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O que a metamorfose de Kafka tem a ensinar ao mercado de trabalho

A nova barata da economia em curso não apresentará soluções heroicas com programas desenvolvimentistas, dada a precarização do trabalho

Mercado de trabalho: dos mais de 100 milhões de empregados, pouco mais de 40% têm carteira assinada. (Mario Tama/Getty Images)
Coriolano Gatto

Jornalista e colunista da EXAME

Publicado em 28 de junho de 2023 às 18h40.

O ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva vai colher neste ano o pior fruto do seu primeiro ano de mandato na Presidência da República e o terceiro conferido de forma democrática: a estagnação no mercado de trabalho. Ainda que a taxa de desemprego caia para 8% – dentro de um cenário otimista, com redução expressiva da taxa de juros no Brasil e uma recessão branda nos países ricos no segundo semestre –, há um enorme desalento.

Mesmo com o crescimento projetado pelo mercado financeiro, algo acima de 2% para 2023, há uma similaridade entre a projeção do mercado e o famoso livro de Franz Kafka, “ A Metamorfose ”, em que um caixeiro viajante é tragado por uma barata e a partir dali vive uma metamorfose em que fica mais preocupado, não tanto com a situação insólita, mas pelo atraso ao trabalho diante da nova criatura do personagem construído por Kafka no início do século passado.

A situação não é diferente na população econômica ativa, em que impera a informalidade, baixa escolaridade e renda comprimida. É a nova barata da economia em curso que não apresentará soluções heroicas com programas desenvolvimentistas, dada a precarização do trabalho.

Aos números:dos mais de 100 milhões de empregados, pouco mais de 40% têm carteira assinada, sendo a renda média de R$ 2.800, considerando que boa parte trabalha no setor de comércio e de serviços e não mais nas montadoras de carros; aquelas que projetaram o jovem Lula nos anos 1970. Essas empresas vivem às turras com lay offs e vendas em queda. É melhor nem falar do patético programa de apoio ao carro popular em um país no qual o transporte público caminha para o colapso. Basta conferir a dura realidade da região metropolitana do Rio, com modais desencontrados, tarifas caras e um índice elevado de criminalidade. O teatro de Ionesco seria pouco para descrever a situação melancólica na qual milhares de trabalhadores precarizados convivem no cotidiano do Rio e, possivelmente, de outras grandes metrópoles. Por isso, soa como grotesco o programa do carro popular.

Se não fosse o agronegócio, tão apedrejado por parte do atual governo, a produtividade seria negativa, dada a ineficiência dos outros setores da economia, como a indústria, que, a despeito de proteções, continua a patinar nos 11% do PIB. Ok, a indústria devolve o argumento com a carga tributária elevada, mas omite os regimes especiais, que vigoram em boa parte da cadeia produtiva.

A taxa de participação no emprego tem e terá queda vertiginosa, o que significa dizer que o atual percentual está mascarado.Sim, a taxa de desemprego, pelas contas do FGV Ibre, deveria ser superior a 11%. Isso porque a chamada taxa de participação, ensina o mestre Luiz Guilherme Schymura, é a força de trabalho (ocupados mais desocupados) como proporção da população em idade de trabalhar, o que no Brasil inclui 14 anos ou mais, atualmente é de 61,4%, sendo que já foi de 62,7% em julho-setembro de 2022.

Os especialistas apontam que cerca de dois terços da mão de obra brasileira – isso inclui os informais e os famosos pejotinhas – trabalham em empregos de baixa qualificação em uma situação inversa ao de países como a Alemanha, em que um grande contingente está empregado em serviços de tecnologia, indústria, inovação e conhecimento. O Brasil, por definição, é um país exportador de commodities. O agronegócio, mecanizado, gera poucos empregos, ainda que, por via indireta, supre uma grande cadeia de empregados nos segmentos de transporte, armazenagem, entre outros, o que contribui para a geração de renda.

O grande nó górdio do mercado de trabalho, apontam especialistas, não pode ser atribuído à ausência de reformas. O que falta são instrumentos de política econômica para um crescimento sustentável – pelo menos de 3% ao ano –, e um ambiente de negócios amigável. Essas são as grandes travas para o desenvolvimento. Mais uma vez, aos números: o governo passado deixou como herança uma dívida pública de 73% do PIB. O atual projeta um indicador de 85%, o que significa gastar até 2026 um percentual de 12% do PIB, estimado em R$ 8 trilhões (o número varia de acordo com a contabilidade).

