Exame Logo

Mais flexibilidade, empatia e generosidade. Será uma evolução para um novo modelo de negócios?

Cada vez mais é necessário rever a dinâmica das construções de estratégia e processos de decisões empresariais no mundo complexo em que vivemos

(10'000 Hours/Getty Images)

Publicado em 11 de setembro de 2023 às 16h20.

Por Marcos Bedendo*

Cada vez mais é necessário rever a dinâmica das construções de estratégia e processos de decisões empresariais no mundo complexo em que vivemos. Num mundo complexo em que as influências são mais intensas e provenientes de múltiplos stakeholders, o processo ideal de construção de estratégia é bastante distinto daquele que foi ensinado no passado.

Tive a oportunidade de participar recentemente de um evento para CEOs de grandes organizações, com uma mesa composta por Claudio Garcia, Luiz Carlos Cabrera, Jeane Tsutsui e Leila Loria. A discussão, de alto nível, girou em torno de como a cooperação e a generosidade deveria pautar a relação entre acionistas, conselho consultivo, CEO e demais C Levels.

Ainda que a pauta fosse a relação entre conselho e C Level, ficou claro que a discussão impacta também as demais hierarquias das empresas, e a própria relação entre as empresas, levando o processo de gestão cada vez mais para longe das relações de “comando e controle” que ainda pautam as relações atuais. O novo modelo será mais participativo, mais flexível, melhor as nuances e necessidades de um amplo grupo de stakeholders. Um modelo mais “generoso”, termo presente na chamada do evento.

Uma mudança necessária

Isso será feito não porque é tendência, ou por escolha, mas por necessidade. As empresas não são unidades autônomas e apartadas das demais. Elas compõem ecossistemas, onde múltiplas necessidades e interesses são balanceados para que todos ali possam extrair o que é necessário para a própria sobrevivência e crescimento – individual e da comunidade.

Os novos modelos de negócios são de “plataforma”, onde diferentes players se juntam para executar um modelo de negócios específico. O exemplo usado por Claudio Garcia foi o da Visa, que diferente da Amex depende de um balanço de diversos players para funcionar: bancos, adquirentes, estabelecimentos e consumidores. Por ser um sistema aberto a Visa pode crescer e se adaptar muito mais rapidamente e com um uso menor de recursos próprios do que a Amex, uma enorme vantagem que claramente aparece no valor de mercado das empresas – a Visa vale aproximadamente 5x o valor da Amex. Mas para isso, ela precisa ser “boa” para todo o ecossistema que se montou ao redor dela. Caso o ecossistema não seja atraente, novas soluções irão surgir e tornar a Visa irrelevante. É preciso que o gestor da plataforma atinja seus resultados, mas também possibilite que os outros players atinjam os seus.

Essa é a forma que o Uber, AirBnB, Spotify e as app stores da Google e Apple funcionam. Se os produtores (sejam eles motoristas, donos de imóveis, músicos ou desenvolvedores) não entendem que a plataforma traz algo como retorno, eles deixam de participar dela, ou buscam outras opções. Então não é possível para as plataformas fazerem planos de longo prazo sem considerar as necessidades de quem participa do ecossistema. A interdependência deve gerar algum tipo de vantagem mútua para que continue a acontecer.

Isso traz uma incerteza que antes era menos identificada no planejamento das empresas. Pois agora, para que a estratégia se concretize, é preciso convencer outros a participarem junto. É necessário planos mais flexíveis, mais adaptáveis, mais emergentes. E isso é difícil para CEOS e membros de conselho que foram treinados para serem comandantes no estilo “comando e controle”, onde eles eram capazes de direcionar e controlar todas as ações empresariais.

Um conselho que dê conselhos

Os conselhos, na visão de muitos CEOs, são quase “máquinas de cobrança”. Formados em muitos casos por ex-executivos, eles parecem que estão menos preocupados em entender e aconselhar, e mais preocupados em repetir comportamentos típicos de seus anos como executores – cobrando e “subindo a régua” ao invés de usar sua experiência e vivência para aconselhar e auxiliar.

A ansiedade trazida pela imprevisibilidade e complexidade do mundo contemporâneo está presente na fala de CEOs e subordinados, mas parece ainda pouco afetar o board, que segundos os CEOs continuam demandando planos exatos, objetivos meticulosos e resultados sempre positivos. Mesmo sabendo que o mundo não funciona por decreto.

