próximo.
O meu conselho para os educadores é: olhe para o que já existe; siga as orientações que já estão postas; acesse os materiais disponibilizados pelo Escolas Conectadas e pelo MEC.
É fundamental que nos organizemos para equipar as novas gerações com as competências necessárias para navegar, interpretar e contribuir de forma eficaz em um ambiente de trabalho cada vez mais complexo e influenciado pela inteligência artificial. O impacto nocivo da desinformação nas redes sociais, acentuado pela nossa dificuldade de discernimento, apenas reforça a importância de um ensino que priorize, acima de tudo, a leitura crítica e a comunicação clara.
Portanto, enfrentar esses problemas não é apenas uma questão de preparar a Geração Z para o mercado, mas sim de assegurar que essas pessoas se tornem cidadãos informados e ativos em uma sociedade que evolui rapidamente e na qual a verdade é muito mais valiosa do que nunca.
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