Isso significa que a tal da barata de Kafka tem bastante razão: a metamorfose do mercado de trabalho vai depender não tanto da inusitada aparência causada pelo personagem do grande escritor, mas da capacidade de o governo em gerir as contas públicas, reduzindo gastos, suprimindo os famosos subsídios para ricos e prósperos empresários, e criar um ambiente favorável à atração de novos investimentos – externos e internos. Sem isso, o mercado de trabalho continuará a apresentar resultados medíocres, muito distantes dos enormes potenciais da economia brasileira.

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Mesmo com o crescimento projetado pelo mercado financeiro, algo acima de 2% para 2023, há uma similaridade entre a projeção do mercado e o famoso livro de Franz Kafka, “ A Metamorfose ”, em que um caixeiro viajante é tragado por uma barata e a partir dali vive uma metamorfose em que fica mais preocupado, não tanto com a situação insólita, mas pelo atraso ao trabalho diante da nova criatura do personagem construído por Kafka no início do século passado.

A situação não é diferente na população econômica ativa, em que impera a informalidade, baixa escolaridade e renda comprimida. É a nova barata da economia em curso que não apresentará soluções heroicas com programas desenvolvimentistas, dada a precarização do trabalho.

Aos números:dos mais de 100 milhões de empregados, pouco mais de 40% têm carteira assinada, sendo a renda média de R$ 2.800, considerando que boa parte trabalha no setor de comércio e de serviços e não mais nas montadoras de carros; aquelas que projetaram o jovem Lula nos anos 1970. Essas empresas vivem às turras com lay offs e vendas em queda. É melhor nem falar do patético programa de apoio ao carro popular em um país no qual o transporte público caminha para o colapso. Basta conferir a dura realidade da região metropolitana do Rio, com modais desencontrados, tarifas caras e um índice elevado de criminalidade. O teatro de Ionesco seria pouco para descrever a situação melancólica na qual milhares de trabalhadores precarizados convivem no cotidiano do Rio e, possivelmente, de outras grandes metrópoles. Por isso, soa como grotesco o programa do carro popular.

Se não fosse o agronegócio, tão apedrejado por parte do atual governo, a produtividade seria negativa, dada a ineficiência dos outros setores da economia, como a indústria, que, a despeito de proteções, continua a patinar nos 11% do PIB. Ok, a indústria devolve o argumento com a carga tributária elevada, mas omite os regimes especiais, que vigoram em boa parte da cadeia produtiva.

A taxa de participação no emprego tem e terá queda vertiginosa, o que significa dizer que o atual percentual está mascarado.Sim, a taxa de desemprego, pelas contas do FGV Ibre, deveria ser superior a 11%. Isso porque a chamada taxa de participação, ensina o mestre Luiz Guilherme Schymura, é a força de trabalho (ocupados mais desocupados) como proporção da população em idade de trabalhar, o que no Brasil inclui 14 anos ou mais, atualmente é de 61,4%, sendo que já foi de 62,7% em julho-setembro de 2022.

Os especialistas apontam que cerca de dois terços da mão de obra brasileira – isso inclui os informais e os famosos pejotinhas – trabalham em empregos de baixa qualificação em uma situação inversa ao de países como a Alemanha, em que um grande contingente está empregado em serviços de tecnologia, indústria, inovação e conhecimento. O Brasil, por definição, é um país exportador de commodities. O agronegócio, mecanizado, gera poucos empregos, ainda que, por via indireta, supre uma grande cadeia de empregados nos segmentos de transporte, armazenagem, entre outros, o que contribui para a geração de renda.

O grande nó górdio do mercado de trabalho, apontam especialistas, não pode ser atribuído à ausência de reformas. O que falta são instrumentos de política econômica para um crescimento sustentável – pelo menos de 3% ao ano –, e um ambiente de negócios amigável. Essas são as grandes travas para o desenvolvimento. Mais uma vez, aos números: o governo passado deixou como herança uma dívida pública de 73% do PIB. O atual projeta um indicador de 85%, o que significa gastar até 2026 um percentual de 12% do PIB, estimado em R$ 8 trilhões (o número varia de acordo com a contabilidade).

Isso significa que a tal da barata de Kafka tem bastante razão: a metamorfose do mercado de trabalho vai depender não tanto da inusitada aparência causada pelo personagem do grande escritor, mas da capacidade de o governo em gerir as contas públicas, reduzindo gastos, suprimindo os famosos subsídios para ricos e prósperos empresários, e criar um ambiente favorável à atração de novos investimentos – externos e internos. Sem isso, o mercado de trabalho continuará a apresentar resultados medíocres, muito distantes dos enormes potenciais da economia brasileira.

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