O pedido dos CEOs é que a reunião com o board se torne um “ambiente seguro”, onde é possível dividir informações, opiniões, nivelar expectativas e conhecimentos e compartilhar inseguranças. Um ambiente mais acolhedor, mais empático. Mais generoso. Exatamente o que a média gerência demanda dos C Levels, e o que os colaboradores demandam de seus gerentes.

Essa relação mais positiva e generosa deveria permear toda a organização, e todo o ecossistema. Com relações mais generosas, o ecossistema se adapta, se potencializa e evolui. Ao invés da desconfiança, rigidez e cobranças tão comuns às estratégias do século passado.

Um novo conceito de estratégia

Num ecossistema, a estratégia é mais aberta e fluída, num conceito de “open strategy”. Não significa que não há um objetivo, ele está lá. Mas ele é permeável e permite a participação mais ativa e envolvida dos outros players da cadeia. Essa nova forma de pensar estratégia permite se organizar o trabalho considerando as mudanças ambientais e as complexidades tão comuns atualmente. Permite que as informações e o próprio trabalho fluam melhor, e que todos os participantes do ecossistema, internos ou externos à empresa, possam se envolver com o propósito que está sendo ali construído.

O destino final está presente, mas como uma direção e sentido. O caminho é traçado levando em conta a perspectiva de todos os stakeholders, e as ações são orientadas pela essência das organizações, transmitidas pelos comportamentos e atitudes executados no dia a dia – que podemos chamar de cultura. Uma enorme vantagem frente aos rígidos “5 year plans” determinados pela alta direção e consultorias no passado.

Cada vez que vemos uma discussão como essa, onde líderes de organizações e conselheiros debatem ecossistemas flexíveis e generosos de negócios, onde se admite que a estratégia é uma construção coletiva, e que os modelos anteriores de comando e controle não respondem mais aos desafios do contexto atual, reafirmamos que felizmente estamos no caminho certo, tanto nos estudos quanto nas nossas práticas de consultoria.

*Marcos Bedendoé sócio consultor da Brandwagon, consultoria especializada em alinhar essências e propósitos para direcionar estratégia e crescimento. Também é professor de Branding e Marketing na ESPM-SP, FDC, Insper, FIA e Ibmec.

Veja também

Por Marcos Bedendo*

Cada vez mais é necessário rever a dinâmica das construções de estratégia e processos de decisões empresariais no mundo complexo em que vivemos. Num mundo complexo em que as influências são mais intensas e provenientes de múltiplos stakeholders, o processo ideal de construção de estratégia é bastante distinto daquele que foi ensinado no passado.

Tive a oportunidade de participar recentemente de um evento para CEOs de grandes organizações, com uma mesa composta por Claudio Garcia, Luiz Carlos Cabrera, Jeane Tsutsui e Leila Loria. A discussão, de alto nível, girou em torno de como a cooperação e a generosidade deveria pautar a relação entre acionistas, conselho consultivo, CEO e demais C Levels.

Ainda que a pauta fosse a relação entre conselho e C Level, ficou claro que a discussão impacta também as demais hierarquias das empresas, e a própria relação entre as empresas, levando o processo de gestão cada vez mais para longe das relações de “comando e controle” que ainda pautam as relações atuais. O novo modelo será mais participativo, mais flexível, melhor as nuances e necessidades de um amplo grupo de stakeholders. Um modelo mais “generoso”, termo presente na chamada do evento.

Uma mudança necessária

Isso será feito não porque é tendência, ou por escolha, mas por necessidade. As empresas não são unidades autônomas e apartadas das demais. Elas compõem ecossistemas, onde múltiplas necessidades e interesses são balanceados para que todos ali possam extrair o que é necessário para a própria sobrevivência e crescimento – individual e da comunidade.

Os novos modelos de negócios são de “plataforma”, onde diferentes players se juntam para executar um modelo de negócios específico. O exemplo usado por Claudio Garcia foi o da Visa, que diferente da Amex depende de um balanço de diversos players para funcionar: bancos, adquirentes, estabelecimentos e consumidores. Por ser um sistema aberto a Visa pode crescer e se adaptar muito mais rapidamente e com um uso menor de recursos próprios do que a Amex, uma enorme vantagem que claramente aparece no valor de mercado das empresas – a Visa vale aproximadamente 5x o valor da Amex. Mas para isso, ela precisa ser “boa” para todo o ecossistema que se montou ao redor dela. Caso o ecossistema não seja atraente, novas soluções irão surgir e tornar a Visa irrelevante. É preciso que o gestor da plataforma atinja seus resultados, mas também possibilite que os outros players atinjam os seus.

Essa é a forma que o Uber, AirBnB, Spotify e as app stores da Google e Apple funcionam. Se os produtores (sejam eles motoristas, donos de imóveis, músicos ou desenvolvedores) não entendem que a plataforma traz algo como retorno, eles deixam de participar dela, ou buscam outras opções. Então não é possível para as plataformas fazerem planos de longo prazo sem considerar as necessidades de quem participa do ecossistema. A interdependência deve gerar algum tipo de vantagem mútua para que continue a acontecer.

Isso traz uma incerteza que antes era menos identificada no planejamento das empresas. Pois agora, para que a estratégia se concretize, é preciso convencer outros a participarem junto. É necessário planos mais flexíveis, mais adaptáveis, mais emergentes. E isso é difícil para CEOS e membros de conselho que foram treinados para serem comandantes no estilo “comando e controle”, onde eles eram capazes de direcionar e controlar todas as ações empresariais.

Um conselho que dê conselhos

Os conselhos, na visão de muitos CEOs, são quase “máquinas de cobrança”. Formados em muitos casos por ex-executivos, eles parecem que estão menos preocupados em entender e aconselhar, e mais preocupados em repetir comportamentos típicos de seus anos como executores – cobrando e “subindo a régua” ao invés de usar sua experiência e vivência para aconselhar e auxiliar.

A ansiedade trazida pela imprevisibilidade e complexidade do mundo contemporâneo está presente na fala de CEOs e subordinados, mas parece ainda pouco afetar o board, que segundos os CEOs continuam demandando planos exatos, objetivos meticulosos e resultados sempre positivos. Mesmo sabendo que o mundo não funciona por decreto.

O pedido dos CEOs é que a reunião com o board se torne um “ambiente seguro”, onde é possível dividir informações, opiniões, nivelar expectativas e conhecimentos e compartilhar inseguranças. Um ambiente mais acolhedor, mais empático. Mais generoso. Exatamente o que a média gerência demanda dos C Levels, e o que os colaboradores demandam de seus gerentes.

Essa relação mais positiva e generosa deveria permear toda a organização, e todo o ecossistema. Com relações mais generosas, o ecossistema se adapta, se potencializa e evolui. Ao invés da desconfiança, rigidez e cobranças tão comuns às estratégias do século passado.

Um novo conceito de estratégia

Num ecossistema, a estratégia é mais aberta e fluída, num conceito de “open strategy”. Não significa que não há um objetivo, ele está lá. Mas ele é permeável e permite a participação mais ativa e envolvida dos outros players da cadeia. Essa nova forma de pensar estratégia permite se organizar o trabalho considerando as mudanças ambientais e as complexidades tão comuns atualmente. Permite que as informações e o próprio trabalho fluam melhor, e que todos os participantes do ecossistema, internos ou externos à empresa, possam se envolver com o propósito que está sendo ali construído.

O destino final está presente, mas como uma direção e sentido. O caminho é traçado levando em conta a perspectiva de todos os stakeholders, e as ações são orientadas pela essência das organizações, transmitidas pelos comportamentos e atitudes executados no dia a dia – que podemos chamar de cultura. Uma enorme vantagem frente aos rígidos “5 year plans” determinados pela alta direção e consultorias no passado.

Cada vez que vemos uma discussão como essa, onde líderes de organizações e conselheiros debatem ecossistemas flexíveis e generosos de negócios, onde se admite que a estratégia é uma construção coletiva, e que os modelos anteriores de comando e controle não respondem mais aos desafios do contexto atual, reafirmamos que felizmente estamos no caminho certo, tanto nos estudos quanto nas nossas práticas de consultoria.

*Marcos Bedendoé sócio consultor da Brandwagon, consultoria especializada em alinhar essências e propósitos para direcionar estratégia e crescimento. Também é professor de Branding e Marketing na ESPM-SP, FDC, Insper, FIA e Ibmec.

Acompanhe tudo sobre:Gestão

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se